Acórdão nº 0675/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I.RELATÓRIO 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO moveu, contra o MUNICÍPIO DE ......... ação administrativa especial de pretensão conexa com a prática de atos administrativos, indicando como contra-interessada A…………, ……… da Câmara Municipal de ........., impugnando e pedindo a anulação de 3 atos praticados pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de ........., praticados em 5.5.2008, 13 e 14 de Maio 2008 e em 2.10.2008, que autorizaram o pagamento à contra-interessada de despesas judiciais relativas ao processo judicial nº 49/00.3JABRG, que correu termos no Tribunal Judicial de ..........

  1. Na sua P.I. o Ministério Público invoca que as despesas autorizadas tiveram por objecto o pagamento das despesas judiciais apresentadas pela contra-interessada para pagamento, ao abrigo do art. 21º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela L. nº 29/87, de 30.09.2008, na qualidade de ……… da Câmara Municipal de ......... quando os pressupostos para tais pagamentos só se verificam após a decisão final do processo, onde se dará como provado ou não o dolo ou negligência dos eleitos.

    Pelo que, os despachos impugnados enfermam do vício de violação de lei.

  2. O Município de ......... contestou a ação, a fls. 293/4, invocando que resulta da interpretação do art. 21º da L. 29/87 que cabe aos órgãos autárquicos decidir, face às circunstâncias de facto e às verbas em questão, se o pagamento das despesas podem ser autorizadas antes do trânsito em julgado, assim pugnando pela improcedência da ação.

  3. Por sentença de 22.9.2011, fls. 317/323, a ação foi julgada procedente, anulando-se os despachos impugnados.

  4. O Município de ......... interpôs recurso para o TCAN, a fls. 328.

  5. A contra-interessada veio, a fls. 341, também interpor recurso para o TCAN.

  6. O TCAN, em 14.3.2014, a fls. 400/402, apreciou a questão prévia de recorribilidade da sentença proferida por juiz singular, no âmbito de uma ação administrativa especial, com o valor de 79.124.44€, face ao Ac. STA, de 5.06.2012, Proc. nº 420/12, e com a fundamentação desse acórdão de uniformização de jurisprudência, e das disposições contidas nos art.s 40º, nº3, ETAF, 27º,nº1, i), e nº2, CPTA, concluiu em não tomar conhecimento do recurso jurisdicional, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância, para apreciação, a título de reclamação, pelo Colectivo de Juízes, a quem competiria proceder ao julgamento da matéria de facto e de direito.

  7. O TAF de Braga, em 21.11.2013, fls. 423/429, proferiu acórdão, indeferindo a reclamação.

  8. O Município de ......... dele interpôs recurso, a fls. 440, para o TCAN.

  9. A contra-interessada também interpôs recurso, a fls. 452, para o mesmo Tribunal.

  10. Admitidos os recursos, a fls. 517, veio o TCAN proferir Acórdão em 23.01.015 , fls. 548/569, negando provimento aos recursos jurisdicionais, e mantendo o decidido.

  11. A contra-interessada, inconformada, veio a fls. 616-624 interpor recurso para este STA, ao abrigo do art. 150º CPTA, fls. 627/655, concluindo da seguinte forma: 1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que considerou procedente a acção administrativa especial intentada pelo MP por via da qual este veio impugnar vários despachos do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de ......... proferidos ao abrigo da alínea o) do nº1 do artigo 5º e do artigo 21º da Lei nº29/87, de 30 de Junho, na versão introduzida pela Lei nº53F/2006, de 29 de Dezembro, que autorizaram diversos pagamentos de despesas que a aqui recorrente e contra-interessada teve de suportar com a sua defesa no Proc. nº49/00.3JABRG, em que responde por factos praticados no exercício das funções que desempenhou, num primeiro momento enquanto ……… e, depois, já como ……… da Câmara Municipal de ..........

    2) De acordo com a causa de pedir da acção esta era justificada por entender, o MP, que o pagamento deveria ser efectuado no final do processo - caso se demonstrasse nele a ausência de dolo ou negligência - sendo para isso relevante o desfecho do mesmo para avaliar da ilegalidade ou não do acto impugnado. Subjacente à posição assumida pelo MP na acção estava o facto de, apenas em caso de absolvição do contra-interessado ali arguido, deixar de ter fundamento a pretensão de anulação do acto impugnado.

    3) Acontece que, em 28/05/2012, em novo acórdão da Relação de Guimarães no âmbito do famigerado processo do “.........”, o qual foi amplamente noticiado e difundido pelos mais variados meios da comunicação social, veio a arguida a ser absolvida de todos os crimes, por acórdão transitado em julgado.

    4) Em 28/05/2012 foi proferido novo acórdão da Relação de Guimarães no âmbito do famigerado processo do “.........”, o qual foi amplamente noticiado e difundido pelos mais variados meios da comunicação social, em face de cujo acórdão ficou definitivamente resolvida e decidida a questão das absolvições dos arguidos, como, no caso concreto, do aqui recorrente.

