Acórdão nº 01398/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA CARVALHO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A………… e B…………, identificados nos autos, notificados do despacho do Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que autorizou o acesso às suas contas e seus documentos bancários de 2010 e 2011, interpuseram recurso no TAF de Coimbra, por ilegalidade da actuação administrativa.

  1. Naquele Tribunal, o recurso foi julgado procedente, com o fundamento na violação do direito de audição prévia, anulando-se, consequentemente, o acto recorrido.

  2. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para o STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações: I - Tem o presente recurso como objecto a douta sentença que julgou procedente o recurso da decisão do Director-Geral da AT de autorização de acesso a informação bancária, nos termos do n.° 4 do artigo 63.º-B, n.° 1, alínea c) da LGT, e determinou a sua anulação com fundamento na violação do direito de audição prévia.

    II - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual “o art 63°-B da LGT não afasta o direito de audição prévia nos casos em que, como é o dos autos, a AT pretende aceder a documentos bancários do próprio sujeito passivo, nem a sua dispensa vem contemplada no art. 60º da LGT.

    Mas ainda que se pudesse defender que o art. 63°-B da LGT, na redacção da Lei 94/2009, havia eliminado o direito de audição prévia sempre restaria a questão da constitucionalidade da eliminação de tal direito, já que ele está consagrado na CRP no art 267°, n.° 5, estando ainda salvaguardado, em geral, na lei, no art. 100º do CPA e art. 60° da LGT sendo certo que não se vislumbram razões de celeridade ou conveniência relevantes que fundamentem a eliminação generalizada deste direito.” III - Concluindo a meritíssima Juiz a quo “Por conseguinte, a interpretação mais adequada e conforme à constituição é a que «numa situação em que está em causa a prática de atos com forte potencialidade de afetarem o direito à reserva da intimidade da vida privada, que é um direito fundamental garantido pelo artigo 26°, n.° 1, da CRP é a de que o direito de audição deverá ser assegurado nos termos gerais previstos no artigo 60.º da LGT e 100º e 101º a 103° do CPA, designadamente quanto às situações e requisitos de inexistência e dispensa de audiência.»” IV - Dispõe o artigo ii» da LGT que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9.° do Código Civil.

    V - O n.° 1 do artigo 9.° do Código Civil determina que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, dispondo, por sua vez, o n.° 2 do preceito que não pode ser considerado um sentido que não tenha na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

    VI - Os elementos de que o intérprete lança mão para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais são essencialmente dois: o elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei), sendo que este último se subdivide em três elementos — o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico (cfr. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, p. 181).

    VII — O texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe uma função negativa: “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe, igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (…)” (cfr. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, p. 182).

    VIII - Ora, no caso dos autos o preceito a interpretar só comporta um sentido, não permitindo a letra da lei nem o seu espírito a interpretação do 63º-B da LGT preconizada na douta sentença.

    IX - O texto da lei é claro e corresponde à vontade do legislador no sentido de eliminar a audiência prévia nos procedimentos de acesso a documentação bancária do próprio sujeito passivo, salvaguardando a exigência de tal formalidade apenas quando se trata de documentação relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

    X - De facto, o legislador manifestou expressamente a sua intenção com a alteração da redacção da norma — eliminou a referência à audição prévia porque não queria que aquela formalidade se mantivesse nos moldes vigentes na anterior redacção do preceito, mantendo-a única e expressamente nos procedimentos de acesso a documentação bancária de terceiros.

    XI - Até à Lei 94/2009 de 1 de Setembro, o artigo 63.°-B da LGT previa expressamente que o acesso directo à informação bancária só podia ocorrer na sequência de prévia audição do contribuinte; XII - Com a entrada em vigor daquela Lei, o n.° 1 do artigo 63.°-B deixou de fazer referência à audição do contribuinte, considerando-a dispensável nos procedimentos de acesso à documentação bancária do próprio sujeito passivo; XIII - Mas salvaguardando a exigência de audição prévia para os casos previstos no n.° 2 do artigo 63.º-B, i.e., no acesso a documentação relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

    XIV - Ora, in casu, a incorrecta interpretação da norma resulta do incumprimento, pela meritíssima Juiz a quo, dos critérios hermenêuticos aos quais o intérprete deve obediência, tendo sido totalmente desconsiderados o elemento teleológico e o elemento histórico.

