Acórdão nº 0495/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução14 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A…………, Juíza Desembargadora no TCA Sul, instaurou, contra o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante CSTAF), acção administrativa especial pedindo (1) a declaração de nulidade ou a anulação do acto que homologou a lista de graduação do concurso para provimento de vagas na Secção de Contencioso Administrativo deste STA, aberto pelo Aviso n.º 8997-B/2013, publicado na 2.ª Série do DR, de 12/07/2013, e a (2) condenação do Conselho a praticar o acto devido, correspondente à reformulação das pontuações parciais atribuídas à Autora, atribuindo-lhe mais 11 pontos, e à alteração da mencionada lista de graduação por forma a ser classificada no lugar que lhe compete.

Em resumo, alegou a invalidade daquele acto homologatório por violação de lei na avaliação e ponderação dos factores de graduação do concurso, por fundamentação insuficiente e por violação dos princípios da igualdade, da transparência, isenção e imparcialidade.

O CSTAF contestou não só para defender a legalidade do acto impugnado como também para sustentar que inexistia fundamento para deferir a pretensão condenatória.

Findos os articulados, atenta a inexistência de excepções ou questões prévias que obstassem ao conhecimento do mérito, as partes foram convidadas a apresentar alegações, direito que ambas exerceram.

A Autora concluiu do seguinte modo: 1. Os princípios regentes da actividade concursal da Administração exigem que o júri, na ponderação dos elementos curriculares apresentados pelos concorrentes, se reconduza aos factores previamente definidos, o que o júri do concurso em causa não fez em relação a alguns deles.

  1. O R. não divulgou, antes do período para a apresentação das candidaturas, a restrição na apreciação dos factores de apreciação, a que o júri procedeu.

  2. Estas condutas, materializadas na deliberação do júri e na decisão homologatória do R., que nela integralmente se apoiou, violam o disposto nas al.ª a) e c) do art. 66.º, n.º 2, do ETAF e das al.ª a) e c) do n.º 1 do Aviso de abertura do concurso, e os limites materiais impostos à discricionariedade, em especial, os princípios da imparcialidade mas também os da publicidade e da transparência (art.ºs 6.° do CPA e 266.°, n.º 2, da CRP).

  3. O júri não divulgou, antecipadamente, como estava obrigado, as grelhas de subfactores ou subcritérios que aplicou, e mesmo no parecer final não deu a conhecer as razões do desdobramento que entendeu efectuar, subtraindo-se ao cumprimento do dever de fundamentar.

  4. A deliberação do júri enferma de manifesta insuficiência de fundamentação porque, não respeitando aquele mínimo que separa a discricionariedade da arbitrariedade, impede os candidatos de exercerem, de pleno, o direito ao controlo da legalidade da decisão final do procedimento, contaminando a decisão homologatória ora impugnada e que nela se apoiou, de ilegalidade resultante da violação dos art.ºs 268º, n.º 3, da Constituição e 124° e 125º do CPA.

  5. Tal vício tem carácter invalidante, e manifesta-se com particular evidência na ponderação do factor previsto no ponto 2. al.ª e) do Aviso de abertura, que visa aferir do mérito relativo dos concorrentes quanto a actividades no âmbito do ensino jurídico e no plano do exercício da magistratura através da avaliação de 15 acórdãos relatados por cada interessado.

  6. As pontuações atribuídas à luz deste critério, para além de revelarem discrepâncias não explicadas nem perceptíveis no que respeita à consideração de elementos curriculares equivalentes em valia, baseiam-se numa absoluta falta de revelação das premissas, assentando em meras conclusões.

  7. Consubstanciando a actividade de aferição do mérito curricular dos concorrentes um juízo sobre qualidade e capacidades pessoais, caracterizado por larga margem de liberdade de ponderação, esse espaço de liberdade concedido à Administração nunca é ilimitado, estando sujeito aos princípios que visam assegurar que, adentro do mesmo quadro valorativo, todas as candidaturas são tratadas por igual, designadamente na pontuação dos vários aspectos do curriculum, de acordo com a regulamentação do concurso previamente definida.

  8. Reconhecendo-se ao júri e ao órgão decisor a legitimidade para ponderar os elementos dos curricula com vista a aferir do mérito relativo das candidaturas e dentro das balizas previamente fixadas para cada factor, não é, porém, lícito, porque conduz a resultado repudiado pelo Direito, que no âmbito do concurso em causa tenham sido valorados de modo diferente elementos curriculares que se equivalem, em prejuízo para os direitos ou interesses legítimos da Autora.

  9. A desconsideração de elementos curriculares apresentados pela A. e a sua ponderação valorativa nos casos de outros concorrentes, para além de resultarem em violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, consagrados nos art.ºs 5.º do CPA e 266.°, n.º 2, da Constituição, introduzem elementos que conduzem a erro na aplicação das regras do concurso com reflexos nas pontuações parciais e global atribuídas à A., sendo por isso anulável da decisão impugnada.

  10. Para além da insuficiente fundamentação, o ato impugnado é ainda ilegal porquanto são palmares ou manifestos os erros de apreciação do curriculum da A., detectáveis pelos simples confronto com a apreciação que foi feita dos curricula de outros opositores ao concurso.

  11. Para além de desrespeitar o princípio da igualdade, é manifestamente errada a pontuação atribuída à A. à luz do factor constante da al. b), do n.º 1, do Aviso, ao não serem considerados elementos que foram tidos em consideração em relação a outros concorrentes, concretamente, a nomeação da A. como juíza no Tribunal Tributário de Lisboa.

  12. O erro cometido pelo júri é manifesto e palmar porquanto interfere com a antiguidade no exercício de funções na magistratura, decorrendo com clareza do confronto entre o curriculum da A. e o do Sr. Dr. B…………, ou do Sr. Dr. C…………, com o qual o curriculum da A. sob este aspecto se compara e equivale, devendo ter sido à A. atribuída a pontuação aproximada à atribuída a este ilustre Magistrado (pelo menos 4,0 pontos).

  13. O princípio da igualdade impõe também que se tenha por inválida a decisão homologatória que, no que respeita à apreciação do currículo universitário e pós universitário da Autora, em comparação com o de outros candidatos, levou a que a pontuação atribuída à A. neste item seja inferior à que seria devida em pelo menos 0,5 pontos.

  14. A interpretação do júri sobre o conceito de idoneidade e a sua aplicação à A., confirmadas pelo R. ao homologar o parecer, corresponde a uma flagrante e grave violação da lei, desde logo da Lei Fundamental.

  15. O ponto 2. al.ª f) do Aviso de abertura do concurso não dispensa o júri, antes lhe impõe, um juízo motivado sobre o carácter estigmatizante ou não de infracções disciplinares pelas quais o opositor ao concurso tenha sido punido, o que nem o júri nem o CSTAF fizeram.

  16. As regras do concurso impõem ao júri o dever de ponderar as circunstâncias concretas da sanção aplicada à falta disciplinar, para aferir do carácter atentatório da idoneidade, dever que o júri igualmente não observou.

  17. Tendo omitido essas ponderações, o júri e o R. não consideraram que a quebra episódica de produtividade assinalada na já longa carreira da A. apurada no processo disciplinar correspondeu a uma singela pena de multa.

  18. Nem ponderaram, como a isso estavam obrigados, que os factos na origem da sanção aplicada resultaram da necessidade de obter formação contínua e actualizada que melhor a habilitasse para a função, e não de razões que afectassem a sua credibilidade ou prestígio como magistrada, ou que colidissem com os deveres essenciais da função, ou ainda que lançassem dúvidas sobre as condições e competências para o exercício da magistratura.

  19. O júri considerou que, no plano da idoneidade, a A. “numa ponderação global do currículo, goza de consistente prestígio profissional e cívico, atestam-no, antes de mais, os convites para participar em conferências e acções de formação”, para além de ter sublinhado a sua preocupação pela formação e a qualidade dos trabalhos apresentados.

  20. Carece, por isso, de qualquer racionalidade, mostrando-se manifestamente desproporcionado, o desconto de 10 pontos na pontuação atribuída à A. por lhe ter sido registado no seu processo individual uma infracção disciplinar a que coube a mais leve das penas disciplinares (com essa natureza), sendo por isso manifesta a violação do princípio da proporcionalidade.

  21. Não é aceitável, desde logo, à luz da lei comum (o art. 9.º, n.º 3, do CC que proíbe o absurdo interpretativo) que o “grau de empenho revelado pelo próprio magistrado na sua própria formação contínua e actualizada” funcione como factor de valorização curricular nos termos da norma do concurso, e que a mesma norma consinta que uma falta disciplinar punida com singela multa, cometida comprovadamente por causa da frequência de cursos de formação que só o exercício da exigente função de magistrado determinou, possa concorrer em desfavor desse magistrado, afectando, nem mais nem menos, a sua idoneidade.

  22. A violação do princípio da proporcionalidade é ainda revelada porque o desconto dos 10 pontos se traduziu num efeito punitivo mais grave do que a sanção (multa) que correspondeu à falta disciplinar, na medida em que o desconto teve como objectiva consequência vedar o acesso da Autora a um dos lugares postos a concurso.

  23. É, pois, frontalmente ilegal e patentemente nula a deliberação homologatória na parte em que aceitou a subtracção de 10 pontos à ponderação do curriculum da A. à luz do ponto 2. al. f) (iv), do Aviso do Concurso, sendo consequentemente inválida a lista de graduação final dos candidatos.

  24. A interpretar-se o art. 69.°, n.º 2, al.ª f. do ETAF e o ponto 2. al. f) (iv), como autorizando a desvalorização do currículo da A., então é manifesta a inconstitucionalidade destas normas, por ofensa directa e material dos...

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