Acórdão nº Nº4193/14.1T8LRS.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | ONDINA CARMO ALVES |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
RELATÓRIO: REAL …..
com sede em …….. intentou, em 01.06.1999, contra IBÉRICA ….
, sita na ……., acção declarativa de condenação com processo ordinário, através da qual pede a condenação desta no pagamento da quantia de Esc: 23.950.000$00, acrescida de um terço do valor em que o remanescente do preço do terreno prometido que tiver excedido aquela quantia, a ainda juros de mora à taxa legal, calculados sobre ambas as quantias, desde a data da escritura de compra e venda do terreno até integral pagamento.
Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte: 1.
Em 30.11.1995 subscreveu um escrito intitulado contrato promessa de cessão de quotas, encerramento de contas correntes e cessão de créditos, igualmente subscrito por diversas pessoas, entre as quais a sociedade Empresa de Estudos (EE); 2.
Nos termos da cláusula quarta do documento a A. e a EE, declararam encerrar as contas correntes existentes entre ambas e fixaram o saldo a favor da A. de CHF 2.100.430.
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A EE, cedeu à A. o seu crédito sobre a R. Ibérica…. correspondente ao remanescente do preço da venda de um terreno sito em Alverca.
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Tal venda foi prometida por contrato celebrado entre a EE e a R., em 29.03.1993, até ao montante de Esc: 23.500.000$00 e ainda de um terço do montante que exceda essa quantia.
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A EE, comunicou à R. a cedência do crédito por carta que lhe enviou em 30.11.1995.
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A obrigação de pagamento da R. à EE, venceu-se na data da escritura, nos termos da cláusula quarta, nº 2, alínea b) do contrato.
Citada, a ré apresentou contestação, em 17.09.1999 (fls. 44 e ss.), impugnando os factos alegados pela autora e, alegou, em síntese que: 1.
Recebeu a carta que a EE lhe enviou a comunicar a cessão do crédito e que este crédito estava dependente da celebração da escritura.
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A EE comunicou-lhe, em 19.01.1997, a revogação da cessão de créditos, exigindo o pagamento das quantias acordadas e, no acto da escritura de compra e venda, pagou à EE.
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A cessão de créditos é nula por falta de forma, uma vez que tem por base uma cessão de quotas e a venda de um imóvel, devendo ser feita por escritura pública.
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A A. consentiu na revogação, por ter votado favoravelmente a realização pela EE, da escritura de compra e venda.
Requereu ainda a ré a intervenção das sociedades, Gestão …, e do Eng.º AFSC, uma vez que, quando procedeu ao pagamento à EE, a Gestão .. lhe deu uma livrança em garantia para o caso de a A. a demandar e a R. ser condenada no pagamento dessa quantia, e que todos os chamados a convenceram a pagar à EE pretendendo exercer o direito de regresso contra os requeridos.
A autora pronunciou-se, na réplica, apresentada em 08.02.2000 (fls. 81 e ss.), quanto à matéria da excepção invocada pela ré e requereu a ampliação do pedido para Esc: 24.333.300$00, por estar calculado o valor do remanescente do preço pago, que foi de Esc: 25.100.000$00.
Na tréplica, apresentada em 29.02.2000 (fls. 101 e ss.), a ré pronunciou-se quanto à ampliação do pedido.
Por despacho de 26.05.2000 (fls. 111-112), a requerida intervenção não foi admitida, despacho que foi alvo de recurso de agravo, e por Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.05.2001, foi admitida a requerida intervenção provocada dos chamados, salvo de AFSC, tendo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2001 admitido a intervenção deste último (fls. 202 e ss.).
Os intervenientes apresentaram contestação, em 05.04.2002 (fls. 236 e ss.
), na qual invocaram a ilegitimidade do interveniente AFSC.
Os intervenientes impugnaram os factos alegados pela autora e invocaram ainda: 1.
A impossibilidade da acção prosseguir contra as duas sociedades, Gestão..., e EE., pois que, embora a primeira tenha assumido a responsabilidade solidária com a EE., a A. renunciou à cessão de créditos acordada com a segunda na sequência da revogação da cessão de créditos com o voto favorável da A.
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A EE é objecto de processo de recuperação no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do qual foi acordado plano de recuperação, tendo a A. participado na assembleia de credores.
Deduziram, as intervenientes, pedido reconvencional, reclamando da autora o pagamento da quantia global de Esc. 50.000.00,00, requerendo a interveniente Gestão …., a intervenção de LGTMF.
A autora apresentou réplica, em 17.05.2002 (fls. 308 e ss.), pronunciando-se quanto às excepções invocadas e quanto à reconvenção, concluindo como na petição inicial e pedindo a condenação dos intervenientes como litigantes de má fé.