    XV - De facto, bastaria consultar os trabalhos preparatórios da Lei n.° 94/2009 e a exposição de motivos da proposta de Lei N.° 275/X/4ª para perceber a motivação do legislador e os objectivos que este pretendeu atingir com a alteração do preceito.

    XVI - Refere a exposição de motivos que “O acesso directo à informação bancária é indispensável para garantir um eficaz controlo da veracidade da declaração dos contribuintes e, em caso de verificação de divergências, proporcionar a imediata intervenção dos serviços competentes, quer para assegurar a tributação dos rendimentos, quer para accionar os mecanismos de sancionamento e, concomitantemente, reforçar a capacidade de intervenção da administração tributária na detecção de comportamentos ilícitos e potenciadores da prática de fraude e evasão fiscais.” XVII - Distinguindo-se as “situações em que, através de decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço, a administração tributária tem acesso directo a informações ou documentos bancários sem depender de prévia audição do contribuinte”, dos casos em que “o acesso directo da administração tributária aos documentos bancários de familiares ou de terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, nas situações em que estes recusem a exibição ou não autorizem a sua consulta, fica condicionada à prévia audição dos interessados e a respectiva decisão é susceptível de recurso com efeito suspensivo”.

    XVIII - Ora, os objectivos preconizados pelo legislador com a alteração legislativa, expressos na exposição de motivos, prendem-se com o combate à fraude e evasão fiscais, designadamente com a necessidade de “agilizar a acesso à informação bancária” perante a existência de indícios de irregularidade fiscal, de forma a cumprir os imperativos constitucionais de introduzir equidade e justiça na tributação, previstos no artigo 103° da CRP.

    XIX - Sendo que, resulta claríssimo da exposição de motivos que o legislador ponderou a eliminação da audição prévia à luz do princípio da proporcionalidade (nomeadamente quando refere “alargam-se os poderes da administração tributária, porém, de forma criteriosa e proporcionada aos objectivos enunciados”), optando por restringi-la apenas no procedimento de acesso aos elementos bancários do próprio sujeito passivo, e por deixar incólume o regime da audiência prévia quando se trata de acesso à informação bancária de familiares ou terceiros; XX - Protegendo, desta forma, quem se encontra numa posição diferente do titular dos rendimentos, por não ter sido anteriormente chamado a participar no procedimento, ao contrário do que acontece com o sujeito passivo.

    XXI - A eliminação do direito de audição que o legislador teve em mente não suscita, ao contrário do que afirma a douta sentença, qualquer problema de inconstitucionalidade por violação do princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões e do direito à reserva da intimidade da vida privada.

    XXII - Nenhum destes princípios é absoluto e qualquer deles pode sofrer restrições quando está em causa a salvaguarda doutros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.° 2, da CRP, designadamente quando essas restrições se fundamentam na necessidade de consagrar meios de reacção contra a fraude e evasão fiscais, garantindo o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e a prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado, como impõe o artigo 103.º da CRP.

    XXIII - Aliás, o regime de derrogação do sigilo bancário foi objecto de análise pelo Plenário do Tribunal Constitucional, pronunciando-se o Acórdão n.° 442/2007, proc. 815/07, sobre “a excepção dos casos previstos no n.° 1 do artigo 63.°-B em que se permite um acesso directo e imediato” à documentação bancária sem mencionar qualquer desconformidade com a Constituição da República resultante da inexistência da formalidade da audiência prévia ou da violação do direito à reserva da intimidade da vida privada.

    XXIV - Ora, a interpretação que...

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