Acórdão nº 0829/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução07 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

A.……, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 27/11/2014 (complementado pelo acórdão de 07/05/2015 que deferiu o pedido de reforma quanto a custas), no processo que aí correu termos sob o n.º 06191/12.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: I. O douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul foi proferido, em segunda instância, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pelo que, nos termos da análise conjugada dos artigos 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 150º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), só poderá ser admitida a revista excecional do acórdão do TCA Sul.

  1. É firme convicção do recorrente que no presente caso se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso excecional de revista previstos no artigo 150º n.º 1 do CPTA, III. designadamente, a relevância social da questão e a sua clara necessidade para a melhor aplicação do direito.

  2. A questão central do presente recurso prende-se com a presunção legal de culpa ínsita no artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT, designadamente, quais os elementos de prova a carrear para os autos para que se possa ter por ilidida a presunção legal estabelecida no referido normativo legal, atenta a inexistência de uma concretização, seja legal ou jurisprudencial, das condutas presumivelmente culposas, V. quer tendo em conta a dificuldade de prova de um facto negativo, por parte do revertido neste caso, quer considerando necessidades de equilíbrio proporcional do ordenamento jurídico tributário, VI. sob pena de, a falta de concretização, ou de um critério interpretativo sólido, coerente, proporcional e de aplicação uniforme, conduzir a resultados como o dos presentes autos, VII. em que o revertido A…….., ora recorrente, responde com base numa culpa que não teve.

  3. Por outro lado, é igualmente convicção do recorrente, que a questão jurídica suscitada, para além de se revestir de uma complexidade superior ao comum, em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, padece de um grau de incerteza incompatível com as exigências de certeza e segurança jurídicas necessárias para o instituto da responsabilidade tributária subsidiária.

  4. Uma presunção de culpa, à semelhança de qualquer outra presunção, representa uma situação excecional, na exata medida em que derroga das regras gerais do ónus da prova, constantes do artigo 487º do Código Civil, X. tendo subjacente ao seu estabelecimento no ordenamento jurídico a ideia de segurança e certeza jurídicas.

  5. É redutor afirmar-se que, regra geral, quando a sociedade não cumpre as suas obrigações fiscais, a responsabilidade por tal incumprimento é do seu gerente ou administrador.

  6. Existe, pois, uma necessidade de enquadrar a atuação do gestor com o ambiente económico em que gere os rumos da sua empresa, XIII. necessidade essa que não se coaduna com o estabelecimento da presunção legal de culpa do artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT.

  7. Assim como não é razoável justificar tal presunção legal de culpa com a maior facilidade do gestor em provar a sua não culpa do que a Autoridade Tributária em provar a sua culpa, XV. sendo na comunidade jurídica amplamente reconhecida a dificuldade de prova de factos negativos, ao ponto de a doutrina considerar o ónus do gerente com uma verdadeira diabolica probatio, XVI. Parte da doutrina entende que a razão subjacente ao estabelecimento de tal presunção legal de culpa reside na consagração legal do dever de pagamento de impostos positivado no artigo 32º da LGT que dispõe: “Aos representantes de pessoas singulares e quaisquer pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados incumbe, nessa qualidade, o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas”.

  8. Do nosso ponto de vista, tal norma legal justifica a consagração do instituto da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores mas já não a consagração da presunção legal de culpa.

  9. Assim como não a justifica o interesse público, na sua vertente de eficácia na arrecadação de receita tributária, na exata medida em que, a globalização da sociedade e economia hodierna acentua o peso de circunstância exogéneas, fora do controlo dos gestores.

  10. Partindo de uma presunção legal de culpa, nestes casos não se está a proteger o interesse público mas antes a obter o efeito inverso, desprotegendo os direitos legalmente protegidos dos cidadãos.

  11. Acresce que, a presunção legal de culpa ínsita no artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT para além de gerar uma situação de tratamento desigual de situações semelhantes, do ponto de vista sistémico, é manifestamente desproporcional.

  12. Tratamento desigual na medida em que privilegia o credor Estado em detrimento dos demais credores sociais que, nos termos do artigo 78º n.º 1 do CSC, têm o ónus de prova da culpa dos gestores.

  13. E desproporcional na medida em que, por um lado, a experiência diz-nos que a maior parte das vezes a dívida fiscal é largamente superior ao valor do património dos gestores, o que significa que apenas uma ínfima parte da mesma é satisfeita, privando-se, ao invés, o gestor de todo o seu património.

  14. E, por outro lado, a presunção legal de culpa do artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT não sacrifica o interesse dos particulares da menor forma possível, na medida em que, a prova da sua não culpa é uma verdadeira prova diabólica.

  15. Acresce que, do ponto de vista social, é legítimo considerar, com elevado grau de probabilidade, que tal contingência fiscal potencial para gestores de empresas terá como efeito o afastamento de gestores das empresas em situação económica difícil, dado o risco fiscal inerente.

  16. Ou, ainda, para os gestores mais astutos, quando verificarem qua a situação económica da empresa se vai degradar, renunciam ao cargo para fugir à presunção legal de culpa, caindo no âmbito de aplicação do artigo 24º n.º 1 alínea a) da LGT.

  17. Contudo e não obstante a posição do recorrente quanto à temática em apreço supra vertida a verdade é que a jurisprudência aceita que a violação do dever fundamental de pagar impostos, positivado no artigo 32º da LGT, é presumivelmente culposa.

  18. E, como tal, aceita a presunção legal de culpa nos precisos termos em que a mesma vem positivada no artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT.

  19. Com efeito, entendendo justificável a presunção de culpa referida, é no mínimo exigível uma concretização das condutas presumivelmente culposas, o que não se verifica no nosso ordenamento jurídico fiscal.

  20. Cabendo aos Tribunais delimitar tais condutas em nome da certeza e segurança jurídicas exigíveis neste ramo de direito.

  21. Assim sendo, basta atentar no supra exposto, para se concluir que se trata de uma questão manifestamente complexa e de importância jurídica e social fundamental, cuja subsunção jurídica impõe um importante e detalhado exercício de exegese, XXXI. em ordem a obter-se um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação em termos de exigências probatórias para ilidir a presunção legal de culpa do artigo 24º n.º 1 alínea b) da LGT, XXXII. quer para as instâncias jurisprudenciais por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito às situações fáticas submetidas ao crivo judicial.

  22. Passando aos fundamentos do presente recurso, importa precisar que o seu objecto se cinge a aferir se, de acordo com a matéria de facto dada como provada, andou bem o acórdão recorrido ao considerar que: “Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode concluir que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT