Acórdão nº 099/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução16 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 1 de Outubro de 2014 pelo Tribunal Central Administrativo Sul (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/94494e5bcf3e625480257d6b00363b32.

), invocando oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de Outubro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 1619/09.0BEBRG ( Disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f598eb9b341a068e802578800049a639.

).

1.2 Pese embora o recurso não tenha sido tramitado ao abrigo do art. 284.º do CPPT no Tribunal a quo (O recurso foi de imediato admitido e notificado o Recorrido dessa admissão. Após a junção das contra-alegações e notificação das mesmas ao Recorrente o processo foi remetido a este Supremo Tribunal Administrativo.

), neste Supremo Tribunal Administrativo diligenciou-se no sentido de sanar a irregularidade (O recurso previsto no art. 284.º do CPPT tem duas fases de alegações: a primeira, na sequência do despacho que admite o recurso, «tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a oposição exigida» (n.º 3); depois do despacho do relator que entenda haver oposição deverá ser apresentada pelo recorrente uma outra alegação, sobre a questão do mérito do recurso, «nos termos e no prazo referido no n.º 3 do art. 282.º» (n.º 5).

), dando por adquirido, depois de ouvidas as partes, que a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul considerou verificada a oposição de acórdãos.

1.3 As alegações sobre o mérito do recurso apresentadas pelo Recorrente foram por ele resumidas em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «I. Visa o presente recurso reagir contra o douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 01 de Outubro de 2014, que decidiu revogar a sentença recorrida e em conformidade decidiu anular a decisão de fixação da matéria tributável em causa por ter considerado que: “No caso concreto dos autos estamos perante uma situação de arquivamento do processo (não relevando a diversidade de fundamentos desse arquivamento). Ao contrário de decisão final no processo-crime em que tenha havido julgamento e fixados factos que possam ser utilizados como prova por parte da administração tributária, no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela administração tributária como factos indiciários de uma determinada realidade. E nessa medida recai sobre a administração tributária o ónus de diligenciar pela obtenção dessa prova.

” II. Assim, no Acórdão recorrido considerou-se que, estando em causa o recurso à avaliação indirecta resultante de acréscimo patrimonial não justificado com os rendimentos declarados, tendo a administração tributária tido acesso a essa informação, por via de informação provinda do processo-crime, no caso de estarmos perante uma situação de arquivamento deste processo, a AT não pode utilizar esses elementos documentais para apurar a responsabilidade tributária conexa com os crimes em investigação.

  1. É contra tal entendimento que se insurge o ora recorrente, por considerar que o Acórdão fundamento – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15-10-2010, proferido no âmbito do Processo 01619/09.0 BEBRG, 2.ª Secção – Contencioso Tributário, acessível em www.dgsi.pt., ao considerar que: “a tributação por método indirecto não está de modo algum dependente do juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum, de um juízo sobre a ilicitude e a culpa de uma conduta, mas apenas do apuramento dos factos que integrem os respectivos pressupostos, nos termos do art. 81.º, alínea f), 89.º-A n.º 5 da LGT”, fez uma correcta interpretação da lei, a qual deve ser acolhida, devendo ser utilizada para a uniformização de jurisprudência.

  2. Existe uma evidente oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento do TCA Norte, tendo por base situações fácticas idênticas e relativamente à mesma questão fundamental de direito foram tomadas decisões opostas.

  3. Verifica-se que em ambos os arestos, o fundamento e o recorrido, estão em causa situações em que tendo sido extraída certidão de processo-crime, foram estes elementos bancários que serviram de suporte ao procedimento de avaliação indirecta ao abrigo do disposto no art. 89.º-A da Lei Geral Tributária.

  4. Enquanto o Acórdão fundamento considerou que só revelaria a eventual ilegalidade na obtenção da prova em sede de processo-crime, no Acórdão recorrido sustenta-se que: “o contribuinte tem o direito de se opor a que a administração tributária tenha acesso a essa documentação para apurar a responsabilidade tributária. Atente-se que não está em causa responsabilidade a exercer em sede de processo-crime, mas sim apurar responsabilidade tributária, ainda que conexa com um crime em sede de procedimento tributário”.

