Acórdão nº 01212/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação judicial deduzida pelo Banco Z………, S.A., ao abrigo do disposto nos arts. 276º e segs. do CPPT, do despacho proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº 3085199901036980 e que determinou a substituição da garantia bancária anteriormente prestada por outra de igual valor.

1.1.

Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões: A. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a RFP conformar-se com o decidido, entendendo que a douta sentença padece de erro de julgamento de direito, designadamente pela violação do disposto nos arts. 52º da LGT e nos arts. 169º e 199º do CPPT.

B. Da conjugação destas disposições, resulta que a suspensão do PEF depende sempre da prestação e manutenção de garantia idónea.

C. Antes de avançar para uma noção de garantia idónea, importa aferir qual a definição de garantia no âmbito do Direito das Obrigações.

D. Ainda que não exista uma noção legal de garantia, esta há-de constituir um instrumento de tutela do direito do credor à realização da prestação.

E. A doutrina tradicional tem estabelecido uma distinção entre a garantia geral ou comum e as garantias especiais.

F. A garantia geral ou comum é constituída pelo conjunto de bens penhoráveis que compõem o património do devedor, sendo que, considerando que é uma realidade flutuante e que todos os credores do devedor estão em posição de igualdade, a mesma pode tornar-se insuficiente, sendo até questionável se a mesma consiste numa verdadeira garantia.

G. Assim, o credor que pretenda obviar a tal situação, deverá recorrer a uma garantia especial, que representa um reforço suplementar de segurança em relação à garantia comum, e que tanto poderá ser pessoal ou real.

H. No caso da garantia pessoal, esse reforço consiste em instituir uma obrigação secundária, assumida por uma pessoa diferente, o que implica uma segunda aplicação, também em relação a este, do mecanismo da garantia geral das obrigações.

I. Pelo contrário na garantia real, esse reforço traduz-se antes em instituir uma afetação de bens, quer do devedor quer de terceiro, ao pagamento preferencial de certas dívidas.

J. Da análise do elenco dos tipos de garantias enunciadas no art. 199º do CPPT, é patente a opção do legislador pelas garantias especiais, quando institui a possibilidade do devedor obter a suspensão do PEF por via da prestação de garantia idónea.

K. De todo o exposto, uma garantia só poderá ser idónea se, através dela, for possível tal reforço quantitativo ou qualitativo.

L. In casu,a garantia que foi apresentada pelo X………, para suspender a execução fiscal, foi uma garantia autónoma prestada pela ora reclamante.

M. Da noção de garantia autónoma, depreende-se que, em abstracto, esta consiste num reforço quantitativo através do alargamento dos bens sobre qual o credor poderá satisfazer o ser crédito, pelo que deverá ser considerada uma garantia especial (do tipo pessoal).

N. No entanto, se atentarmos ao caso concreto, verificamos que tal reforço quantitativo, caracterizador das garantias especiais, deixou de existir por via da incorporação do património da executada no património da garante, fruto da operação de fusão ocorrida entre as duas, pelo que não poderá continuar a ser considerada idónea.

O. Perante o incumprimento da ora reclamante, que assumiu as obrigações do X…………, apenas os bens que integram o seu património geral servirão para o cumprimento da dívida, não tendo o credor tributário qualquer privilégio perante os demais credores, situação que o legislador pretendeu evitar quando institui a necessidade de prestação de garantia idónea para suspensão da execução fiscal.

P. A sentença recorrida labora pois num erro quando conclui que a garantia prestada é a mesma, pois, esta já não tem em si, a característica típica da garantia especial, ou seja, o reforço quantitativo.

Q. Nem se pode defender que a característica da autonomia da garantia possa constituir tal reforço quantitativo, pois tal característica tem antes a ver com a forma como a obrigação é assumida pelo terceiro garante e já não qualquer alargamento de bens sobre qual o credor poderá satisfazer o ser crédito.

R. Acresce que a garantia autónoma institui uma relação triangular, que, in casu, por via da fusão da executada no garante (ora reclamante), deixou de existir.

S. Nem se percebe como se pode defender que, perante o incumprimento do devedor, o crédito do credor esteja salvaguardado pela garantia autónoma prestada por esse mesmo devedor, agora na posição de garante.

T. É que, o aspecto central das garantias “é que não sejam atingidas pela insolvência do devedor”, pelo que, elas serão imprestáveis se não protegerem de forma eficaz os credores neste casos.

U. Ora, in casu, se devedor e garante são uma e mesma pessoa, é evidente que tal protecção em caso de insolvência não está assegurada, pois os bens são os mesmos.

