Acórdão nº 0567/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Junho de 2015

Data25 Junho 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A…………, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 05/02/2015, no processo que aí correu termos sob o n.º 08384/15.

1.2.

Termina as alegações formulando as Conclusões seguintes: I. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente da reclamação que esta interpôs do despacho emanado de órgão de execução fiscal, o qual consistiu no indeferimento do pedido de dispensa de garantia prévia.

  1. A decisão vinda de referir entende que, embora se tenha provado a insuficiência do património da aqui Recorrente em virtude das avultadas despesas que a mesma enfrenta, derivadas dos seus graves problemas de saúde, não logrou fazer-se prova de que esta insuficiência não deriva de culpa sua.

  2. Como tal, o Tribunal de que ora se recorre considerou que a debilidade física e emocional em que se encontra a Recorrente, a sua idade, bem como a incapacidade permanente de 80% de que a mesma padece, e em virtude do que se vê obrigada a despender de avultadas quantias, são factores irrelevantes no que respeita à prova de ausência de culpa na insuficiência de património, a qual, refira-se, ficou demonstrado ter ficado a dever-se precisamente àquelas despesas.

  3. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de falhas no que à aplicação do direito concerne, de tal ordem que a admissão do presente recurso e consequente revogação da decisão recorrida se revelam manifestamente necessários para a apreciação de uma questão de relevância jurídica e social, bem como de fundamental importância para melhor aplicação do direito.

  4. Atenta a relevância jurídica e social da causa, impõe-se verificar se a exclusão dos factores relativos à condição social e humana como factores a levar em conta no que respeita ao ónus de prova de factos negativos que recai sobre a Recorrente é ilícita e violadora dos princípios da igualdade, da justiça material, da equidade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, VI. Bem como aferir se a exigência, pelo Tribunal, de mais requisitos do que aqueles que a própria Lei exige no que respeita ao cumprimento do ónus de prova da ausência de culpa viola os princípios da legalidade, da igualdade, da segurança jurídica e do Estado Social de Direito.

  5. O Tribunal a quo revelou, salvo o devido respeito, uma total desconsideração pela prova documental apresentada pela Recorrente, quer no que respeita à inexistência património, quer no que respeita aos motivos que conduziram à mesma, facto que indubitavelmente viola o direito da Recorrente de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

  6. Esta violação apresenta-se deveras gravosa na medida em que contende com a desconsideração de elementos respeitantes à prova de factos negativos, a qual, segundo a jurisprudência e o entendimento dos nossos Tribunais, pela dificuldade acrescida que comporta, deverá ser apreciada segundo critérios mais flexíveis e menos exigentes, em nome dos princípios da justiça material e da equidade.

  7. O princípio da igualdade, princípio constitucionalmente consagrado entre nós, postula que devem tratar-se de forma igual as situações iguais e de forma diferente as situações diferentes, na medida dessa diferença. Este princípio foi violado no presente caso, por se considerar “irrelevante” a condição física, social e humana da Recorrente.

  8. O Acórdão em crise exige requisitos acrescidos para além dos que a Lei estipula para a prova da ausência de culpa do executado na insuficiência patrimonial, na medida em que em lugar algum a Lei exige que a Recorrente demonstre também as razões da dissipação ou da insuficiência do património.

  9. A exigência de requisitos não previstos na Lei e, mais, o facto de se fazer uso da ausência dos mesmos como fundamento para justificar a conclusão da ausência de prova consubstancia uma flagrante violação do princípio da legalidade e da segurança jurídica que constituem bases do Estado democrático e social de direito em que nos inserimos.

  10. Pelo alarme social que esta decisão implica, dada a flagrante violação de direitos fundamentais da Recorrente, bem como de princípios do sistema jurídico português, impõe-se a re-análise do caso sub judice, pois que além de se denotar um inequívoco e significativo interesse comunitário, "(...) afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência."– apud Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,Almedina, 2007, 2.ª edição revista, p. 862.

  11. A admissão do presente recurso é ainda fundamental para uma melhor aplicação do direito, pois que o mesmo contende, essencialmente, com os direitos de acesso aos tribunais e uma tutela jurisdicional efectiva e, ainda, com o princípio da igualdade e da legalidade do nosso sistema judicial.

