Acórdão nº 0657/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | ANA PAULA PORTELA |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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Relatório 1. A………., S.A., devidamente identificada nos autos, interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], em 29.01.2015, que negou provimento ao «recurso de apelação» que interpusera do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [TAF], que, por sua vez, tinha julgado improcedente esta «acção de contencioso pré-contratual» em que demandara a ré PARQUE ESCOLAR, E.P.E.
[PARQUE ESCOLAR], e a contra-interessada B…….., S.A.
[B.........], pedindo a declaração de nulidade ou a anulação da adjudicação, e do contrato, proferida e celebrado no ajuste directo da prestação de serviços de vigilância e segurança na Escola Secundária …………, no Seixal, e a condenação da PARQUE ESCOLAR a adjudicar-lhe o contrato a ela.
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Conclui assim as suas alegações: «Da admissibilidade do presente recurso de revista A) São cinco as questões cuja apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo entende a Recorrente ser essencial para uma melhor aplicação do direito e sobre as quais ainda não houve qualquer pronúncia por parte deste Tribunal: 1. Atenta a definição de proposta [constante do artigo 56º do CCP] e as causas de exclusão das mesmas [previstas no artigo 70º do CCP], os concorrentes podem fixar livremente os preços, apresentando preços abaixo dos custos inerentes à prestação de serviços que se pretende contratar? 2. Deve considerar-se um preço anormalmente baixo, nos termos e para os efeitos do artigo 71º, nº2, e do artigo 70º, nº 2 alínea e), ambos do CCP, aquele que não permite ao adjudicatário suportar os custos mínimos inerentes à prestação do serviço? 3. Deve considerar-se a adjudicação de uma proposta cujo preço não permite ao adjudicatário suportar os custos mínimos inerentes à prestação do serviço como evidência de que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares, nos termos e para os efeitos do artigo 70º, nº 2 alínea f), do CCP? 4. Quando um concorrente se encontre legalmente dispensado de suportar determinados custos, encontra-se o mesmo obrigado, atenta a definição de proposta [constante do artigo 56º do CCP] e as causas de exclusão das mesmas [previstas no artigo 70º do CCP], a demonstrá-lo perante o Júri do procedimento quando apresenta uma proposta? 5. Um concorrente, cuja proposta de preço apresentada seja inferior ao custo mínimo inerente à prestação de serviços que se pretende contratar, pode, atenta a definição de proposta [constante do artigo 56º do CCP] e as causas de exclusão das mesmas [previstas no artigo 70º do CCP], apresentar como justificação do preço apresentado o benefício de «Medidas de Apoio à Contratação» cuja concessão, para os profissionais a afectar ao serviço em causa, ainda não estejam aprovadas? B) Cada uma destas questões, autonomamente considerada, revela-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica quer pela sua relevância social. Globalmente, e numa perspectiva jurídica, é importante saber [i] se um determinado concorrente pode apresentar o preço que entender mesmo que isso impossibilite que o preço assim cobrado não seja suficiente para cobrir os custos com a prestação de serviços objecto do procedimento; e [ii] se a distorção da concorrência daí resultante é compatível com as normas que regem a contratação pública. A resposta a esta questão condiciona todo o sistema de contratação pública, designadamente a forma como os concorrentes apresentarão a sua proposta e as entidades adjudicantes tratarão as propostas e os concorrentes; C) Além disso, sendo questões que se poderão suscitar em qualquer procedimento de contratação pública, a possibilidade de as mesmas se expandirem para outros casos é significativa, como demonstra a proliferação de acções judiciais com esse objecto; D) Ainda de uma forma global, socialmente, a matéria em análise é, igualmente, de extrema relevância na medida em que está em causa uma das matérias que em termos de concorrência, e de relacionamento do Estado com os particulares, maior impacto tem - a contratação pública; E) Mas cada uma das questões é, autonomamente, matéria de profunda importância; F) Quanto à primeira questão, apesar de ser aparentemente atractivo para a administração a aceitação de propostas de preço muito baixas, essa aceitação importa óbvios e necessários riscos. De facto, a celebração de contratos tendo em conta esses preços aumenta o risco de incumprimento ou cumprimento defeituoso dos contratos, a pressão dos adjudicatários para renegociar os contratos, a distorção do mercado, a conivência da administração com práticas ilícitas e o efeito multiplicador da ilicitude; G) A relevância da questão anterior reflecte-se, necessariamente, na segunda e na terceira questões. Efectivamente, saber se se deve considerar [i] um preço anormalmente baixo, nos termos e para os efeitos do artigo 71º, nº 2, e do artigo 70º, nº 2 alínea e), ambos do CCP, aquele