Acórdão nº 0936/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução03 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A..……, S.A., anteriormente designada por A’…………, S.A., recorre da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentou contra o acto de liquidação adicional de IRC referente aos exercícios de 1997, 1998 e 1999, no montante total de € 28.097,78.

1.1.

As alegações do recurso mostram-se rematadas com as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso não contesta a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte que diz respeito à tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas. Isto é, o recurso está limitado às correções que incidiram sobre as provisões para créditos de cobrança duvidosa.

  1. Do cumprimento integral do disposto no Aviso nº 3/95, de 30 de junho, do Banco de Portugal, da alínea d) do nº 1 do artigo 33º do Código do IRC, bem como do princípio da especialização dos exercícios.

  2. A A………. é uma instituição financeira de crédito, logo está sujeita à supervisão e disciplina do Banco de Portugal, nomeadamente no que concerne à regulamentação por si emanada em matéria contabilística (vide artigo 115º Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).

  3. O Aviso nº 3/95 do Banco de Portugal teve como objetivo, conforme resulta do seu preâmbulo, fixar um quadro mínimo de referência nas provisões para risco específico de crédito e assegurar que o provisionamento dos ativos das instituições financeiras é efetuado com base em critérios de rigor e de prudência.

  4. De acordo com o nº 4 do Aviso nº 3/95 consideram-se créditos de cobrança duvidosa: a) As prestações vincendas relativas a operações de crédito em que se verifique que as prestações em mora de capital e juros excedem 25% do total do capital em dívida acrescido dos juros vencidos; e b) As prestações vincendas de todos os créditos concedidos a um mesmo cliente, quando o valor global das prestações em mora de capital e juros relativos a esse mesmo cliente represente pelo menos 25% do total do capital em dívida acrescido dos juros vencidos.

  5. O nº 5 do mesmo Aviso nº 3/95 impõe um nível mínimo de provisionamento dos créditos de cobrança duvidosa correspondente a 50% da percentagem média de cobertura por provisões para crédito vencido relativa ao cliente em questão.

  6. O correto apuramento do valor do crédito vencido (ou em mora) é essencial à determinação do próprio conceito de crédito de cobrança duvidosa, logo da respetiva provisão a constituir.

  7. A provisão para créditos de cobrança duvidosa constituída nestes termos constituía a referência adotada pelo legislador fiscal para definir o limite máximo de provisões para créditos de cobrança duvidosa fiscalmente dedutíveis, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 33º do Código do IRC, com a redação à data.

  8. De um ponto de vista contabilístico, a Recorrente estava obrigada a cumprir as regras previstas no PCSB, aprovado pela Instrução nº 4/96, de 17 de junho do Banco de Portugal.

  9. A classe 2 do PCSB tinha em vista incluir todos os valores representativos do conjunto da atividade creditícia das instituições bancárias e financeiras, estando dividida em subcontas, designadamente a conta 22 - Crédito Interno e a conta 28 - Crédito e Juros Vencidos.

  10. De acordo com as regras definidas no PCSB, a conta 22 - Crédito Interno, incluía “(…) as operações de crédito a favor de residentes, qualquer que seja a sua titulação, mantendo os valores redescontados e os que se encontrem em poder de correspondentes e de outras instituições de crédito para cobrança.”.

  11. Por seu turno, a conta 28 - Crédito e juros vencido incluía o “registo de ativos representativos de dívidas de capital ou de juros, qualquer que seja a sua titulação, que se encontrem por regularizar e cuja transferência das contas originárias para as subcontas deverá obedecer às regras constantes do nº 4, do Capítulo VII do PCSB.”.

  12. Assim, de acordo com a alínea i) do nº 4 do Capítulo VII do PCSB, na redação em vigor à data dos factos, “São transferidos para a conta 28 - Crédito e juros vencidos todos os créditos (capital), qualquer que seja a sua titulação, que se encontrem por regularizar decorridos que sejam, no máximo, trinta dias sobre o seu vencimento, sem prejuízo de a instituição poder efectuar a sua transferência logo que entenda que estão esgotadas as possibilidades de uma regularização imediata. Igual enquadramento será dado às prestações de capital contratualmente previstas para períodos futuros mas que, por razões de não cumprimento de uma das prestações (de capital ou de juros) possam, nos termos legais, considerar-se vencidas, e, em relação às quais, existam dúvidas quanto à sua cobrabilidade.”.

