Acórdão nº 0123/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: RELATÓRIO A…………, devidamente identificada nos autos, intentou, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, acção administrativa especial, onde formulou os seguintes pedidos: a) a declaração de nulidade ou anulação da decisão da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, datada de 15/07/2010, que indeferiu o seu pedido de aposentação por incapacidade; b) a condenação da entidade demandada a reconhecer que ela se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções ou de quaisquer outras funções profissionais; c) a condenação da entidade demandada a aposentá-la por se encontrar absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, ao abrigo do artigo 37.º, n.º 2, alínea a) do Estatuto da Aposentação e de acordo com a Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, com as legais consequências.

Por acórdão do TAF de Mirandela foi essa acção julgada procedente, por se considerar que, estando a A. absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, ocorrera a violação do artº. 37º, nº. 2, al. a), do DL nº. 498/72, de 9/12.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão datado de 17.05.2013, revogou, julgando improcedente a acção administrativa especial.

É contra esta decisão que, a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA, vem o presente recurso, onde a A. formulou, na sua alegação, as seguintes conclusões: “1ª O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 17 de Maio p.p., que revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que havia considerado que a ora recorrente estava absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções profissionais e, em consequência, anulara a decisão da CGA que indeferira o seu pedido de aposentação por incapacidade para o trabalho.

2ª Resulta claramente do acórdão em recurso e da sua aclaração que a revogação da sentença proferida e a improcedência da acção se alicerçou no entendimento de que as deliberações da junta médica da CGA prevalecem sobre todos os demais pareceres médicos, pelo que o princípio da livre apreciação da prova não funcionaria nessa matéria e, como tal, não poderia o Tribunal de 1ª instância ter-se ingerido no juízo/parecer de tal junta e considerado que a A. estava incapaz para o exercício das suas funções profissionais, tanto mais que tal parecer concluíra o contrário e dele não resultaria a existência de qualquer erro manifesto ou grosseiro.

3ª Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido suscita quatro questões fundamentais cujo relevo social e jurídico se afigura ser inquestionável no universo do Direito e da justiça administrativa, a saber: 1ª - O nº 2 do art° 96° do estatuto da aposentação implica que a prova da capacidade ou incapacidade dos funcionários públicos para o trabalho só possa ser feita através da deliberação da Junta médica da CGA, daí resultando uma limitação do principio da livre apreciação da prova por parte do julgador, de tal forma que fica vedado ao Tribunal dar por provados, com base nos demais elementos de prova existentes nos autos, factos opostos aos constantes do parecer da junta médica da CGA e concluir, com base na livre valoração das provas, em sentido contrário ao decidido por essa mesma junta médica, considerando que a funcionária está incapaz para o trabalho quando aquela junta a considerou como apta? 2ª - o principio da separação de poderes impede que o Tribunal se possa socorrer de outros elementos de prova constantes do processo, designadamente relatórios médicos ou perícias, para dar por provado que uma funcionária pública está incapaz de exercer a generalidade das suas funções profissionais e, por essa via, anular a decisão administrativa que a considerara como apta e capaz para todo o trabalho? 3ª - é compatível com o direito à tutela judicial efectiva e com o princípio da igualdade de armas que o Tribunal conclua não existir um erro grosseiro nem manifesto sem previamente ter permitido à parte que alegou tal erro grosseiro e manifesto provar os factos que alegara para fundamentar a existência desse mesmo erro, sobretudo quando em causa estão conhecimentos científicos e do foro médico que não são do domínio do Tribunal? 4ª - tendo o aresto em recurso dado por provado que a funcionária pública estava impedida de executar as funções próprias da sua carreira e categoria profissional, há ou não uma notória contradição e um claro erro na aplicação do direito quando se considera que a decisão administrativa que a considerou como apta para o exercício de tais funções não enfermava de qualquer erro grosseiro ou manifesto? 4ª As questões suscitadas pelo acórdão recorrido possuem uma capacidade expansiva e uma importância social e jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, encontrando-se preenchidos os pressupostos de que o art° 150° do CPTA faz depender a admissão do recurso de revista.

Na verdade, 5ª A importância do trabalho dos funcionários públicos para o bom Funcionamento dos serviços administrativos, a circunstância do erário público responder pelos actos ou omissões desses mesmos funcionários e o facto de não ser minimamente condizente com o princípio da dignidade humana que quem não tem capacidade para trabalhar seja obrigado a ter de trabalhar, torna de relevante relevo social a questão de se saber se o Tribunal pode ou não dar por provado que tal funcionária está incapaz para o exercício das suas funções quando a junta médica da CGA entendeu o contrário, tanto mais que o elevado número de funcionários existentes no nosso país e o considerável número de pedidos de aposentação por incapacidade conterem uma vis expansiva a tal questão.

6ª De igual modo, face ao direito à tutela judicial electiva e aos princípios que enformam o sistema processual administrativo, é de relevante interesse para o universo jurídico e para a justiça administrativa que se apure qual o valor probatório das Juntas médicas da CGA, se o princípio fundamental da livre apreciação da prova por parte do julgador sofre qualquer limitação por força do n° 2 do artigo 96º do estatuto da aposentação - que determina que o parecer da junta médica da CGA é independente dos restantes pareceres médicos -, se o Tribunal pode ou não dar por provado que um funcionário público está incapaz para o trabalho quando a junta médica da CGA entendeu o contrário e se essa possibilidade representa ou não uma violação do princípio da separação de poderes.

Acresce que, 7ª Saber-se como pode a Jurisdição administrativa concluir pela existência ou inexistência de erro manifesto ou grosseiro quando em causa está matéria do foro médico e científico e, designadamente, se o pode fazer sem previamente permitir à parte que alegou a existência de tal erro provar os factos que invocou no sentido de demonstrar a existência de um erro manifesto ou grosseiro, também se afigura ser matéria de elevado relevo jurídico, até por em causa estar a delimitação do conteúdo o direito à tutela jurisdicional efectiva e dos poderes/deveres que assistem ao Tribunal para assegurar a igualdade entre as partes e para prosseguir a descoberta da verdade material.

Por fim, 8ª Para uma melhor interpretação do quadro normativo aplicável, para uma melhor aplicação do direito e para segurança dos administrados e do próprio erário público, julga-se que é de todo relevante, social e juridicamente, que se apure se há ou não uma notória contradição e um claro erro na aplicação do direito quando, depois de se dar por provado que uma funcionária pública estava impedida de executar as funções próprias da sua carreira e categoria profissional, se considera que a decisão administrativa que a considerou como apta para o exercício de tais funções não enfermava de qualquer erro grosseiro ou manifesto.

Consequentemente 9ª Julga-se estarem preenchidos in casu os pressupostos de que o nº 1 do artº 150º do CPTA faz depender a admissibilidade do recurso de revista, devendo este ser admitido e apreciadas e resolvidas as questões de importância fundamental suscitadas pelo acórdão recorrido.

10ª Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se o aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC, uma vez que, ao arrepio do disposto no nº 3 do artº 149º do CPTA, julgou a acção totalmente improcedente sem sequer ter apreciado os demais vícios que haviam sido imputados à decisão impugnada, designadamente os vícios decorrentes da ilegalidade...

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