Por despacho de 31.10.2002 (fls. 309-310), foi admitida a intervenção de LGTMF, o qual apresentou contestação, em 03.01.2003 (fls. 376 e ss.), invocando a incompetência territorial, a impropriedade do meio processual utilizado, entendendo que não deveria ter sido demandado. Impugnou ainda os factos invocados pela Gestão … Concluiu o interveniente, pedindo a condenação da Gestão … como litigante de má fé, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, uma vez que era ela quem estava em mora ao não marcar a escritura de cessão de quotas.
Foi levada a efeito a audiência preliminar, em 27.11.2003 (fls. 458 e ss).
Na sequência dos sucessivos requerimentos que visavam a alteração da designação da autora, por requerimento de 12.01.2004 (fls. 505 e ss), a ré pediu a condenação da autora como litigante de má fé por omissão do dever de colaboração, tendo a autora respondido, por requerimento de 23.01.2004 (fls. 520 e ss.).
Por despacho de 04.01.2005 (fls. 570 e ss.), foi admitida a ampliação do pedido requerida pela autora, admitida a reconvenção apresentada pelas intervenientes EE, Gestão …. e do Engº AFSC, tendo sido declarado competente o tribunal e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade do interveniente, AFSC.
Foi realizada a condensação, com a fixação da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória.
Em 21.10.2011 foi proferido despacho (fls. 2310), no qual foi determinado que ficasse sem efeito a reconvenção apresentada pelos intervenientes, nos termos do artigo 39º, nº 6 do aCPC e foi ainda determinado, por despacho de 07.12.2011 (fls. 2403), que ficasse sem efeito a intervenção principal de LGTMF.
Apresentados e admitidos os meios de prova, e expedidas cartas rogatórias para a Suíça para tomada de declarações do representante da autora e inquirição de uma testemunha, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 07.12.2011, 14.03.2012, §4.06.2012. 12.07.2012 e proferida decisão sobre a matéria de facto, em 01.10.2012.
As partes apresentaram alegações de direito e, por despacho de 28.11.2012 (fls. 2643-2644) foi a ré convidada a fazer intervir o cônjuge do interveniente, AFSC, convite que a ré aceitou, suscitando, por requerimento de 13.03.2014, a intervenção principal provocada de MESFC, cônjuge do interveniente AFSC, o que foi admitido, por despacho de 22.04.2014 (fls. 2857) a qual, citada, nada disse.
O Tribunal a quo proferiu decisão, em 24.03.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Termos em que, julgo a presente acção improcedente, por não provada, dela absolvendo a R. e os intervenientes.
Absolvo a A. e as intervenientes do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, em 05.05.2015 relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.
A douta sentença recorrida qualificou erradamente de futuro o crédito que constitui a causa de pedir na acção, visto que se trata de um crédito existente à data da sua cessão à autora.
ii.
Ainda que não proceda a conclusão anterior, e que se adopte a qualificação do citado crédito como futuro, a sua inclusão numa das duas categorias enunciadas na douta sentença recorrida deve fazer-se na dos créditos que surgem de uma relação contratual duradoura, já constituída à data da cessão e de onde emerge o crédito cedido.
iii.
Logo, quer se entenda que o crédito já existe à data da cessão, quer se entenda que é futuro, mas emergente de uma relação contratual duradoura, já constituída na data da cessão, o crédito surge desde logo na titularidade do cessionário, o que obsta à asserção em sentido inverso contida na douta sentença recorrida e à conclusão de que, por esse motivo, foi válido, eficaz e liberatório para a ré o seu pagamento à cedente.
iv.
Sendo a indagação do momento da verificação da eficácia da cessão quanto ao devedor-cedido um problema de interpretação da vontade das partes, no caso dos autos, o exame desse contrato, tanto no contrato de onde emerge o crédito – contrato-promessa de compra e venda – como no contrato onde o mesmo crédito é cedido, revela que o procedimento para a sua satisfação se mostra desde logo inteiramente definido antes da sua cessão e que, na regulamentação desta, são criados mecanismos tendentes ao seu pagamento directamente à cessionária, com exclusão do cedente, o que evidencia o propósito de considerar que o crédito surge logo na titularidade da dita cessionária.
v.
Os efeitos de cessão entre as partes produzem-se com a própria cessão, sendo a sua comunicação ao devedor-cedido, ou o seu conhecimento por este, mera condição da oponibilidade da cessão a este último.
vi.
Acordada a cessão e dada a conhecer ao devedor-cedido, é a mesma oponível a este último, que deixa de poder exonerar-se com o pagamento ao cedente.
vii.
A admissão pela doutrina da cessão de créditos futuros implica a sua sujeição ao regime definido na lei para esse contrato, nada existindo, quer na lei, quer na doutrina e jurisprudência citadas na douta sentença recorrida, que permita a não aplicação ao caso do disposto no art. 583º do Código Civil.
viii.
Não sendo a validade da cessão questionada pelo douta sentença recorrida e resultando dos factos provados que essa cessão foi comunicada à cedente do crédito, esse pagamento configura um pagamento a terceiro que, nos termos do art. 770.º do Código Civil...
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