Acórdão nº 0276/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelARAG
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo A…………., SA., melhor identificada nos autos, recorre da sentença proferida pelo TAF de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução fiscal nº 2704200801014471, contra si instaurada por dívida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IFAP, IP, no montante de € 20.917,79, referente a reposição de quantia recebida a título de subsídio atribuído no âmbito de restituições à exportação de vinho realizada na campanha de 1999.

Terminou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença preferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º 2704200801014471, em particular, porque aplicou o prazo geral ordinário de prescrição de vinte anos ao procedimento para reposição de quantias relativas a restituições às exportações de vinho realizadas na campanha de 1999, recebidas alegadamente de forma indevida.

  1. A aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos ao domínio da reposição de restituições à exportação de vinho da campanha de 1999 é contrária à legislação comunitária com aplicação directa no ordenamento português e, bem assim, aos princípios da segurança jurídica, da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais e da proporcionalidade, subjacentes tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento jurídico comunitário.

  2. Ao adoptar o Regulamento n.º 2988/95 e, em particular, o seu artigo 3.º, n.º 1, o legislador comunitário pretendeu instituir uma regra geral de prescrição aplicável nessa matéria mediante a qual renunciou, voluntariamente, à possibilidade de recuperar somas indevidamente recebidas do orçamento comunitário após o decurso do período de quatro anos, período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, actuando em nome e por causa do orçamento comunitário, deveriam recuperar (ou deveriam ter recuperado) essas vantagens indevidamente obtidas.

  3. No caso dos presentes autos, estamos perante uma alegada irregularidade cometida pela A………… aquando das exportações no ano de 1999 (decorrente da não apresentação dos «registos das operações de loteamento e de aumento do título alcoométrico do vinho exportado, cf. procedimento administrativo) que, lesando o orçamento do FEOGA-Garantia, determinou a reposição da quantia recebida a título de restituições à exportação de vinho nessa campanha, ou seja, estamos perante uma situação subsumível ao campo de aplicação do mencionado Regulamento nº 2988/95 e respectivo prazo de prescrição do procedimento de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade.

  4. O Tribunal de Justiça da União Europeia, chamado a pronunciar-se pelas instâncias jurisprudenciais dos diferentes Estados-Membros, tem plasmado o entendimento de que tal prazo de prescrição de quatro anos para o procedimento decorrente da prática de qualquer irregularidade que ponha em causa os interesses financeiros das Comunidades Europeias se aplica às medidas administrativas de recuperação de uma restituição à exportação, como a dos presentes autos - cf. Ac. da 2ª Secção do TJUE, de 29.01.2009 Josef Vosding Schlacht.

  5. Considerando que: (i) os Regulamentos comunitários têm aplicação directa no ordenamento jurídico interno - cf. artigo 8º, nº 4, da CRP e artigo 189º do Tratado CE; (ii) que o TJUE aplica, sem margem para dúvidas, o prazo prescricional previsto no artigo 3º, nº 1, do Regulamento 2988/95, às medidas administrativas que visam a recuperação de uma restituição à exportação; (iii) e que inexiste, no ordenamento jurídico interno, qualquer disposição especial que, ao abrigo da possibilidade estabelecida no nº 3 do artigo 3º do mesmo Regulamento, preveja um prazo específico para a prescrição aplicável a um domínio como o do reembolso das restituições à exportação indevidamente recebidas em prejuízo de fundos comunitários, não pode senão concluir-se que o prazo de prescrição previsto no mencionado Regulamento deverá ter aplicação ao caso dos autos.

  6. Depois da entrada em vigor no ordenamento jurídico português da regra de prescrição geral e de efeito directo prevista no artigo 3º, nº 1, do Regulamento nº 2988/95 - que supriu a falta de uma regra específica nessa matéria no ordenamento português -, não poderia continuar a ser aplicada na actuação contra qualquer irregularidade na acepção do referido Regulamento e na falta de uma disposição legislativa nacional que obrigasse a proceder internamente assim, uma regra de prescrição geral do Código Civil.

  7. Considerando que o Regulamento nº 2988/95 entrou em vigor em 26.12.1995 (cf. artigo 11º do mencionado Regulamento), e que as irregularidades que determinam a reposição ocorreram nas exportações realizadas no ulterior ano de 1999 - em concreto em 23/11/1999 - (cf. procedimento administrativo junto aos autos e ponto 1 dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo) o prazo prescricional de quatro anos terminou em 23/11/2003, enquanto que a decisão administrativa de reposição da quantia em questão nos autos foi proferida somente a 20/11/2006 (cf. ponto 2 dos factos provados e data da decisão constante do procedimento administrativo junto aos autos), razão pela qual se encontrava já transcorrido - há muito - o respectivo prazo prescricional, o que não podia senão ser declarado nos presentes autos, e ora se requer a este Venerando Tribunal.

  8. Ainda que se admitisse que esse prazo ordinário de prescrição de vinte anos correspondia ao prazo de prescrição estabelecido pelo legislador português ao abrigo da possibilidade prevista no nº 3 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95 - no que não se concede e apenas se admite como mera hipótese de raciocínio - sempre este prazo seria atentatório do princípio da segurança jurídica, da proporcionalidade e da não discriminação dos litígios comunitários relativamente aos litígios nacionais, que vigoram e subjazem tanto ao ordenamento jurídico interno, como ao ordenamento comunitário.

  9. O princípio da segurança jurídica exige, no contexto de uma actuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União Europeia e que dê origem a uma medida administrativa de determinar o reembolso, pelo operador, das restituições à exportação indevidamente recebidas, que a situação desse operador não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa e que, consequentemente, seja aplicado um prazo de prescrição à possibilidade de actuação contra essa irregularidade.

  10. Para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, esse prazo aplicado deve ser conhecido antecipadamente ou, pelo menos, deve ser suficientemente previsível para o destinatário - cf. Ac. da 4ª Secção do TJUE, de 5.05.2011, junto como doc. 1.

  11. A prática jurisprudencial em Portugal - que tem vindo a aplicar à reposição de restituições à exportação similares às dos presentes autos o prazo geral de prescrição de vinte anos (e não o prazo de prescrição de cinco anos previsto internamente para a reposição de dinheiros públicos, constante do DL nº 155/92) - não é anterior ao ano da prática da irregularidade aqui em causa, desconhecendo-se, com efeito, qualquer Acórdão deste Venerando Tribunal nesse sentido proferido na década de 90.

  12. A prática de aplicar à reposição de...

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