  13. Não obstante, contrariamente a esta regra e como bem referem os serviços de inspeção no seu relatório, a Recorrente, à data dos factos, efetuava a passagem da conta 22 - Crédito Interno, para a conta 28 - Crédito de Juros Vencidos de prestações com uma mora superior a um mês, ou seja, no mês seguinte ao do seu vencimento, o que resulta claro dos factos provados na sentença recorrida.

  14. Atenta a regra acima exposta relativa à constituição de provisões para cobrança duvidosa e confrontada a mesma com os factos dados como provados, ficou claro que no apuramento da base de cálculo das provisões para cobrança duvidosa a Recorrente incorreu em dois tipos de erros: a.

    Por um lado, no denominador o valor do capital em dívida não incluía o valor do capital vencido; b.

    Por outro lado, no numerador, o valor das prestações em mora desconsiderava as respeitantes ao mês de dezembro, porquanto só em janeiro as mesmas eram contabilizadas na rubrica relevante.

  15. Tanto por um motivo, como pelo outro, o referencial sobre o qual haveria de incidir o cálculo das provisões para cobrança duvidosa não se afigurava consentâneo com a legislação em vigor. Não obstante, na decisão recorrida o Tribunal a quo entendeu dar apenas relevância ao primeiro dos erros e já não ao segundo, sem que, com o devido respeito, para tal fossem apresentados fundamentos legais atendíveis.

  16. Neste contexto, conjugando o disposto no Aviso nº 3/95 do Banco de Portugal com as normas reguladoras do PCSB, aplicável a instituições bancárias e financeiras, temos que as provisões em questão nos presentes autos sempre teriam de ter sido inicialmente calculadas por referência ao valor que, de acordo com as regras aplicáveis, deveria constar da conta 28 - Crédito e juros vencidos.

  17. O argumento que sustentou a decisão do Tribunal a quo para desconsiderar a pretensão da Recorrente de ver reconhecido no apuramento da base de cálculo das provisões para cobrança duvidosa o crédito que em dezembro dos exercícios em questão apresentava já mora superior a um mês foi o de que a Recorrente não poderia alterar o seu método de cálculo das provisões para créditos de cobrança duvidosa sob pena de correr o risco de “pôr em causa toda a base de constituição das provisões realizadas nos anos de 1997, 1998 e 1999” Este argumento faz tábua rasa de um dos princípios contabilístico-fiscais estruturantes do sistema de apuramento do lucro tributável em sede de IRC.

  18. As regras norteadoras da constituição de provisões resultam da conjugação do princípio da prudência com o princípio da especialização dos exercícios.

  19. O nº 1 do artigo 18º do Código do IRC determina que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”.

  20. Significa isto que a não constituição da provisão num dado exercício (ou, como no caso em apreço nos presentes autos, a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio, na medida em que terá por efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele. Em bom rigor, esta é a consequência direta e imediata para a esfera jurídica da ora Recorrente das conclusões da ação inspetiva e da sentença aqui recorrida.

  21. Ainda no que diz respeito ao princípio da especialização dos exercícios, destacamos o Acórdão de 25 de junho de 2008 do Supremo Tribunal Administrativo (processo nº 0291/09): “O princípio da especialização económica dos exercícios traduz-se justamente em que devem ser considerados como custos de determinado exercício os encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo, em consequência, irrelevante o exercício em que se efectua o seu pagamento. Assim, tal princípio, no seu extremo rigor, leva a que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos”.

  22. Por fim, conclui recorrendo ao parecer do Magistrado do Ministério Público: “Como bem refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público, tal nº 2 não pode cobrir erros contabilísticos ou actos do próprio contribuinte: a norma há-de interpretar-se no sentido de que essa impossibilidade e/ou esse desconhecimento, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que o contribuinte não pode controlar”.

  23. O citado Acórdão deixa claro que o princípio da especialização do exercício não é passível de sofrer derrogação em virtude de erros contabilísticos do sujeito passivo, como é o caso de que ora nos ocupamos, mas tão-somente quando os custos ou proveitos que devessem ser imputados a um...

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