V. Acresce que, o legislador não institui qualquer isenção de prestação de garantia no caso de o executado ser uma instituição bancária, pois, ainda que estejam sujeitas a uma rigorosa supervisão da sua actividade, tal não invalida que as mesmas não possam entrar em situação de incumprimento generalizado.

W. Aliás, as próprias instituições que supervisionam estas instituições bancárias (Banco de Portugal e Banco Central Europeu), exigem, não raras vezes, a constituição de garantias especiais para concessão de empréstimos.

X. De todo o exposto, entende a RFP que o tribunal a quo errou o seu julgamento, devendo a sentença ser revogada, com as legais consequências.

Y. A sentença evidencia também um erro material que carece de correcção, nos termos do art. 614º do CPC.

Z. É que, a Fazenda Pública foi condenada em custas, nos termos do nº 1 do art. 527º do CPC, no entanto, a sentença não determina o valor da causa, que, deverá ser fixado na sentença, nos casos em que não haja lugar a despacho saneador, nos termos do nº 1 e 2 do art. 306º do CPC.

AA. Acresce que a fixação do valor da causa mostra-se relevante para efeitos de determinação da taxa de justiça, como resulta do art. 6º do RCP.

BB. Impondo-se então que a sentença seja rectificada de modo a que passe a constar o valor da causa, que deverá ser fixado atendendo ao estatuído na al. e) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT.

1.2.

O Recorrido Banco Z……… apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: a. A garantia bancária autónoma, como a que releva no presente recurso, é um negócio jurídico mediante o qual uma instituição de crédito (garante) assume, em nome e por conta própria, a obrigação de pagar a um terceiro beneficiário determinada quantia em dinheiro no caso de incumprimento ou inexecução por parte do devedor.

b. A função da garantia autónoma não é a de garantir o pontual cumprimento de uma determinada obrigação (no caso de garantia prestada em execução fiscal, a dívida exequenda), antes é a de assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no próprio texto da garantia, uma determinada importância pecuniária, e esta função em nada é prejudicada pela reunião na mesma pessoa da qualidade de devedor e garante, pois que a relação relevante na perspectiva do beneficiário é a que foi por si estabelecida com o garante.

c. Não se trata assim, como erradamente afirma a Recorrente, de deixar ou não deixar “de existir por via da incorporação do património da executada no património da garante, fruto da operação de fusão ocorrida entre as duas[um] reforço quantitativo [da garantia geral das obrigações]”, mas de concluir se a obrigação de resultado assumida pelo garante perante o beneficiário da garantia se altera por força da fusão. E, concluindo-se em sentido negativo, como é devido, em nada é prejudicada a expectativa do credor quanto à cobrança da quantia exequenda.

d. Acresce que não se verificam, no caso concreto, os pressupostos de que depende a possibilidade de exigência de reforço da garantia ou a prestação de nova garantia nos termos do número 10 do artigo 199º do CPPT, que exige para o efeito uma “diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia.” e. Ora não foi demonstrada no caso concreto (nem poderia plausivelmente tê-lo sido), sequer foi invocada pelo órgão de execução fiscal ou pela Recorrente qualquer “diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia”: a obrigação de pagamento assumida pelo Recorrido mediante a garantia bancária nº 125-02-0232464 mantém-se inalterada em todos os aspectos que relevam na relação com o beneficiário da garantia.

f. Nem se diga que a fusão do devedor originário no Recorrido, também garante, determinou a confusão entre garante e devedor, com a consequente extinção da garantia nº 125-02-0232464, precisamente por força da autonomia desta.

g. Em qualquer hipótese, nos termos do artigo 871º do Código Civil, aplicável por analogia no caso de garantias autónomas, a reunião na mesma pessoa das qualidades de devedor e garante não determina necessariamente a extinção da garantia, dependendo tal consequência da inexistência de interesse do credor na sua manutenção. Considerando que a incorporação pelo Recorrido da sociedade originariamente devedora ocorreu em 28 de Junho de 2004 e foi comunicada ao credor, nos termos da lei, no prazo de 30 dias a contar da fusão, sem que o credor tenha então (e até à decisão contestada, 10 anos depois) suscitado qualquer questão quanto à garantia, o Recorrido concluiu, legitimamente, que o credor teria interesse na sua manutenção, ou seja, na sua não extinção por confusão.

h. Não procede, por fim, a conclusão quanto à inidoneidade da garantia em análise que parece estar subjacente à decisão reclamada já que, conforme conclui o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 14 de Agosto de 2013 proferido no processo nº 01315/13...

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