Acórdão nº 01191/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A………….., LDA, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que concedeu provimento ao recurso que a Fazenda Pública interpôs da sentença do TAF do Porto que, por sua vez, julgara procedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 1998.

  1. Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo: 1. Visa o presente recurso de revista pôr em crise os fundamentos de direito do douto acórdão proferido que julgou procedente o recurso interposto pela Autoridade Tributária, julgando improcedente a Impugnação Judicial interposta pela Recorrida, alterando a sentença de 1ª instância nessa conformidade.

  2. Situando a questão sub judice na apreciação da validade e força probatória da declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 1998 apresentada pelo sujeito passivo posteriormente à emissão de uma liquidação oficiosa determinada pela Administração Tributária (doravante AT), nos termos do artigo 90º, nº 1, alínea b), do CIRC, face ao não cumprimento daquela obrigação declarativa pelo contribuinte dentro do prazo legal (cfr. artigo 120º, n.º 1 do Código do IRC), e da qual resultou o apuramento de um prejuízo fiscal, o acórdão sub judice: · preconiza e defende que efectuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação, se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação; · preconiza e defende que a demonstração da inexistência ou não verificação do facto tributário é da inteira responsabilidade do sujeito passivo; 3. Salvo o mui e devido respeito, o acórdão sob recurso enferma de vício! Senão vejamos 4. É matéria dada como provada nos autos que: b) a impugnante apresentou, em 11.07.2003, uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRC do ano de 1998; h) a liquidação do IRC foi efectuada pela Administração fiscal nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 83º do CIRC; i) a impugnante apresentou a declaração de rendimentos respeitante ao ano de 1998 em 24 de Outubro de 2002; j) na declaração de rendimento efectuada pela impugnante, esta declarou prejuízos fiscais reportados ao ano de 1997 no valor de Euro 61.909,36; k) a reclamação graciosa foi objecto de indeferimento por parte da Administração fiscal - cfr. despacho de fls. 15/16 e 21 do PA - com o fundamento de que “a declaração oficiosa mantém-se válida, não relevando, para o efeito, a entrega de uma declaração, por parte da reclamante, em data posterior a data em que aquela foi efectuada” (fls. 16 in fine do PAT); l) o tribunal de 1ª instância considerou a prova documental apresentada como mais adequada e idónea, prescindindo da produção de prova testemunhal por se afigurar uma diligência inútil (cfr. despacho de 29.06.2011, a fls. 77); m) a Impugnante foi notificada em 4.07.2011 para proceder à junção dos documentos dos factos invocados, designadamente, do facto do volume de vendas de 1997 ter ascendido a Euro 88.894,53 (cfr. despacho de 29.03.2011, a fls. 75).

  3. A Recorrente não discute a legitimidade da devolução de poderes à AT para proceder à liquidação oficiosa do imposto face à inércia do sujeito passivo, mas antes o imediato repúdio e rejeição da presunção de veracidade e boa-fé que impende sobre as declarações tributárias quando apresentadas fora do prazo legal.

  4. Hoje são diversas as situações em que em virtude de uma interpretação errónea do disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT, os contribuintes que, pelos mais diversos motivos, procedem à sua entrega de declarações fora do prazo legal para o efeito, veem ser-lhe negada a presunção de boa-fé das suas declarações, estabelecida naquele preceito.

  5. Tal interpretação faz sujeitar a generalidade dos contribuintes à manutenção das liquidações oficiosas, entretanto, realizadas e, bem assim, à sua defesa nos competentes processos de execução fiscal e impugnação.

  6. Muito embora o tribunal “a quo” tenha entendido que as declarações tributárias entregues pelo sujeito passivo fora dos prazos legais estão destituídas da presunção legal de veracidade com assento no artigo 75º, nº 1, da LGT, entende a Recorrente que a resposta à questão não se afigura tão automática e cristalina, seja pelos princípios normativos que enformaram a presunção legal de veracidade, seja pela não exclusão literal daquela força probatória pelo mero decurso do tempo.

  7. No entender da Recorrente aceitar a interpretação efectuada no acórdão de que se recorre é atestar a irrelevância atribuída à razão de ser e fundamento da presunção legal de veracidade e boa-fé estabelecida naquele preceito.

  8. Com efeito, subsumir-se a existência de veracidade (por presunção) exclusivamente por referência a um determinado período temporal ou prazo legal, com exclusão automática do tempo restante, parece significar afinal que o comportamento do sujeito passivo, se cumprido dentro dos prazos legais, é movido por boa-fé, sem mais, mas se cumprido extemporaneamente (e sem embargo da responsabilidade contra-ordenacional e penalização moratória e compensatória correspondentes) está imediatamente excomungado daqueles ditames e ferido nas suas “boas intenções”.

  9. Entende a Recorrente, que esta absolutização do tempo para além de merecer uma posição crítica per se, deve ser igualmente discutida enquanto orientação seguida para a resolução deste e de futuros casos em que o contribuinte, em cumprimento da lei fiscal, procede à entrega da sua declaração de rendimentos fora do prazo legal de entrega.

    Se não vejamos: 12. O próprio legislador não se sente perturbado com a possibilidade de apresentação de declarações substitutivas de que resulte imposto superior durante quase todo o decurso do prazo de caducidade de liquidação (cfr. artigo 59º, n.º 3, alínea b), ponto III) do CPPT), pelo que em homenagem aos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, se impõe também a solução inversa, ou seja, a apresentação de declarações de que resulte imposto inferior ao liquidado oficiosamente.

  10. Com o Estado de Direito Democrático, elevou-se a relação do cidadão com o Estado.

  11. Esta passou a não estar mais assente numa sujeição a poderes arbitrários e opacos, mas antes baseada numa dimensão relacional paritária, apoiada na confiança e cooperação recíprocas, ou seja, ao Direito Tributário não era mais lícito olhar para o contribuinte como um “profissional da evasão fiscal”, mas sim, e até prova em contrário, como um cidadão de boa-fé.

  12. A incorporação dessa ideologia dá-se pela “consideração dos valores reais efectivos do rendimento e dos bens sujeitos a imposto, como objecto da tributação em termos do princípio de capacidade contributiva; a dignidade da pessoa humana na consagração do valor da declaração e da contabilidade como presunção de verdade e força probatória.” 16. Conforme nota sagazmente Lima Guerreiro, “é de todo incorrecta a ideia que a presunção de boa-fé...

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