Acórdão nº 0619/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1- AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA, vem interpor recurso de revista do Acórdão do TCA S, fls. 531/542, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAC de Lisboa (que havia deferido o pedido deduzido no processo de intimação da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, para proteção de direitos, liberdades e garantias (art.109º CPTA), requerida por A……….. e B…………… intimando a aqui recorrente a reconhecer e pagar aos requerentes o valor dos certificados), julgando improcedente a prescrição invocada.

1.1. Para tanto alegou em conclusão: “1) O PRESENTE RECURSO DEVE SER ADMITIDO POR ESTAR EM CAUSA A APRECIAÇÃO DE UMA QUESTÃO QUE, PELA SUA RELEVÂNCIA JURÍDICA E SOCIAL, SE REVESTE DE IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL, SENDO QUE O SEU CONHECIMENTO É CLARAMENTE NECESSÁRIO PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO EM SITUAÇÕES FUTURAS; II) O ENTENDIMENTO JURÍDICO LAVRADO NO ACÓRDÃO ORA RECORRIDO DEVE SER ALTERADO PORQUE O PRAZO DE 10 ANOS PARA OS HERDEIROS DOS TITULARES DE CERTIFICADOS DE AFORRO REQUEREREM A TRANSMISSÃO DA TOTALIDADE DAS UNIDADES QUE OS CONSTITUEM OU O RESPETIVO REEMBOLSO, SOB PENA DE PRESCRIÇÃO A FAVOR DO FUNDO DE REGULARIZAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA NOS TERMOS DO ART. 7 DO DECRETO-LEI N. 172-B/86, DE 30 DE JUNHO, NA REDAÇÃO INTRODUZIDA PELO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 122/2002, DE 4 DE MAIO, DEVE CONTAR-SE A PARTIR DA DATA DO FALECIMENTO DO TITULAR AFORRADOR EM CONFORMIDADE COM A REGRA ACOLHIDA NO ART. 306, N.°1, 1ª PARTE DO CÓDIGO CIVIL, TAL COMO DECIDIDO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 05/05/2005, PROCESSO N. 3850/2005-6, NO ACÓRDÃO DO STJ ANEXO E TAL COMO EXPLANADO NO PARECER N.° 20/2010 DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EXA QUE: - SE DIGNE A ADMITIR E A JULGAR O PRESENTE RECURSO DE REVISTA; - SE DIGNE JULGAR PROCEDENTE A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO DOS REQUERENTES E, CONSEQUENTEMENTE; - SE DIGNE JULGAR O PRESENTE RECURSO DE REVISTA TOTALMENTE PROCEDENTE REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO.

TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.” 1.2. A……….. e B…………… deduziram contra-alegações, concluindo: “1 — Deve o presente Recurso de Revista ser rejeitado por não preencher os requisitos legais da sua admissibilidade previstos no n.°1 do art.° 150 do C.P.T.A, seguindo-se as legais e ulteriores consequências.

Sem prescindir, 2 - Não se pode iniciar contagem do prazo prescricional, nos termos do art. 306° do C.C. até à descoberta dos certificados de aforro em apreço, descoberta esta que, como já se deixou demonstrado e provado à saciedade nestes autos, só ocorreu por altura dos meados/finais de janeiro de 2013, desconhecendo-se a sua existência até então.

3 - Para o direito poder ser exercido, fundamental é que seja conhecido. Se assim não fosse, sempre o prazo se suspenderia, no caso em apreço, por força da impossibilidade de fazer valer o direito, como resulta do art. 321° do mesmo C.C..

4 - Não é susceptível de controvérsia que o art. 306°/1 do C.C. estipula que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.

5 - No caso vertente, como ficou amplamente provado, este direito nunca pôde ser exercido pela Exm.a Sr.ª D.ª C………, uma vez que a mesma nunca soube da existência destes certificados de aforro (sendo disso bem ilustrativo o facto de não os ter referenciado na relação de bens por ela apresentada após a morte do seu decesso marido – D……….., assim como a verosímil e inatacada prova testemunhal entretanto produzida e dada como assente) defendendo, por isso, os recorridos que só poderia este direito ser exercido a partir do momento em que os titulares do mesmo (numa 1ª fase a Exm.a Sr.ª D.ª C……….. e, numa 2ª fase, os herdeiros desta última, aqui recorridos), tiveram conhecimento da existência destes certificados de aforro por forma a que pudessem sobre eles exercer os seus direitos de transmissão/ amortização).

6 - Com efeito, o direito dos herdeiros do(s) aforrista(s) de requererem a transmissão/amortização dos certificados de aforro integradores da herança daquele pode ser exercido, como decorre da lei, a partir da morte do mesmo aforrista, desde que, obviamente, haja o conhecimento da existência daqueles certificados de aforro, o que “in casu” só aconteceu, conforme está dado como provado nestes autos, em meados/finais de janeiro de 2013.

7 - Seguindo-se Menezes Cordeiro “diz-se que há prescrição quando alguém se pode opor ao exercício dum direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na lei. Para que haja prescrição é necessário a verificação dos seguintes requisitos: a) um direito não indisponível; b) que possa ser exercido; c) mas que o não seja durante certo lapso de tempo fixado na lei; d) e que não seja isento de prescrição”.

8 - Ora, no caso em análise, estamos em face de uma situação de facto e de direito subsumível ao conceito jurídico-legal de “força maior” (art. 321° do CC), entendido enquanto acontecimento, da natureza ou do homem, geralmente imprevisível, e que sempre se configura como inevitável em si mesmo e nas suas consequências, traduzido no facto de não ser exigível aos titulares do direito de transmissão/amortização de certificados de aforro o exercício do mesmo, desde logo pelo facto dos titulares desse direito, nem sequer saberem que tinham esse direito por desconhecerem em absoluto a existência dos próprios certificados de aforro.

9 - Na verdade, constata-se que a lei dá decisivo relevo ao conhecimento do facto susceptível de sustentar o exercício de um direito como momento determinante “a quo” para a contagem do prazo prescricional, que, no caso sob apreciação, se traduz na conjugação do conhecimento da morte do “de cujus”, com o conhecimento da qualidade de herdeiro e com o conhecimento da existência dos certificados de aforro.

10 - Do que se conclui que, no caso em apreço, não se verificou a prescrição ao direito do reembolso da meação dos certificados de aforro acima aludidos respeitante a D………….

11 - Os certificados de aforro em causa terão que ser obrigatoriamente considerados, por força da lei, como bens comuns deste casal, independentemente de se ter, ou não, formalizado a reclamação de tais títulos.

12 - Deste modo, apesar de existir graficamente nos certificados de aforro apenas menção a um dos seus titulares, os mesmos são inquestionavelmente bens comuns do casal porque o regime de bens do mesmo era o da comunhão geral de bens e os certificados de aforro não estão elencados na enumeração taxativa dos bens incomunicáveis prevista no art. 1733 do C.C..

13 - Assim, afigura-se-nos inequívoco que não existe qualquer norma no nosso ordenamento jurídico a excluir os certificados de aforro do regime de comunicabilidade relativo ao regime da comunhão geral de bens (vide, neste sentido, o acórdão do STJ de 11.04.2002, em que é relator Manuel Maria Duarte Soares, in Jus Net).

14 - Constituindo os certificados de aforro, enquanto títulos de crédito uma especial fisionomia, realidade jurídica diferenciada e autónoma relativamente ao numerário que esteve na base da sua constituição, para os efeitos em questão, o que interessa saber é qual a origem desse numerário ou então o regime da comunhão geral de bens, sendo que, como refere A. Varela (C.C. anotado, 1992, IV, pag. 427), a falta de menção da proveniência do dinheiro constitui presunção “juris et de jure” de que se trata de meios comuns, que, todavia, “in casu”, está esta questão ultrapassada por força de ter vigorado neste casamento o regime jurídico da comunhão geral de bens.

15 - A não se entender assim, sempre aí estaria aberta a porta para que um dos cônjuges, valendo-se da ignorância do outro, pudesse transformar em bens próprios os bens comuns do casal (dinheiro comum ou dinheiro resultante da venda de bens comuns).

16 - Desta forma, em conformidade com o entendimento seguido na jurisprudência, temos de concluir, como de resto está assente nos presentes autos, no sentido de que os certificados de aforro em apreço terão que, em caso de morte de um dos cônjuges, mesmo que não seja o cônjuge subscritor, ser havidos como bens comuns, insusceptíveis de serem expropriados pelo facto de o cônjuge sobrevivo não os ter reclamado junto do IGCP no prazo de 5 anos (ou outro prazo qualquer) até porque, no caso vertente e como já disse e provou à saciedade, o cônjuge sobrevivo (Exm.a Sr.ª D.ª C…………) apesar de co-proprietária de tais títulos nunca soube, durante toda a sua vida, da existência de tais certificados de aforro.

17 - A prescrição no Direito visa sancionar um comportamento inerte, negligente e censurável e, “ipso facto” merecedor de penalização.

18 - No caso vertente, o comportamento da Exm.ª Sr.ª D.ª C………, a respeito dos certificados de aforro, ora em mérito, é insusceptível de merecer qualquer reparo ou censura, desde logo atento o facto da mesma desconhecer em absoluto a existência de tais certificados.

19 - A respeito da questão “decidenda” julgamos oportuna a referência ao Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.11.2005, o qual considerou que, “(…) sendo fundamento específico da prescrição a negligência do titular do Direito em exercitá-lo, ela não existe enquanto o titular o não pode fazer valer...

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