Acórdão nº 01314/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | FONSECA DA PAZ |
Data da Resolução | 18 de Junho de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: RELATÓRIO A “A………….. S.A.”, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção administrativa comum, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos lícitos, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 3.175.083,67, acrescida de juros legais contados desde a citação.
Após a ampliação do pedido, a acção foi julgada procedente e, em consequência, foi o Réu condenado a pagar à Autora uma indemnização, por danos patrimoniais, no valor total de € 3 466.449,22, acrescida dos juros legais contados desde a citação até ao seu integral pagamento.
O Réu interpôs recurso desta sentença, para o Tribunal Central Administrativo Sul, imputando-lhe erros de julgamento, resultantes de se ter fixado o montante indemnizatório de acordo com o critério previsto no art.º562.º do Código Civil e de neste se terem incluído os danos decorrentes da emissão pela Autora de notas de crédito aos seus próprios clientes.
Com as suas contra-alegações, a Autora requereu que ao recurso fosse atribuída a natureza de revista, a subir directamente ao STA, nos termos do art.º151.º, do CPTA, o que foi indeferido por despacho da srª. juíza do TAC, notificado às partes.
Por acórdão de 11 de Abril de 2013, o Tribunal Central Administrativo Sul concedeu parcial provimento ao recurso, por considerar que no montante indemnizatório não era de incluir o valor referente às notas de crédito emitidas a favor das clientes da Autora e, em consequência, fixou em €3.298.528,28, "acrescido de juros correspondentes", o valor da indemnização em que condenou o Réu.
Após pedido de aclaração formulado pela Autora e recurso interposto pelo Réu ao abrigo do art.º150.º do CPTA, onde era suscitada a nulidade de omissão de pronúncia, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 24/10/2013, considerou improcedente a arguição de nulidade e aclarou o acórdão recorrido no sentido que os juros moratórios devidos eram os contados a partir do trânsito em julgado da decisão.
No referido recurso, o Réu, na sua alegação, formulou as seguintes conclusões: “1.
A autora, A…………, S.A., veio, em 11-5-2005, propor uma acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos lícitos, contra o Estado Português, com vista a ser ressarcida dos danos patrimoniais que avaliou inicialmente em 3.175.83,47 euros (correspondentes ao custo de produção das aves, aos custos suportados com a manutenção da congelação das aves desde a ordem de produção de comercialização até ao efectivo abate, aos custos suportados com a operação de destruição e aos custos com as notas de credito passadas aos clientes pela destruição de aves aos mesmos vendidas), que lhe causou a determinação de 16 de Março de 2003, da Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, para cessar imediatamente a comercialização de carne de aves congeladas, bem como a determinação de 20-3-2003, da Direcção Regional da Agricultura) do Ribatejo e Oeste, que ordenou a destruição, por conta da autora, dessa carne de aves, com data de produção anterior a 14-3-2003.
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Estas determinações foram determinadas pelo resultado das análises em aves vivas, efectuadas noutras explorações, onde foi detectada a presença de furaltadona e nitrofuranos e destinavam-se à preservação da saúde pública e ao retorno da confiança dos mercados, uma vez que as vendas caíram drasticamente após a publicitação da referida contaminação.
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Em 30-1-2006 a autora veio requerer a ampliação do pedido, nos termos do nº 2 do artº 273º do CPC, com vista a ser ressarcida dos por si denominados lucros cessantes, correspondentes ao lucro que obteria com a venda das aves nos seis meses posteriores à sua destruição, se as mesmas não tivessem sido destruídas, no valor de 291.365,64 euros.
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Em 18-3-2010 foi proferida sentença que considerou totalmente procedente a presente acção, condenando o Estado a pagar uma indemnização à autora no valor de 3.466.449,22, a título de danos emergentes e lucros cessantes, mais juros legais desde a citação até integral pagamento.
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Por acórdão deste TCAS de 11-4-2013, foi considerado o recurso interposto pelo MP da sentença, parcialmente procedente, revogando-se a sentença da primeira instância na parte em que condenara o Estado ao pagamento de 167.920,94 euros relativos às “notas de crédito”, mas mantendo-se a sentença na parte em que decidiu condenar o Estado ao pagamento a autora da importância de 3,298.528,28 euros, correspondente a soma da indemnização por danos emergentes no valor de 3.175.083,67 euros (correspondentes a soma de 2.393.978,16 relativos as aves destruídas, mais 480.520,36 euros relativos aos custos com as câmaras congeladoras, mais 132.664,12 relativos aos custos com a operação de destruição das aves), mais o montante de 291 365,64, correspondente aos lucros com a venda das aves que deixou de auferir - lucros cessantes).