que não permite ao adjudicatário suportar os custos mínimos inerentes à prestação do serviço; e [ii] a adjudicação de uma proposta cujo preço não permite ao adjudicatário suportar os custos mínimos inerentes à prestação do serviço como evidência de que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares, nos termos e para os efeitos do artigo 70º, nº 2 alínea f) do CCP; reveste-se da mesma relevância que a de saber se os concorrentes podem propor preços inferiores ao custo inerente à prestação dos serviços; H) Relativamente à quarta questão, a simples possibilidade, em abstracto, de alguém poder beneficiar de medidas legais que permitissem não suportar determinados custos sem que nunca tivesse de o alegar na proposta perante o júri do procedimento e sem que nunca o tivesse de demonstrar, permitiria obviar a qualquer controlo sobre o preço apresentado. Assim se revela que, adoptando-se o entendimento expresso pelo «Acórdão Recorrido», seria, na prática, permitido a qualquer concorrente que apresentasse o preço que bem entendesse sob o pretexto de beneficiar de medidas legais que permitiriam não ter de suportar determinados custos. Pela ausência de qualquer possibilidade de controlo da actuação do concorrente, fácil é perceber que todos os concorrentes, em todos os procedimentos, poderiam invocar tal circunstância, afectando dessa forma todos os procedimentos e o princípio da concorrência de forma irrevogável; I) No que concerne à quinta questão tratando-se de um apoio que só é concedido após a contratação dos trabalhadores a afectar à prestação de um serviço - facto que apenas ocorrerá após a adjudicação - a medida em causa apresenta-se como não certa à data da apresentação da proposta; J) Finalmente, cumpre salientar que, tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo nunca se pronunciou, na vigência do Código dos Contratos Públicos, sobre as questões que se suscitam no presente recurso; Da impossibilidade de os concorrentes fixarem livremente os preços quando os mesmos se consubstanciem num valor inferior ao inerente aos custos do serviço a contratar.
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A primeira questão à qual, no entender da Recorrente, cumpre dar resposta é a de saber se, atenta a definição de proposta [constante do artigo 56º do CCP] e as causas de exclusão das mesmas [previstas no artigo 70º do CCP], os concorrentes num procedimento de contratação pública de aquisição de serviços de vigilância e segurança humana podem fixar livremente os preços, apresentando preços abaixo dos custos inerentes à prestação de serviços que se pretende contratar. No entender da Recorrente a resposta é, tem de ser, negativa por aplicação de uma liberdade - de iniciativa económica - e de um princípio fundamental - o da concorrência; L) Em primeiro lugar, isso mesmo impõe o direito comunitário, na medida em que, não obstante erigir como alicerce da sua regulamentação a promoção da liberdade económica, designadamente através da afirmação peremptória das liberdades de circulação de bens e capitais, vai mais longe na defesa do mercado. Como afirmam Rui Medeiros e João Amaral Almeida [entre outros], «as coordenadas que emergem do ordenamento comunitário apontam no sentido de conciliar a promoção da livre iniciativa económica como motor de um mercado altamente concorrencial com a regulação desse mesmo mercado, em termos que impeçam a distorção da concorrência gerada. E, em consequência, a disciplina jurídica da contratação pública, de inspiração comunitária, não poderá, por isso, deixar de ser lida em termos que a compatibilizem com ambas as directrizes que emergem dos tratados fundadores da União» [página 22 do Parecer]; M) Em segundo lugar, a legislação nacional impõe a mesma conclusão. Apesar de a CRP consagrar a liberdade de iniciativa económica [artigo 61º da CRP], é a mesma Constituição que limita essa liberdade, quer por referência a outras disposições da Constituição e da lei [ver nº 1 do artigo 61º da CRP] quer por imposição, ao Estado, da incumbência de «assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas» [artigo 81º alínea f) da CRP]; N) Em face dos comandos constitucionais supra identificados, o legislador criou várias restrições à «liberdade de iniciativa económica» aplicáveis à formação dos preços propostos em procedimentos pré-contratuais públicos e que, no que diz respeito ao sector da segurança privada, são os seguintes:
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Os contratos colectivos celebrados entre [i] a AES - Associação de Empresas de Segurança e outra e a FETESE - Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outros, com o texto publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego [BTE], nº 8, de 28.02.2011, mas já objecto de recente revisão global em 28.07.2014, que foi publicada no BTE, nº 32, de 29.08.2014; e entre [ii] as mesmas associações de empregadores e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância e Limpeza, publicado no BTE, nº 17, de 08.05.2012, e cujos...
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