Acórdão nº 0901/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 15 de Janeiro de 2015 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b916e64f2cacad5180257e11005a2a62.

), invocando oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Janeiro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 7264/13 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/170c579288a2e0ab80257c77003f5585.

), no que se refere à questão de saber se, para efeitos da previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), os acréscimos de património não justificados têm de resultar de factos já verificados ou se podem bastar-se com factos meramente indiciados.

1.2 Admitido o recurso, o Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Norte, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos, pese embora a oposição do Recorrido, e ordenou a notificação das partes para alegarem nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou, então, alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «A. A questão jurídica que se submete à douta apreciação do Supremo Tribunal Administrativo é a de saber se o acto do Director-Geral da AT que derroga o sigilo bancário, fundamentado na existência de indícios de acréscimos de património não justificados, apurados por aplicação de uma taxa de juro anual estimada de 4% preenche, ou não, por via da aplicação deste raciocínio hipotético, os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da Lei Geral Tributária (LGT).

  1. A derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT tem como pressuposto, em qualquer das decisões fácticas sobre as quais foram produzidas decisões opostas (Acórdão Recorrido proferido nos autos a 15.01.2015 e Acórdão fundamento proferido pelo TCA Sul, em 30/01/2014, no Processo n.º 07264/13), a existência de factos indiciadores da existência de incrementos patrimoniais não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT.

  2. Com efeito, atendendo à informação disponível na AT, em concreto as Declarações Modelo 39 (Rendimentos e Retenções a Taxas Liberatórias) relativas aos rendimentos provenientes de juros recebidos nos exercícios de 2010 e 2011, apurou-se a existência de um acréscimo significativo de juros recebidos, facto que, conjugado com a informação constante das declarações de modelo 3 de IRS, permitiu observar uma desproporção entre o rendimento aí apurado e o acréscimo de capital aplicado, estimado por recurso a uma taxa de juro implícita de 4%.

  3. Ora, enquanto o Acórdão recorrido entendeu que não se encontravam verificados os pressupostos legais da derrogação do sigilo bancário nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT, o Acórdão fundamento, face a um acto de derrogação do sigilo bancário assente também na existência de indícios de incrementos patrimoniais, não justificados, ao abrigo dos mesmos preceitos legais, e por recurso, igualmente, a uma taxa estimada de juros de 4%, decidiu que tais pressupostos se achavam preenchidos.

  4. Igual entendimento foi também acolhido no Acórdão do TCAS de 24.07.2014 (Processo n.º 07844/14).

  5. Por outro lado, tal como se refere no Douto voto de vencido que consta do Acórdão recorrido, a tese vencedora vertida em tal acórdão, não encontra acolhimento no que consta da lei, pois o que a lei diz é que sendo a avaliação indirecta realizada por indícios ou presunções, tal avaliação nos termos do artigo 87.º, n.º 1, al. f) da LGT ocorrerá quando haja indícios de que o acréscimo não justificado é superior a € 100.000,00, e que, desde que tais indícios se verifiquem, o sigilo bancário deverá ser derrogado nos termos do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) da LGT.

  6. Com efeito, a avaliação indirecta é de aplicação subsidiária face à avaliação directa (artigo 85.º da LGT), e apenas é aplicável quando preenchidos os pressupostos do artigo 87.º da LGT, porém, de acordo com o artigo 83.º, n.º 2 da LGT a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha.

  7. Pelo que nada impede que a AT se socorra dos elementos de que dispõe para aferir da existência de indícios de acréscimo patrimonial injustificado, cabendo posteriormente ao sujeito passivo a comprovação de que os rendimentos declarados são verdadeiros, sendo outra a fonte das manifestações de fortuna ou dos acréscimos identificados pela AT.

    I. No caso concreto dos autos, através do cruzamento das Declarações Modelo 39 relativas aos anos de 2010 e 2011, foram apuradas valores de juros que, tendo sofrido um acréscimo de mais de 500% de um ano para o outro, eram indício sólido de um correspondente acréscimo do capital investido pelo Recorrido.

  8. Não obstante o artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT prever especificamente que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) da n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso a contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”, a verdade é que, aquando da derrogação do sigilo bancária por via de tal mecanismo, a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita para aferir da efectiva existência do facto tributário tendo por isso de se socorrer de variáveis desconhecidas e/ou raciocínios hipotéticos, que, em toda o caso, sempre poderão ser fundadamente contrariados pelo sujeito passivo (artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT) ou por si objecto de regularização voluntária (artigo 89.º-A, n.º 11 da LGT).

  9. Assim, como bem se refere no citado voto de vencido, senda a determinação indirecta da matéria colectável realizada par recurso a indícios ou presunções, a mesma deve ocorrer sempre que há indícios de que o acréscimo de património não justificado é superior a € 100.000,00, e, desde que tais indícios se verifiquem (como se verificam na situação dos autos), o sigilo bancário deve ser derrogado.

    L. Por outro lado, o conceito de “facto manifestado” utilizado no Acórdão recorrido, é ele próprio alheio à letra e inserção sistemática do artigo 63.º-B da LGT, sendo, como se refere no mesmo voto de vencido um argumento que não possui “a carga validante que lhe é atribuída, a qual nem sequer é expressamente usada no art. 87.º/ f)”.

  10. Com a exigência avançada pelo acórdão recorrido estaríamos, pois, a extrapolar o alcance da letra da lei, dado que o que a lei efectivamente exige é que existam indícios da existência de acréscimos de património não justificado superior a € 100.000,00, e não que entre “as variáveis efectivamente conhecidas pela AT” exista uma desproporção superior a € 100.000,00.

  11. Acresce ainda que, como conclui o Venerando Desembargador do TCA Norte, a doutrina expendida no acórdão recorrido, pode conduzir a um vazio legal ou a uma contradição quando, derrogando-se o sigilo bancário por via da aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. b) se venha a apurar a existência efectiva de um acréscimo patrimonial superior a € 100.000,00.

  12. Por outro lado, também este Douto Supremo Tribunal veio já considerar preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 63.º-B, n.º 1, al. c) [e b)], em Acórdão do Pleno, proferido em Recurso por Oposição de Acórdãos – num processo em que estava igualmente em causa o acréscimo de património não justificado por aplicação de uma taxa de 4%, e em que a variação anual de juros era inferior a € 100.000,00 - de 12.11.2014 (Processo n.º 0642/14).

  13. Aí se referindo que a taxa de juro de 4% utilizada pela AT para estimar o capital investido pelo contribuinte ora Recorrido, consiste no recurso a uma variável desconhecida ou a um raciocínio hipotético é de aceitar porquanto, não tendo ainda tido acesso à informação bancária, não lhe era possível conhecer em concreto a taxa de juro contratualizada pelo contribuinte (que, recorde-se, sempre se escusou a apresentar os concretos elementos de prova solicitados pela AT), tratando-se “de admitir a demonstração de elementos indiciadores necessários à verificação posterior do facto tributário”.

  14. Com efeito, a administração tributária tem apenas conhecimento de um aumento muitíssimo significativo nos rendimentos de capitais (mais de 500%), provenientes de juros de depósitos a prazo ou similares, constatados num ano, comparativamente ao anterior.

  15. A taxa de 4% utilizada para efeitos de estimativa do acréscimo de capital investido (que corresponde ao acréscimo de rendimentos não declarados pelo contribuinte ora Recorrido), serviu assim para estimar tal...

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