Acórdão nº 0428/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública e o Ministério Público (embora no requerimento de interposição do recurso o MP refira a Secção do Contencioso Administrativo do STA, trata-se, manifestamente, de erro de escrita, a demandar mera rectificação) recorrem da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, julgou procedente a oposição deduzida por Associação de Municípios Vale Douro Norte, com os demais sinais dos autos, contra a execução fiscal que lhe moveu a Agência Portuguesa do Ambiente para cobrança da quantia de € 227.279,32 respeitante a liquidação de taxa de resíduos relativa a acerto do ano de 2007, 1° semestre de 2008, acerto do ano de 2008 e 1º semestre de 2009, acrescida da quantia de € 39.642,37, correspondente a juros de mora.

Por despacho de 4/06/2013 foi desatendido o pedido formulado pelo Ministério Público no sentido de constar da decisão que se julga organicamente inconstitucional a norma em causa.

1.2. A Fazenda Pública alega e termina com a formulação das conclusões seguintes: 1ª - A qualificação de determinado tributo como taxa, contribuição financeira ou imposto determina o respectivo regime jurídico: os impostos estão sujeitos ao princípio da legalidade fiscal, na dupla vertente de reserva de lei formal e de reserva de lei material (princípio da tipicidade), enquanto que as taxas e contribuições financeiras estão sujeitas a mera reserva parlamentar quanto ao regime geral; 2ª - As taxas, ao contrário dos impostos, assentam numa contraprestação específica, pressupondo que os sujeitos passivos são os seus efectivos causadores ou beneficiários (bilateralidade); 3ª - As contribuições financeiras, caracterizam-se também pelo carácter comutativo, mas apresentam componente colectiva mais acentuada, não se dirigindo à compensação de uma contrapartida prestada a um sujeito determinado mas sim à compensação de prestações dificilmente divisíveis no plano individual, que, todavia, são imputáveis a um grupo determinável de sujeitos; 4ª - As taxas, tal como as contribuições financeiras, obedecem a um princípio de equivalência, consistente na ideia de troca ou sinalagma entre o tributo e o custo que o contribuinte gera à administração (princípio da compensação dos custos) ou o benefício que dela recebe (princípio do benefício); 5ª - A taxa de gestão de resíduos, prevista pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro e liquidada pela Agência Portuguesa do Ambiente, nos termos da Portaria n.º 1407/2006, de 18 de Dezembro, é uma verdadeira e própria taxa, possuindo objectivos fiscais (compensação dos custos de acompanhamento da actividade de gestão de resíduos) e extrafiscais (de tipo ambiental); 6ª - A taxa não visa o financiamento geral dos serviços da administração, mas a compensação dos custos a esta gerados pelos sujeitos passivos -entidades gestoras de resíduos - e efectivamente causados, em termos últimos, pelos contribuintes sobre os quais é repercutida a taxa; 7ª - O facto de a contraprestação beneficiar toda a colectividade, não ser solicitada pelo contribuinte e poder até ser considerada inconveniente por este, não afasta a existência de sinalagma; 8ª - Existindo, como existe, um custo efectivamente provocado pelo contribuinte, taxa de gestão de resíduos é uma verdadeira taxa e não uma contribuição financeira; 9ª - De todo o modo, quer se qualifique como taxa, quer se qualifique como contribuição financeira, a taxa de gestão de resíduos não é organicamente inconstitucional.

Nestes termos e nos demais que Vossas Excelências doutamente suprirão, concedendo provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida farão, Senhores Conselheiros, a habitual e esperada Justiça.

1.3. Por sua vez, o Ministério Público apresentou alegações, formulando as conclusões seguintes: 1 - A decisão proferida errou de direito ao julgar, sem mais, a taxa de gestão de resíduos como “uma “falsa taxa” inquinada de inconstitucionalidade orgânica, que impede a liquidação e cobrança do tributo em causa” e “por conseguinte, e com tal fundamento, procede a oposição à execução.” 2 - Porque na sentença recorrida não pode deixar de constar, em sede de decisão, o julgamento da norma criadora que inconstitucional organicamente se julgou.

3 - Nos termos constitucionais, art. 277, n° 1, o que pode ser inconstitucional é uma norma, uma qualquer norma. Não mais do que isso.

E se o fundamento de decisão é a inconstitucionalidade de norma mister é, na decisão, declarar tal inconstitucionalidade.

4 - Por outro lado, a necessidade desse julgamento é também a obrigatoriedade legal que é imposta ao M° P° para interposição de recurso que julgue norma inconstitucional e, por via desse julgamento, recuse a sua aplicabilidade. Sem que seja declarada tal inconstitucionalidade não podemos interpor o devido recurso para o Tribunal Constitucional, como se extrai dos arts. 280, nº 1, al. a) da CRP e 70, n° 1, al. a), 72, n°s 1, al. a), e 3, e 75 da L. 28/82, de 15/11, na redacção da L. 85/89, de 07/11.

5 - A sentença é, por isso, nula por não se ter pronunciado sobre matéria sobre a qual se impunha que se pronunciasse.

6 - E também é nula por se contradizer entre os fundamentos e a decisão. Porque se a norma é organicamente inconstitucional, tal inconstitucionalidade da norma não pode deixar de ser declarada. Nunca, contraditoriamente entre os fundamentos e a decisão, se pode, a final, julgar a taxa inconstitucional, na alegação de falsa taxa.

7 - Violaram-se, assim, os arts 277, n° 1, e 280, n° 1, aI. a), da CRP, e 70. n° 1, al. a), 72, n°s 1, al. a), e 3, e 75 da L. 28/82, de 15/11, na redacção da L. 85/89, de 07/11.

8 - Com o que, na violação dos artigos citados e nos mais de direito, deve ser substituída por outra que i) Se for caso disso, julgue inconstitucional organicamente a norma ou normas em que se fundou a liquidação da taxa; ii) Sem conceder, declare a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. Sendo recorrente, o Ministério Público não emitiu Parecer.

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS 2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes: A. Em 28.06.2010, o Director-Geral da Agência Portuguesa do Ambiente emitiu “Certidão” com o seguinte teor - cfr. fls. 14 do processo físico: B. Em 09.07.2010, pela Agência Portuguesa do Ambiente foi remetido ofício dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real solicitando a cobrança da dívida da oponente correspondente à certidão de dívida referida - cfr. fls. 13 do processo físico.

  1. Em 27.08.2010, foi instaurado contra a oponente o processo de execução fiscal n.º 2496 2010 0102 8782 por dívida no valor de € 227.279,32 referente a taxa de gestão de resíduos, acrescida de juros de mora, referente aos anos de 2007, 2008 e 2009 - cfr. fls. 11 do processo físico.

  2. Em 02.09.2010, foi assinado aviso de recepção relativo a carta de “citação” dirigida à oponente, subscrita pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2496 2010 0102 8782 - cfr. fls. 20 e 21 do processo físico.

  3. Em 04.10.2010, deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Real a petição de oposição que deu origem aos presentes autos - cfr. fls. 3 do processo físico.

3.1. A sentença recorrida, considera, no essencial, o seguinte: - Embora a Fazenda Pública sustente, na contestação, que o fundamento de oposição invocado pela oponente se reconduz ao constante da al. h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (ilegalidade em concreto da liquidação) e que, por isso, o meio processual próprio seria a impugnação, e não a oposição, que deve, assim, ser rejeitada, não tem razão, pois que do teor da PI decorre que a oposição tem por fundamento a inconstitucionalidade da norma que esteve na base dos actos de liquidação que deram origem à execução fiscal.

Ou seja, o fundamento invocado respeita à ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, nos termos da al. a) do n.º 1 art. 204.º do CPPT, pois que a oponente põe em causa a própria ilegalidade do tributo, não se limitando a atacar a legalidade do acto tributário ou do acto de liquidação.

- Na óptica da oponente, a taxa cobrada é (se considerada em si mesma), inconstitucional [o diploma que consagra a taxa padece, nessa parte, de inconstitucionalidade orgânica, por não ter sido precedido de lei ou de intervenção da Assembleia da República que permitisse a criação da taxa em causa, nem de forma geral, através de lei habilitante ou definidora do regime geral desta contribuição (no caso de se considerar estar em causa uma taxa), nem através de lei específica, obrigatória e necessária por estar em causa um tributo...

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