Acórdão nº 0202/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução14 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

B……… e outros, autores no processo de contencioso eleitoral à margem indicado, vêm interpor recurso de revista de acórdão do TCAS que não admitiu, ao abrigo do artigo 27º nº1 al. i) e nº2 do CPTA, o recurso jurisdicional por si interposto da decisão de 1ª instância.

Para tanto apresentam as seguintes conclusões: I Decidiu o TCA não admitir recurso de decisão de primeira instância proferida por juiz singular, por não ter sido precedida de reclamação para a conferência nos termos do disposto no art.º 27.º, nº 1 al. i) e nº 2 do CPTA.

  1. Mais decidiu que, tendo o recurso sido interposto para além do prazo de dez dias fixado para tal reclamação, não era possível a convolação do recurso interposto em reclamação.

  2. A “sentença” proferida em primeira instância: a) não faz qualquer referência direta ou indireta ao uso dos poderes conferidos no disposto no art.º 27.º do CPTA; b) nem tão pouco refere o disposto no art.º 87.º do mesmo diploma; c) nem sequer procedeu à audição prévia dos AA previstos nesse dispositivo legal.

  3. Por outro lado, após a dita “sentença”, o Tribunal de 1ª Instância antes e contraditoriamente à interpretação do TCA: a) recebeu o recurso instruído; b) sustentou a decisão proferida; e c) mandou subir os autos.

  4. Tudo conforme prática aliás de anos e anos da jurisprudência dos Tribunais Administrativos, agora interrompida por emissão de sucessivos acórdãos uniformizadores, progressivamente demolidores de novos e diversos fundamentos, que propugnavam interpretação diversa. Designadamente o Ac. 3/2015, proferido durante o prazo de alegações nestes autos e por isso nelas referido. Como quer que seja, VI. Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência, ditados em qualquer das suas formas, não têm qualquer força obrigatória geral, nem sequer, a nosso ver, lhes deve ser reconhecida obediência na ordem judicial, maxime quando a interpretação das normas em causa colidir com o estatuído na Constituição da República Portuguesa.

  5. E, ainda que assim não fosse, na ordem judicial nunca vinculariam esse Supremo Tribunal Administrativo em razão de factos, argumentos e considerações novas e/ou nova consideração interpretativa e oficiosamente cognoscível, acaso se entenda, desde logo, a desconformidade com os preceitos constitucionais da interpretação neles veiculada, face ao caso concreto.

  6. Mas, o caso concreto é diverso dos analisados nos acórdãos. Com efeito, IX. No presente caso, estamos perante um processo de contencioso eleitoral, regulado nos termos do Título IV do CPTA (Lei 15/2002 de 22/02) e não qualquer outro tipo de procedimento, muito menos qualquer das ações administrativas especiais que o legislador enumerou expressamente no Título III do mesmo código.

  7. Nem sequer estamos perante uma ação de contencioso pré-contratual que tem sido objeto de diversas (!) e diferentes decisões judiciais, a que se refere a jurisprudência uniformizadora.

  8. O mesmo legislador do CPTA produzira o ETAF que fizera publicar 3 dias antes (L 13/2002 de 19/2).

  9. Assim, quando enumerou as “ações administrativas especiais” — art.º 46.º do CPTA, o legislador teve em conta o que havia disposto no art.º 40.º nº 3 do ETAF que às mesmas “ações administrativas especiais”, e só a elas se refere.

  10. E, o intérprete não pode atribuir ao preceito indicado — n.º 3 do art.º 40 do ETAF -, um sentido que não tem um mínimo de correspondência verbal, fazendo acrescer algo que o legislador lá não colocou, ou seja, não é admissível entender-se que esse regime seria aplicável não só ao que ele diz, mas também a todos os processos que, por remissão legal, tivessem alguma tramitação subsidiária.

  11. Deve o interprete, maxime o tribunal, presumir que, ao omitir a exigência de julgamento alargado e possibilidade (exigência!) de reclamação no n.° 3 do art.° 40.° do ETAF, definidas apenas para o processo administrativo especial, não quis abranger as outras formas processuais.