    5) Como então se alegou, o trânsito em julgado desse acórdão não podia ter deixado de ser do conhecimento, tanto do MP junto deste tribunal, como do próprio tribunal, o que seria por si só suficiente para que o tribunal da 1ª instância (TAF de Braga) a devesse tomar em consideração na sentença recorrida, ao contrário do que aconteceu.

    6) No acórdão proferido pelo tribunal da 1ª instância não se deu, porém, como demonstrado, o trânsito em julgado da decisão que absolveu a aqui recorrente no âmbito do processo nº 49/00.3 JABRG, apesar do conhecimento indisfarçado que o tribunal tem desse trânsito e do seu desfecho.

    7) No recurso interposto para o TCAN a recorrente bateu-se pela necessidade de o trânsito em julgado do acórdão que a absolveu (como todos os arguidos no referido processo criminal) dos crimes que lhe eram imputados e cujo processo judicial esteve na origem da despesa paga pelo Município, mas objecto da impugnação administrativa por parte do MP, ser levado ao acervo dos factos provados.

    8) O Tribunal recorrido, porém, não se pronunciou sobre tal matéria – questão suscitada no recurso interposto pela recorrente – ultrapassando-a com o argumento de que a despesa fora paga antes do trânsito em julgado, entendendo que só a partir de então poderão ser avaliados os pressupostos legais para o pagamento ao titular, eleito local.

    9) Para a procedência de tal ação, no acórdão em crise o tribunal “a quo” acolheu (como já antes a 1ª instância o fizera) a posição defendida pelo MP Autor, em relação ao artº 21º da referida lei (conforme respalda do teor das alegações que apresentou), nos termos da qual as referidas despesas relacionadas com a defesa em tal processo só poderiam ser pagas pelo Município de ........., depois de haver uma sentença transitada em julgado, com o fundamento de que, como defende, “as despesas que constituem encargo da autarquia só poderão ser apuradas no termo da causa, visto que só nesse momento se torna exigível o apoio judiciário por parte da autarquia, em função do julgado quanto ao carácter não culposo da actuação do eleito local e do seu nexo causal com o exercício do cargo.

    10) A questão que se colocava ao tribunal da 1ª instância, e que continua a ser a nuclear e primeira para a decisão deste recurso é aquela que em termos simples se pode equacionar da seguinte maneira: a de saber, Se, à luz do disposto na alínea o) do nº1 do artº 5º, conjugado com o disposto no artº 21º da Lei nº 29/87, podem ou não os Municípios pagar as despesas com processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, cujos factos neles discutidos estejam relacionados com o exercício das suas funções e por causa delas, antes mesmo de haver decisão transitada em julgado? 11) No douto acórdão, no segmento que mais releva para a compreensão do dispositivo, refere-se que “as despesas (…) só poderão ser apuradas no termo da causa …” para efeitos de determinação do momento a partir do qual pode ser aberto procedimento administrativo para aquilatar da existência ou não de dolo ou negligência e de lhe serem pagas as despesas.

    12) Ao dar enfoque de que apenas com o trânsito da sentença penal “se torna exigível o apoio judiciário por parte da autarquia”, o acórdão recorrido está a fazer tábua rasa da presunção de inocência do arguido, nos termos do artº 32º/2 da C Rep Portuguesa, ainda mais que - no caso de existir uma sentença transitada absolutória – a sua inocência já atestada pelo tribunal.

    13) A presunção de inocência constitui, já nos termos em que vem fundamentado o conhecido Parecer da Procuradoria da República, um argumento caro ao MP, e ao que se vê, também às instâncias, já que devendo presumir-se a inocência do arguido, no caso, o eleito local, em processo-crime por ilícito criminal imputado supostamente cometido no exercício e por causa das funções de autarca sem que tenha ainda sido demonstrado o dolo ou culpa grave, não existe fundamento para que lhe não seja prestado o apoio no âmbito desse processo.

    14) Questão, evidentemente, diferente, é o que acontecerá depois, se uma vez demonstrado, através de decisão definitiva, que o arguido (eleito local) cometeu o ilícito, atuando com dolo ou com culpa grave, ou seja, fora de um daqueles pressupostos de que a lei faz depender para o tal apoio, consistente no pagamento da despesa proveniente do processo, que lhe deve ser concedido.

    Em tais casos um só remédio existe: o da obrigação do arguido devolver as importâncias que recebeu a título de apoio no âmbito do tal processo.

    15) Diversamente do afirmado naquele segmento do acórdão recorrido, o preceito não encerra a resposta a dar à questão do momento a partir do qual se abre as portas ao procedimento para que as despesas em causa possam ser pagas.

    16) Se tivesse sido esse o ensejo do legislador outra, bem diferente teria sido a redacção dada ao artigo 21º do Estatuto dos Eleitos Locais, em termos que deixasse bem claro que o pagamento só teria lugar após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo judicial em que o eleito local tenha sido parte – e assim não decorre da lei.

    17) O artº 21º ao referir que «Constituem...

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