Acórdão nº 0693/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“MINISTÉRIO PÚBLICO” [MP] instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] a presente ação administrativa especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra A……………, devidamente identificado nos autos, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 02/06.

1.2.

O «TAC/L» veio a prolatar sentença, datada de 29.06.2015, julgando a ação totalmente improcedente e, nessa conformidade, ordenou “o prosseguimento do processo pendente na Conservatória dos registos Centrais, com vista ao registo da declaração da vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa manifestada pelo R.

” [cfr. fls. 47 e segs.

].

1.3.

O MP, inconformado, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 24.02.2016, concedeu provimento ao recurso jurisdicional e, julgou procedente a ação, determinando o “arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade do ora Recorrido pendente na Conservatória dos Registos Centrais” [cfr. fls. 130 e segs.

].

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o R., inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 148 e segs.

], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: “...

  1. O presente recurso de revista pretende a reapreciação do entendimento do acórdão recorrido quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova da existência ou inexistência de uma ligação efetiva à comunidade na ação de oposição à aquisição da nacionalidade: se ao interessado na aquisição da nacionalidade e réu nessa ação, ou se ao MINISTÉRIO PÚBLICO, autor na mesma.

  2. O problema enunciado possui relevância jurídica pois envolve a interpretação e aplicação do regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e, concretamente, o apuramento e ponderação das opções legislativas quanto à configuração desse regime, bem como a discussão da natureza da ação de oposição à aquisição da nacionalidade, em particular com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.

  3. A importância social desta questão é inegável: o seu esclarecimento afigura-se essencial para a boa compreensão das normas que disciplinam a aquisição da nacionalidade, matéria particularmente sensível e que espelha escolhas fundamentais para a orientação da comunidade portuguesa. Mais do que isso, a solução perfilhada quanto à mesma influenciará certamente futuros processos de aquisição da nacionalidade.

  4. O Supremo Tribunal Administrativo reconheceu já a importância fundamental desta questão, admitindo diversos recursos de revista quanto à mesma nos casos em que, como o presente, o Tribunal a quo adotou entendimento diverso ao defendido por este.

  5. «A jurisprudência deste STA, desde o Ac. de 19/06/2014, proferido no proc. n.º 0103/14, tem sido unânime no sentido que, para a procedência da ação, cabe ao MP provar que o requerente da nacionalidade não tem qualquer ligação efetiva à comunidade portuguesa (cf. Acs. de 28/05/2015 - Proc. n.º 1548/14, de 18/06/2015 - Proc. n.º 1054/14, de 1/10/2015 - Procs. nºs. 1409/14 e 203/15 de 4/02/2016 - Proc. n.º 1374/15)» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de fevereiro de 2016, processo n.º 01261/15, disponível em www.dgsi.pt).

  6. Ao considerar que a ação de oposição à aquisição de nacionalidade é uma ação de simples apreciação de negativa e que, como tal, caberia ao Réu e requerente da nacionalidade a prova dos factos constitutivos - mormente, da existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional - o acórdão recorrido violou as normas contidas no artigo 9.º, alínea a) da Lei da Nacionalidade e nos artigos 56.º, n.º 2, alínea a), e 57.º do Regulamento da Nacionalidade.

  7. Em consequência do erro de julgamento do Tribunal a quo quanto à interpretação e aplicação das normas referidas, este não apreciou devidamente a matéria de facto julgada provada e não impugnada, já que verdadeiramente se impunha saber se o MINISTÉRIO PÚBLICO alegou e provou factos que permitam concluir pela inexistência da ligação efetiva à comunidade nacional.

  8. Na interpretação jurídica dos enunciados normativos referidos os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico, depõem todos no sentido de que cabe ao Ministério Público fazer a prova dos factos que permitem concluir pela inexistência de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte do requerente na ação de oposição à aquisição da nacionalidade.

  9. Da análise dos textos da lei desde a sua versão originária não restam dúvidas de que, na interpretação da alínea a) do art. 9.º da Lei da Nacionalidade, na redação atualmente em vigor conferida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, o elemento histórico depõe no sentido da alteração do mecanismo da oposição (face à redação anterior) - mais concretamente dos seus fundamentos -, cabendo agora ao MINISTÉRIO PÚBLICO o ónus da prova da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado em adquirir nacionalidade portuguesa, contrariamente ao que sucedia antes.

