Acórdão nº 01374/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelASCENS
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A sociedade, A………….., S.A. veio interpor recurso por oposição de acórdãos para o Pleno da secção de contencioso tributário do acórdão proferido em 15/05/2014 pelo TCA- Norte que negou provimento ao recurso que para ali interpôs da sentença que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal (OEF) consistente no despacho de 25/09/2013 que ordenou o prosseguimento dos autos de execução fiscal ( nº 1899201301006797 instaurada para cobrança de IVA e juros compensatórios no valor de 112.251,36 Euros), na sequência do requerimento apresentado pela mesma sociedade em 02/05/2013 n qual requereu ao dito OEF que se declarasse findo o processo de execução fiscal pelo facto de a executada ter sido declarada insolvente por sentença de 28/11/2011.

Apresentou alegações com as seguintes conclusões: «a) Nos termos do disposto no art.º 88º, n.º 1 do CIRE” [a] declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência...”; b) O mesmo estabelece o n.º 1 do artigo 180.º do CPPT; c) Porém, o n.º 6 do artigo 180.º do CPPT estabelece que o disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou de despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução”; d) Desta forma, o que releva para o caso é saber se o crédito dos presentes autos se venceu antes ou depois da declaração de insolvência; e) “A este respeito, o Prof. Saldanha Sanches distinguia o vencimento da pretensão tributária do vencimento da obrigação de cumprir. O primeiro ocorreria quando decorresse o prazo previsto na lei para a formação do facto tributário e o segundo quando ocorresse o facto de que a lei faz depender a formação da dívida do imposto — cfr. «Manual de Direito Fiscal», 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 255; f) À luz desta distinção, o decurso do prazo previsto na lei para a formação do facto tributário e para a declaração da obrigação tributária importaria o vencimento da obrigação acessória de apresentar essa declaração, mas não o vencimento da obrigação principal de pagar o imposto, a qual estaria dependente de um outro facto - pressuposto: a liquidação e sua notificação ao sujeito passivo. Até lá, o sujeito passivo saberia que ocorrera um facto relevante para efeitos tributários, mas não saberia as suas implicações no plano da quantificação da obrigação tributária; g) Porém, esta distinção já não faz sentido relativamente aos tributos que, como o I.V.A., devam ser autoliquidados. Nestes casos, o decurso do prazo importa não apenas o vencimento da obrigação de apresentar a declaração periódica, como a obrigação de liquidar o montante devido e enviar o respectivo meio de pagamento, sem qualquer necessidade de interpelação (nome técnico-jurídico que se dá ao acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação); h) Estas obrigações tributárias têm muito maior afinidade com as obrigações de prazo certo a que alude o artigo 805º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, visto que o seu vencimento não depende de interpelação e resulta directamente da lei; i) É certo que a Administração Tributária, quando confrontada com o incumprimento dos deveres, não está habilitada — na maioria dos casos — a exigir sem mais o cumprimento da obrigação, tendo que efectuar, por sua vez, uma liquidação adicional ou oficiosa, conforme os casos. O que acontecerá em alguns casos porque o credor Estado desconhece o valor exacto da prestação do devedor e noutro por mera extensão das garantias de defesa. Mas a liquidação substitutiva tem aqui mais afinidades com o incidente de liquidação executiva a que alude o artigo 805.º do C.P.C. Do que se trata aqui não é já determinar o valor com vista ao cumprimento, mas de substituir o devedor na aferição do valor de uma prestação que não cumpriu; j) De todo o exposto decorre que a utilização da expressão «vencimento» e «créditos vencidos» se adapta mal às especificidades da obrigação tributária e justifica, em parte, que não seja utilizada na sua caracterização na L.G.T; k) O que nos leva a outra conclusão, mais interessante para a resolução do litígio: a de que o legislador utilizou o termo «créditos vencidos» no artigo 180.º, n.º 6, do C.P.P.T., não para remeter para um conceito tributário (que não existe) ou tão pouco para um conceito civil (que não se lhe acomoda), mas para remeter para a legislação das falências. Ou seja: «créditos vencidos após a declaração de falência» para efeitos deste dispositivo legal são aqueles que, à luz da lei falimentar, só venham a vencer-se após a declaração de falência; l) Ora, é aqui que releva o artigo 91º, n.º 1, do C.I.R.E. resulta claramente deste dispositivo legal, que todas as obrigações da insolvente geradas em data anterior à declaração de insolvência e não subordinadas a condição suspensiva se consideram vencidas nesta data.

