Acórdão nº 01373/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

“ A………….., SA”, melhor identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [doravante «TAF/Almada»], contra o “INSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL” e os “SERVIÇOS DE AÇÃO SOCIAL DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL”, ação administrativa comum, sob a forma ordinária, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 02 a 30, que: “a) Seja condenado o Réu Instituto Politécnico de Setúbal a cumprir na íntegra a obrigação emergente do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância humana, celebrado em 31 de março de 2011 com a A…………..., isto é, a efetuar o pagamento da quantia de 43.577,34 €, acrescida dos juros de mora vencidos até 7 de maio de 2012, no total de 1.567,84 €, e dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento; … b) Seja condenado o Réu Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Setúbal a cumprir na íntegra a obrigação emergente do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância humana, celebrado em 31 de março de 2011 com a A………….., isto é, a efetuar o pagamento da quantia de 15.127,35 €, acrescida dos juros de mora vencidos até 7 de maio de 2012, no total de 564,92 €, e dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento”.

1.2.

O «TAF/Almada», por sentença de 25.06.2013 [cfr. fls. 215/231], julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou: i) o Instituto Politécnico de Setúbal a pagar à A. a quantia de 43.577,34 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, perfazendo aqueles, até ao dia 07.05.2012, o montante de 785,76 €; ii) os Serviços de Ação Social do Instituto Politécnico de Setúbal a pagar à A. a quantia de 15.127,35 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, perfazendo aqueles, até ao dia 07.05.2012, o montante de 282,89 €.

1.3.

Inconformados, os RR. interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] que, por acórdão de 11.06.2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão proferida pelo «TAF/A», julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo os RR. integralmente do pedido [cfr. fls. 278/298].

1.4.

É deste aresto que a A., ora Recorrente, não se conformando e invocando o disposto no art. 150.º do CPTA, vem interpor o presente recurso jurisdicional de revista, apresentando alegações [cfr. fls. 309/335], formulando o seguinte quadro conclusivo: “… (A) Delimitação das questões jurídicas fundamentais objeto da Revista 1. Consistindo no problema de saber se nas hipóteses de contratos celebrados ex novo no ano de 2011, a redução remuneratória prevista no artigo 22.º da LOE para 2011 se deve repercutir nos valores devidos por força de contratos que, por emergirem de procedimentos pré-contratuais já lançados antes de 1 de janeiro de 2011, não refletiam essa redução, a questão jurídica fundamental objeto da presente Revista traz implicada afinal uma outra, de ordem estrutural, assente em saber qual o objeto da redução remuneratória prevista naquele artigo 22.º nas hipóteses de contratos celebrados ex novo no ano de 2011: os preços contratualmente estipulados nesses contratos ou, diferentemente, o preço base fixado no Caderno de Encargos? (B) Sobre a admissibilidade da presente Revista 2. Tendo em vista os dois critérios materiais de admissão de Recursos de Revista constantes do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA e a interpretação que a seu respeito tem sido extraída pelo próprio STA, seguro é que qualquer um deles se acha verificado in casu.

  1. Quanto à necessidade da presente Revista tendo em vista garantir uma «melhor aplicação do Direito», registou-se a ostensiva contradição entre o Acórdão ora recorrido e o anterior Acórdão, também do TCA Sul, de 28 de junho de 2012, Proc. n.º 0888/12, nos termos do qual se abordou de forma direta, expressa e inequívoca a questão do objeto das reduções nas hipóteses de celebração de novos contratos: ali onde o TCA Sul havia dito que «a redução deve ocorrer no preço base a fixar no caderno de encargos do respetivo procedimento, operando a redução não no momento do efetivo pagamento da remuneração, mas a priori, no momento da fixação do limite do preço que pode vir a ser proposto pelo prestador de serviço» veio agora o mesmo TCA Sul entender e julgar em sentido diametralmente oposto; prova porém a sentença do TAF de Almada lavrada nos presentes autos que aquele entendimento já vinha sendo seguido pelas instâncias, o que faz com que a nova sensibilidade acolhida pelo TCA Sul venha a implicar de forma inevitável a prolação de sentenças e acórdãos incompatíveis.

  2. Ainda comprovando a não linearidade da questão trazida a juízo, não pode negligenciar-se a circunstância de o Acórdão recorrido não ter sido lavrado sem a aposição de um contundente voto de vencido, no qual se protagonizou precisamente a tese contrária à que fez no vencimento no Acórdão, aderindo-se, outrossim, à doutrina que sobre a questão já dedicadamente se pronunciou.