  10. O procedimento legislativo que levou à aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, demonstra também que questão de saber a quem cabia o ónus da prova quanto à existência ou inexistência de ligação efetiva à comunidade em sede de oposição à aquisição da nacionalidade reuniu um largo consenso entre os diferentes Grupos Parlamentares da Assembleia da República, indo inclusivamente de encontro à Proposta de Lei do Governo, no sentido de caber ao Ministério Público a prova da inexistência.

  11. No presente caso está-se perante uma aquisição não originária da nacionalidade por efeito da vontade, que constitui um dos fundamentos a par da adoção plena e da naturalização, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Nacionalidade; a exigência de casamento com um nacional português há mais de três anos não é fundamento ou modalidade autónoma de aquisição de nacionalidade, mas sim um pressuposto do qual essa aquisição depende, sendo também necessária uma declaração de vontade por parte do interessado em adquirir a nacionalidade.

  12. Da leitura conjugada das normas relativas à instrução do procedimento de aquisição da nacionalidade resultam duas conclusões: a primeira, de que compete ao requerente ou interessado a prova documental das circunstâncias de que depende essa aquisição - isto é, cabe-lhe apresentar os documentos que comprovem a existência de casamento com nacional há mais de três anos, e dos quais resulte a sua declaração de vontade em adquirir a nacionalidade (além da documentação necessária à prática de atos de registo civil obrigatórios); a segunda conclusão prende-se com o facto de o requerente ter apenas de se pronunciar sobre os fundamentos de oposição legalmente previstos - no caso concreto, sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional.

  13. A tese defendida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e acolhida no acórdão recorrido acerca da natureza da oposição à aquisição da nacionalidade enquanto ação de simples apreciação negativa assenta numa confusão entre a causa de pedir nessa ação e o efeito ou tutela que a mesma visa obter, uma vez que esta não tem como fim a declaração da inexistência de um facto jurídico, mas sim obstar a essa mesma aquisição; neste contexto, a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional constitui uma das causas de pedir que a lei selecionou como aptas a impedir a aquisição da nacionalidade.

  14. Diferente da causa de pedir ou do fundamento da oposição é o efeito ou tutela pretendida com a sua propositura, e que consiste em impedir a aquisição da nacionalidade pelo requerente e, consequentemente, o arquivamento do processo de registo da mesma; é este o fim da ação de oposição, o que leva à sua qualificação como um incidente de natureza constitutiva inserido no procedimento de aquisição de nacionalidade.

  15. Em qualquer caso, sempre gozaria o Recorrente de uma presunção legal a seu favor, sendo aplicável o artigo 350.º do Código Civil, que resultou igualmente violado pelo Acórdão recorrido.

  16. A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, propiciou uma abertura significativa da aquisição da nacionalidade que viria a repercutir-se no instituto da oposição à mesma. Com o advento desta Lei já não compete ao interessado fazer qualquer prova da existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional, como a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores confirmar.

  17. Cabendo ao MINISTÉRIO PÚBLICO enquanto autor o ónus alegar e de provar a factualidade que permita concluir pela inexistência de uma ligação efetiva à comunidade por parte do réu, certo é que este limitou-se a apresentar alegações de caráter genérico e conclusivo, não tendo alegado um único facto concreto que permitisse demonstrar a ausência de tal ligação efetiva do réu à comunidade portuguesa, tendo muito menos apresentado qualquer meio de prova …”.

Termina pugnando pelo provimento do recurso e pela total improcedência da pretensão contra si formulada tal como havia sido julgado pelo «TAC/L».

1.5.

O MP, aqui ora recorrido, produziu contra-alegações [cfr. fls. 170 e segs.

] que terminou com a seguinte síntese conclusiva: “...

  1. Pretende-se com o presente Recurso de Revista, interposto pelo Réu/Recorrente impugnar o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24 de fevereiro de 2016, constante de fls. não paginadas dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido quanto ao seu teor, o qual apreciando a sentença proferida pelo TACL a 29 de junho de 2015, que julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu/Recorrente, A…………., decidiu revogá-la e julgar procedente ação de oposição à aquisição da nacionalidade que havia sido interposta pelo Ministério Público, com o consequente arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade do ora Recorrente, pendente na...

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