  12. A ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida na medida em que, a mesma padece de erro no julgamento quanto ao não reconhecimento da prova produzida relativamente à irresponsabilidade da insuficiência económica, bem como, consequentemente, quanto à devida apreciação da ilegalidade invocada do despacho do órgão de execução fiscal na não atribuição de dispensa de prestação de garantia, em concreto: - Erro de julgamento, no que respeita à verificação dos pressupostos da dispensa da prestação de garantia.

  13. O Acórdão do Tribunal a quo que confirmou a sentença de instância e o despacho do órgão de execução fiscal conduz a uma solução inaceitável, ao admitir que (e depois de aceitar a prova inequívoca da insuficiência económica) uma pessoa de 85 anos, doente oncológica crónica, não fez prova de que não se colocou deliberadamente na situação de carência.

  14. Com o devido respeito, questiona-se se uma senhora idosa, que despende grande parte dos seus rendimentos com a sua saúde e a do seu marido, depois de se ter submetido a uma colectomia, com uma incapacidade permanente de 80%, se pode considerar que deliberadamente se colocou na situação de carência económica com o intuito de mais tarde pedir a dispensa de prestação de garantia no âmbito de um processo de execução fiscal? XVII. Deste modo, não logrou o Tribunal a quo, tal como já havia ocorrido no despacho reclamado, efectuar a devida apreciação dos factos, limitando-se à apreciação abstracta dos requisitos legais aplicáveis, incorrendo em erro de julgamento quanto aos reais fundamentos do recurso empreendido.

  15. Conforme resulta da leitura de um trecho do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.03.2013, (...) o benefício da isenção fica assim dependente de dois pressupostos alternativos: ou a (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia ou (ii) a falta de meios económicos para a prestar. Porém, tal dispensa não depende apenas da verificação de um destes dois pressupostos, sendo necessário o preenchimento de um outro pressuposto cumulativo: que a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado que pretende a isenção.

  16. Ante o exposto, no requerimento por si apresentado, a ora Recorrente logrou provar os mencionados pressupostos, pelo que não entende, e tão-pouco se conforma, com o alcance quer da sentença, quer do acórdão do Tribunal a quo.

  17. Ora, como já aludido, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente para prova do mencionado requisito se limitou a reiterar a falta de meios económicos, pela via das despesas avultadas com a sua saúde. Considerando que tais factos não poderão ser relevados como prova para efeitos de afastamento da falta de responsabilidade pela sua carência económica. Tendo, com isto, considerado, que a Recorrente, não obstante ter provado a falta de meios e insuficiência económica, não logrou provar este último requisito cumulativo.

    Ou seja, XXI. O facto de ser idosa, doente crónica, de ter uma incapacidade permanente de 80%, de despender um valor elevado em despesas de saúde e ter ficado provada a sua situação de carência económica, não foi suficiente para afastar a sua responsabilidade pelo facto de se encontrar em tal situação! Sendo deveras absurdo e inconcebível do ponto de vista humano, salvo o devido respeito, que se exija, neste caso, mais prova do que aquela que já foi dada como assente para efeitos de verificação da carência económica.

  18. Aviltando o senso comum a exigência de prova, neste caso, da falta de responsabilidade da situação de insuficiência de património, ou mesmo, a insinuação de que, na falta da mesma, se entenda que houve intenção de dissipação de património com intuito de diminuir garantias dos seus credores.

  19. Não podendo ser indiferente o facto de uma pessoa idosa, doente, incapacitada, não ter conseguido, não obstante ter provado a sua carência económica, fazer prova de que não tem responsabilidade pela sua condição! XXIV. Ora, no caso vertente, a Recorrente não se eximiu de efectuar a prova devida. Aliás, quer a sentença recorrida, quer o despacho do órgão de execução fiscal reclamado, consideraram a insuficiência económica da executada.

    Donde resulta que, XXV. No mesmo sentido do acórdão Ac. STA n.º 016/11 de 02/02/2011, quando o executado demonstra a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável – no caso concreto o facto de ter avultadas despesas com a sua saúde e ter uma incapacidade permanente de 80% – deve-se considerar provada a falta de culpa quando não se fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado.

    Com efeito, XXVI. Daqui se demonstra que é de todo admissível –...

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