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O artº 150º nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a titulo excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
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As questões jurídicas que se pretendem tratar são relevantes do ponto de vista objectivo «dado que quando estas situações ocorrem dão lugar a prejuízos que, em qualquer dos critérios que se adoptem, atingem somas em geral muito relevantes para o Estado e o erário público, sendo as diferenças de critério também elas determinantes de resultados (montantes indemnizatórios) que podem ser muito diferenciados, pelo que se justifica que o Supremo, tanto quanto possível, esclareça o quadro legal para uma maior paz social e boa administração da justiça” (ac do STA de 7-12-11, in procº nº 01077/11).
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A questão de saber se em caso de indemnização pelo sacrifício de bens privados por razões de interesse geral, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artº 562º do Cciv.) se deve reportar às condições gerais e objectivas do momento do facto danoso, ou às condições subjectivas e específicas que permitam englobar no dano a perspectiva das expectativas do respectivo valor, ou de preços que o bem ainda poderia render se mantido durante o período normal de conservação na validade (seis meses), é questão jurídica controversa, de importância geral e sobre a qual a pronúncia do STA pode contribuir para uma melhor administração da justiça, pelo que se justifica a admissão de revista excepcional (ac do STA de 7-12-11).
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O caso que aqui nos ocupa é em tudo semelhante ao caso a que se reporta o douto acórdão do STA parcialmente transcrito, pelo que, pelas mesmas razões que levaram a admissão do recurso de revista naquele, pensamos que devera ser admitido o presente recurso.
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Atendendo nomeadamente a complexidade e a tendência repetitiva das questões suscitadas, a natureza exígua e dissonante da doutrina e jurisprudência sobre responsabilidade por actos lícitos da Administração Pública (não só durante a vigência do DL nº 48051 de 21/11/67, como na vigência da actual Lei 67/08, de 31-12), ao não tratamento das questões especificas aqui abordadas pela jurisprudência desse Alto Tribunal, e ainda ao valor excepcionalmente elevado da indemnização atribuída, com as inerentes repercussões na sociedade e na economia, que justifica, no nosso entender, uma melhor aplicação do direito, parece-nos, salvo melhor opinião, que o presente recurso deverá ser recebido.
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Foi suscitada, nas contra-alegações da autora, referentes ao recurso que o MP interpôs da sentença, a questão da incompetência em razão da hierarquia deste TCAS para decidir o referido recurso, a qual não foi apreciada pelo douto acórdão recorrido, sendo que era de apreciação prioritária em relação a todas as outras questões nele apreciadas (artº 13º do CPTA).
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Nestes termos, verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC.
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Os artºs 562º e 564º do CC, interpretados no sentido da reparação total do dano em função da culpa do agente, não são aplicáveis quando o acto lesivo é lícito ou seja, praticado por necessidade de preservar o interesse público e não com qualquer intuito lesivo.
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No caso de responsabilidade por actos lícitos é devida não uma indemnização, mas uma “compensação justa” a avaliar segundo juízos de equidade e atendendo “às demais circunstâncias do caso” nos termos do artº 494º do C.C., à semelhança - e por maioria de razão - do que acontece no caso de responsabilidade por actos ilícitos quando está em causa a culpabilidade do agente, nos termos do artº 494º do C.C, ou à semelhança do que acontece em termos de responsabilidade pelo exercício da função legislativa em que a indemnização e calculada em montante inferior ao que corresponde a reparação integral dos danos causados.
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Nestes termos, no caso de serem aplicáveis à situação dos autos os artºs 562º e 564º do CC, tal aplicabilidade terá que ser conjugada com o artº 494º do C.C.
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Quer o artº 562º, quer o artº 564º do C.C., sugerem que as condições a repor se reportam ao momento da destruição dos bens e não a todo o tempo em que os produtos em causa poderiam ser comercializados, não tendo, assim, que chamar à colação, o período de duração destes, nem o valor de mercado que teriam no fim do prazo de validade, nem a recuperação dos mercados.
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A situação a reparar seria, assim, uma compensação arbitrada em função do valor dos bens destruídos, ou seja, o montante que o lesado pagou para os obter (mais as despesas com a destruição e decorrentes da demora desta) mas tendo também em consideração as circunstâncias existentes à data da ordem de...
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