  12. Ou seja, o art.° 40.° referido, ao inverter a regra de competência do juiz singular, no que diz respeito aos processos especiais — enumerados no título V da LPTA, não quis abranger o processo não especial, previsto no título IV da mesma Lei.

  13. E, sabido é, a norma exceptiva não comporta interpretação analógica e a interpretação extensiva apenas é admitida quando os dados interpretativos obtidos forem “absolutamente seguros” poderá o intérprete alcançar um resultado para além do seu dizer expresso.

  14. Assim o entendeu e bem o tribunal de primeira instância ao proceder nos termos expressos nas conclusões III e IV supra, havendo-se o juiz singular como competente para o julgamento da causa e a final, sustentando-a embora, submeter do recurso da sua decisão ao TCA.

  15. A referida carência de reclamação como meio de impugnação prévia ao recurso não tem assim aplicação ao caso dos autos, devendo admitir-se o recurso interposto.

  16. Diz o acórdão recorrido que o “despacho do relator” abrange as sentenças, porquanto o art.° 27.° n.° 1 acrescenta aos poderes do relator “... sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código.

    ” E ainda, segundo o acórdão recorrido, de entre esses poderes estará o de proferir sentenças nos termos do art.° 87.° do CPTA. Sem razão porém, no caso concreto, já que: XX. Subsidiário, é do processo de contencioso eleitoral — art.° 97 n.°1 do CPTA - é apenas” ... o disposto na secção I do capítulo II do título III não abrangendo portanto o disposto no art.° 87.° que ao capítulo III daquele título pertence.

  17. Donde, o argumento dos poderes próprios do relator afirmados sempre careceria, in casu, de pertinência.

  18. Mas, mesmo que se entenda que a decisão tenha sido proferida em primeira instância no uso dos poderes que lhes estão atribuídos pelo disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 87.° do CPTA, isso não invalida que o tenha sido no uso de competência própria como juiz.

  19. Além de no caso tal preceito se não aplicar, sempre o mesmo - até pela sua previsão dicotómica — “concluso ao juiz ou relator”, levaria a que o primeiro, ou seja o juiz, estaria a decidir com competência judicativa própria, insuscetível da reclamação para um coletivo.

  20. Competência judicativa essa em matéria de direito e de facto que lhe é assacada expressamente pelo disposto no regime regra estatuído no artigo 40.º n.º 1 do ETAF.

  21. Dessa sua sentença caberia sempre recurso e não reclamação. Mas, ainda que assim se não entendesse, o que por cautela de patrocínio se admitiu, sempre soçobraria o que motivou a rejeição do recurso no TCA. XXVI. Defender, como na decisão recorrida, que a decisão tenha sido proferida nos termos do n.° 1 do art.° 27.° (corpo, in fine) por referência ao art.° 87.° n.º 1 do CPTA, a fim de vincular a mesma à reclamação para a conferência prevista no n.° 2 do art.° 27.º, além de não ter cabimento no caso concreto, sempre integraria nulidade.

  22. Com efeito, na segunda instância, quanto à rejeição de recurso, não foram previamente ouvidos os AA, em obediência ao expressamente disposto no art.° 146.° n.° 3 do CPTA.

  23. Ora, a não admissão de recurso colide com o princípio fundamental do CPTA que assegura sempre recurso das decisões que ponham termo ao processo sem julgamento de mérito. — art.° 142.° n.° 3 do CPTA.

  24. Ainda que erroneamente se persista que a regra da reclamação seja alargada aos processos de contencioso eleitoral, sempre se teria que atentar que, em lado nenhum, a lei prevê tal reclamação como necessária, contrariamente ao que se estabelece na legislação Administrativa Tributária — art.° 131.º do CPPT, na Lei Eleitoral da Assembleia da República — art.°s 30.° e 32.°, no Estatuto dos Magistrados Judiciais — art. 164.° XXX. Pretendendo a lei que tal reclamação devesse preceder necessariamente o recurso e fosse condição da admissão deste, à semelhança desses normativos, assim teria o legislador expressamente consignado.

  25. Pretende ainda a decisão em apreço, que o princípio fundamental de direito administrativo pro actione ou in dubio pro habilitate instantiae, que afirmou e pretendeu usar, esbarrava com a norma adjetiva referente ao prazo processual previsto...

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