Ou seja, para efeitos desta lei, créditos vencidos são todas as obrigações do insolvente constituídas em data anterior à declaração de insolvência, independentemente de se encontrarem sujeitas a prazo ou a termo (certo, incerto, legal, convencional ou natural), ou o seu vencimento estar dependente da vontade do devedor (obrigações cum voluerit) ou da possibilidade do devedor (obrigações cum potuerit) [cfr. Maria Rosário Epifânio, in «Os Efeitos Substantivos da Falência», Publicações Universidade Católica, pág. 201]. Excluem-se, por ressalva expressa do legislador, as obrigações subordinadas a condição suspensiva; m) As obrigações subordinadas a condição suspensiva são as que, à data da declaração de falência e por vontade das partes, estavam dependentes de um acontecimento futuro e incerto — cfr. artigo 270.º do Código Civil. Não são, assim, obrigações condicionais aquelas cujos efeitos estão dependentes de uma condição por exigência da lei (também designadas na doutrina por condições impróprias); n) Pelo que as obrigações tributárias — cujos elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes (cfr. artigo 36º, n.º 2, da L.G.T.) — nunca poderiam ser consideradas obrigações condicionais ou subordinadas a condição suspensiva para efeitos deste normativo.

O que significa, basicamente, que para efeitos do C.I.R.E., todas as dívidas tributárias constituídas à data da declaração de insolvência se consideram vencidas nessa data independentemente de ter ou não sido efectuado o seu apuramento pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária; o) A razão de ser de tal regime radica fundamentalmente no facto de o processo de insolvência ser orientado pelos princípios universalidade, da igualdade e da proporcionalidade. Do primeiro, decorre que, em princípio, todos os créditos e todos os credores são admitidos à insolvência. Do segundo decorre que, em princípio, todos os credores concorrem ao produto da venda da massa insolvente em posição de paridade, isto é, sem prevalência de uns sobre os outros. Do terceiro decorre que, em princípio, todos os créditos são pagos pelo produto da venda dos bens do insolvente de acordo com a regra par condicio creditorum, isto é, rateadamente; p) À luz destes critérios, não faria sentido que o credor Estado não fosse admitido à insolvência só porque o crédito tributário, integralmente formado em data anterior à declaração de insolvência, ainda não tinha sido liquidado. Sobretudo se a obrigação de liquidação recaía sobre o próprio devedor, como é o caso.

q) Mas é possível apelar a outra razão, esta de carácter histórico: é que o sistema falencial português tem evoluído de um processo meramente destinado à execução da responsabilidade pessoal do devedor (finalidade liquidatária) para um processo destinado ao saneamento das empresas inviáveis e recuperação das empresas viáveis (finalidade saneatória). O seu principal objectivo não é já (ou apenas) o de tutelar os interesses dos credores, mas o de salvaguardar o interesse público que se encontra associado à saúde económico - financeira do tecido empresarial no seu todo. Finalidade que só é verdadeiramente atingível se no processo de insolvência forem mesmo considerados todos os créditos imputáveis à acção gestionária que antecedeu a declaração respectiva.

Porque, de outro modo, todas as deliberações quanto à viabilidade da empresa seriam provisórias e condicionais. E, para serem rigorosas, todas as avaliações de risco que porventura as tivessem suportado, nomeadamente as de outros incumprimentos, deveriam considerar uma margem de erro, factores aleatórios introduzidos pela hipótese de débitos desconhecidos, que muito dificultariam a opção pela recuperação; r) Finalmente, a possibilidade de reclamar depois da extinção do processo de insolvência créditos vencidos antes de esta ser declarada, não poderia deixar de afectar o efectivo empenhamento dos credores — incluindo o credor Estado — da definição do destino da empresa e, assim, comprometer a finalidade estrutural deste processo, que é a de separar com eficácia as empresas que são viáveis das que não o são, de salvar umas e liquidar as outras; s) Por todo o exposto, entendemos que «créditos (tributários) vencidos após a declaração de falência» para os efeitos do artigo 180º, n.º 6, do C.P.P.T. serão apenas aqueles que forem relativos a factos tributários cuja formação transponha a data de declaração de insolvência; t) O que, de resto, está de acordo com a distinção basilar entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente que emana do artigo 233º, n.º 1, citado na decisão recorrida; u) As dívidas da insolvência são as dívidas a que alude o seu artigo 47.º do CIRE (cfr. em particular o seu n.º 2), isto é, são as dívidas que têm a sua génese (o seu fundamento) em factos anteriores à declaração de insolvência (ainda que tenham sido confirmadas no decorrer do processo — cfr. o n.º 3 daquele artigo 47º); v) As dívidas da massa insolvente são as dívidas a que alude o seu artigo 51.º (cfr. em...

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