  3. Dúvidas também não subsistem quanto à qualificação da presente como uma questão que reveste de importância fundamental, tendo designadamente em conta: (i) a complexidade da questão, pressuposta pela necessária convocação de argumentos interpretativos de diferente estalão e origem, nos quais se incluem, como expressamente referido, questões de interpretação em conformidade com a Constituição; (ii) o impacto comunitário da mesma, tendo em vista não só o expresso reconhecimento, pelo STA e por duas vezes, da dignidade e importância social de que as questões em torno da interpretação do n.º 1 do artigo 22.º se revestem, não subsistindo razões para qualquer inversão de posição nesta matéria; por seu turno, a meta individualidade da questão suscitada surge evidente se se pensar que não só subsistem ainda muitos contratos celebrados no contexto daquele n.º 1 do artigo 22.º da LOE/2011, com semelhantes dificuldades interpretativas, como essa disposição transitou - ainda que com alterações, mas não relevantes para o presente caso - para as sucessivas leis orçamentais: perante todas essas normas continua então a subsistir a dúvida quanto à questão de saber como, quando, onde e através de quê deve operar a redução remuneratória nas hipóteses de celebração de novos contratos; (iii) por fim, e pelo mesmo conjunto de razões, dúvidas não sofre que a questão, já levadas a outros autos pela própria Recorrente, virá a merecer julgamentos futuros da jurisdição administrativa.

  4. Ainda quanto à admissibilidade da presente Revista, deve sublinhar-se que a questão ora suscitada não se dissolve na recentemente decidida por este STA através do Acórdão de Revista do dia 9 de julho de 2015, porquanto, nesses autos, para além de não ter ficado ainda solucionada a questão estrutural relativa ao objeto da redução no caso de novos contratos, estavam em causa ajustes diretos promovidos já durante o ano de 2011 e na sequência dos quais o preço convencionado pelas partes já incorporou o efeito redutivo previsto naquele n.º 1 do artigo 22.º da LOE/2011.

  5. Bem ao invés, nos presentes autos o que cumpre saber, com referência àquela questão estrutural, é se a aplicação desse normativo também tem cabimento nas hipóteses de contratos celebrados em 2011, mas no decurso de procedimentos iniciados em 2010 e em cujos termos (quer do procedimento quer do contrato) nunca foi perspetivada qualquer redução remuneratória.

    (C) Do mérito do Recurso e dos erros do Tribunal a quo 8. O confronto com uma situação diferente (vínculos de emprego público, em que a redução remuneratória, em função da subordinação e integração funcional dessas pessoas dispensa qualquer assentimento) e com uma situação similar (a renovação de contratos de aquisição de serviços, em que é sempre garantida a hipótese de o prestador privado não aceitar a redução remuneratória) revelam que nas hipóteses em que estão contratadas terceiras entidades a prestar serviços ao Estado, o regime das reduções remuneratórias instituído pelo n.º 1 do artigo 22.º da LOE/2011 visaram sempre garantir a autonomia contratual do prestador, assente na impossibilidade de este operador vir a ser sujeito a condições contratuais que sempre desconheceu e que não aceitou.

  6. Na Contratação Pública, a forma de garantir essa cognoscibilidade antecipada é a de, em conformidade, moldar o Caderno de Encargos subjacente a cada procedimento; a garantia da posição contratual das partes envolve por isso a exigência de que as reduções remuneratórias surjam ab initio plasmadas no Caderno de Encargos, através da adaptação do preço base, pois de outra forma o ordenamento jurídico habilitaria a hipótese de modificações unilaterais da parte das entidades adjudicantes desacompanhadas de qualquer compensação ou mecanismo ressarcitório.

  7. Sucede que tal alternativa - em que as reduções remuneratórias teriam por objeto os valores efetivamente pagos e não o preço base fixado no Caderno de Encargos esbarra, desde logo, em dois limites de inconstitucionalidade material de que padeceria o n.º 1 do artigo 22.º da LOE/2011, porquanto a sua admissão importaria a aceitação de descompressões desrazoáveis - e, por isso, não toleráveis ex vi do artigo 18.º da CRP - às garantias constitucionais da livre iniciativa económica privada (61.º) e da propriedade privada (62.º).

  8. A invocação de um interesse público eventualmente legitimador dessa solução ablativa não tem paralelo em nenhuma das situações em que nos termos da lei se admitem afetações unilaterais de contratos públicos, sempre acompanhadas dos competentes esquemas compensatórios/ressarcitório; a não ser assim no caso das reduções remuneratórias.

  9. Noutro plano, e tendo em especial linha de conta a circunstância de que, no momento em que se lançou ao procedimento através de uma proposta (em 2010), a A.………… não sabia nem poderia de modo algum...

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