  5. Relativamente à identidade da questão de direito, esta circunscreve-se à questão de saber se a AT, pode aceder directamente a informação bancária, através de comunicação feita pelas autoridades judiciárias que a obtiveram no âmbito do processo criminal, como decorre do teor do art. 63.º-B, n.º 9 da LGT, indagando se existe alguma relação de dependência entre os factos que no procedimento tributário de tributação por método indirecto cumpre averiguar e o juízo sobre a relevância criminal que venha a existir.

  6. Tendo os Acórdãos em causa decidido diferentemente tal questão, enquanto o Acórdão fundamento considerou que: “a tributação por método indirecto não está de modo algum dependente do juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum, de um juízo sobre a ilicitude e a culpa de uma conduta, mas apenas do apuramento dos factos que integrem os respectivos pressupostos, nos termos do art. 87.º, alínea f), 89.º-A n.º 5 da LGT”, o Acórdão recorrido considera que estando em causa o recurso à avaliação indirecta resultante de acréscimo patrimonial não justificado com os rendimentos declarados, tendo a administração tributária tido acesso a essa informação, por via de informação provinda do processo-crime, no caso de estarmos perante uma situação de arquivamento deste processo, a AT não pode utilizar esses elementos documentais para apurar a responsabilidade tributária conexa com os crimes em investigação.

  7. Ora, os dois Acórdãos decidiram em sentidos opostos, pugnando-se que o Acórdão fundamento fez uma correcta interpretação de direito, devendo ser essa a acolhida para uniformização de jurisprudência.

  8. A propósito, e bem, decidiu o Acórdão fundamento que: “O acesso à informação bancária por parte da AT far-se-á, por via de regra, através do procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT”, “No entanto, nos termos do n.º 9 do mesmo preceito legal “(o) regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal”. O que significa que, no âmbito do procedimento de inspecção tributária, estando verificados os pressupostos legais do acesso administrativo à informação bancária, não se justificará que a A.T., num manifesto desperdício de tempo e de meios, promova o procedimento previsto naquele artigo com vista à obtenção dessa informação quando já tenha havido o levantamento do segredo e o acesso à informação bancária em sede de processo penal”.

  9. São assim ponderosas razões de interesse público, que não colidem com os direitos fundamentais dos contribuintes, que podem sempre invocar qualquer ilegalidade relativamente ao modo como a informação foi acedida pela autoridade judiciária, que justificam que a AT possa utilizar a informação bancária apurada no processo penal.

  10. Aqui se reconhece, e bem, que não estamos perante uma prerrogativa da AT, “Bem pelo contrário, a AT tem o poder e o dever de utilizar as provas produzidas no processo penal que possam assumir relevância para efeitos tributários, designadamente para determinar o rendimento tributável para efeitos de tributação em IRS”.

  11. Daí que seja errónea e desprovida de fundamentação constitucional o sustentáculo argumentativo do Acórdão recorrido que considera que: “deixando de estar presentes os interesses subjacentes à acção penal, a utilização desse meio de prova por parte da autoridade tributária para efeitos de tributação deva ficar sujeito aos requisitos e trâmites mais restritos previstos no artigo 63.º-B da LGT”.

  12. O Acórdão recorrido faz pois uma interpretação ab-rogante da própria lei, na medida em que o seu propósito legal deixa de existir, pois “a tributação por método indirecto não está de modo algum dependente do juízo sobre a relevância criminal de comportamento algum, de um juízo sobre a ilicitude e a culpa de uma conduta, mas apenas do apuramento dos factos que integram os respectivos pressupostos nos termos do art. 87.º, alínea f), e art. 89.º-A, n. º 5, da LGT”.

  13. O propósito da lei é claro, caso a AT tenha conhecimento de factos que possuam relevância fiscal, pode dar início ao procedimento e prosseguir com o mesmo, independentemente dos interesses subjacentes à acção penal, inexistindo assim qualquer relação de dependência do procedimento tributário em relação ao processo-crime.

  14. A interpretação efectuada pelo Acórdão recorrido esvazia por completo o propósito legislativo, que é reconhecido no Acórdão fundamento, da independência entre o processo criminal e o conhecimento, no âmbito deste de factos que possuam relevância fiscal.

  15. Pelo supra exposto, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida de acordo com o sentido decisório do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT