Acórdão nº 01508/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | FONSECA CARVALHO |
Data da Resolução | 15 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. B…………, identificado nos autos, deduziu impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa, contra a liquidação adicional de IRS, com referência ao ano fiscal de 1990, no montante total de 9.906.570$00, juros compensatórios incluídos (€ 48.914,96) e contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
A impugnação foi julgada improcedente.
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Não se conformando, A…………, cabeça-de-casal da herança de B…………, também identificada nos autos, veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente o pedido de anulação do indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada e da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios subjacente, no montante global de 9.906.570$00 (€ 48.914,96).
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O Recorrente considera que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, discordando do enquadramento jurídico resultante da valoração que dos factos provados foi efectuada e, bem assim, da decisão perfilhada pelo Tribunal a quo.
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Da matéria assente na sentença recorrida resulta provado que: a) a sociedade “C…………” foi notificada de que haviam sido efectuadas correcções à matéria colectável declarada para o exercício de 1990, no montante global de 33.273.909$00, mas não da sua fundamentação (e.g. Relatório de Fiscalização), nem da correcção das imputações a fazer aos seus sócios — cfr. alinea G) dos factos provados e doc n.º 6 em anexo à p.i; b) a fundamentação das correcções limitou-se ao envio da DC-22 anexo à notificação em causa; c) o relatório de inspecção subjacente às correcções nunca foi notificado ao recorrente ou à sociedade em causa — cfr. alíneas G), E) e F) da matéria assente e doc. n.° 6 em anexo à p.i.
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Foi considerado provado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional em crise foi notificada ao Recorrente, na qualidade de sócio daquela entidade, resultando o imposto liquidado adicionalmente, em exclusivo, das correcções efectuadas à matéria colectável da sociedade de profissionais que integrava (pelo que a liquidação em crise não teve por base qualquer dos pressupostos então apontados no artigo 66.°, n.° 2 do Código do IRS), que se havia consolidado naquela esfera.
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O direito de reclamação administrativa, da fixação da matéria colectável corrigida da sociedade de advogados competia àquela entidade, a qual tinha legitimidade e capacidade para exercê-lo nos termos da lei e dos Ofícios Circulados, n.° 5/94, de 16 de Fevereiro e n.° 14/95, de 14 de Junho, da Direcção de Serviços do IRC.
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Estes últimos regulamentos administrativos dispunham que a sociedade transparente deveria ser notificada, entre outros, i) das correcções à matéria colectável susceptíveis de serem objecto de reclamação a que se referiam, então, os artigos 54.° do Código do IRS e 84.° do CPT e ii) das correcções de natureza quantitativa susceptíveis de recurso hierárquico, nos termos do artigo 112.° do Código do IRC, sendo que, só após decisão do recurso hierárquico eventualmente apresentado deveriam ser corrigidas as liquidações de IRS ou IRC dos sócios.
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O Tribunal a quo aplicou mal o direito ao ignorar o facto e ao não censurar a opção AT que se encontrava vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, emitidos sobre a interpretação das normas tributárias em vigor no momento do facto tributário, consubstanciando o incumprimento dessas orientações uma violação material das garantias do sujeito passivo, dado que, em resultado desse incumprimento, deixaram de ser utilizados os meios adequados à defesa do Recorrente.
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O artigo 90.° do Código do IRS (artigo 89.° à data dos factos) prevê que sempre que haja lugar a correcções que determinem alteração dos montantes imputados aos sócios ou membros das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, a AT procede à reforma da liquidação que lhes tenha sido efectuada, cobrando ou anulando as diferenças apuradas.
I. Traduzindo-se a reforma da liquidação na mera revisão da mesma, é forçoso concluir que, nestas situações, não há lugar à prática de qualquer acto de alteração, correcção ou fixação de matéria colectável na esfera dos sócios, mas apenas à mera imputação da matéria colectável fixada — e, acrescente-se, regularmente notificada — ao nível da sociedade transparente.
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Nesta medida, a defesa dos sócios passa necessariamente pela defesa da sociedade transparente já que é na esfera desta entidade — e não na do sócio, como vimos — que pode discutir-se a ilegalidade das correcções efectuadas à sua matéria colectável, sendo a liquidação de IRS notificada ao Recorrente um mero reflexo do resultado dessa discussão.
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A falta do envio do relatório da fiscalização à Sociedade de Advogados com a indicação concreta dos fundamentos das correcções (ao nível dos custos e das percentagens a imputar a cada sócio) e a falta da informação dos meios da defesa (e.g. reclamação graciosa/recurso hierárquico) permitiu que se tenha consolidado ilegalmente a matéria colectável na esfera da sociedade.
L. Como base na informação recebida, a sociedade transparente não pôde fazer uso dos referidos meios de defesa, pelo que, confiando no teor da única informação que lhe foi notificada, nada fez.
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Por outro lado a sociedade nunca foi notificada de que lhe assistia o direito de recorrer hierarquicamente, nos termos do então artigo 112.° do Código do IRC — disposição legal que estabelecia os meios de defesa para as situações em que, tal como no caso sub judice, as correcções geravam imposto a pagar e, consequentemente, a respectiva imputação na esfera dos sócios.
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Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, a actuação da AT ignorou as suas próprias orientações administrativas contidas nos ofícios-circulados n.° 5/94 de 16 de Fevereiro e n.° 14/95, de 14 de Junho e o então disposto no artigo 64.° n.° 1 e n.° 2 do CPT, que exigiam, para uma notificação válida, que esta contivesse os fundamentos do decidido e, bem assim, os meios de defesa e respectivo prazo de exercício.
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A doutrina resultante do Acórdão do STA de 3 de Outubro de 2001, proferido no recurso n.° 026353, aplicada pelo Tribunal a quo também não tem aplicação no caso dos Autos porque parte do errado pressuposto de que a perfeição da notificação efectuada aos sócios das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal em nada depende da notificação que seja efectuada a essas mesmas entidades, o que não corresponde à verdade.
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À data dos factos, o artigo 67.°, n.° 1 do Código do IRS dispunha que sempre que a AT altere os rendimentos declarados pelo sujeito passivo ou processa à respectiva fixação, deveria este ser notificado não só da decisão, como dos respectivos fundamentos o que in casu, não sucedeu, pois que o Recorrente nunca teve acesso ao conteúdo do relatório de inspecção em que se fundaram as correcções efectuadas à sociedade transparente pelo simples facto de que a própria sociedade também dele não teve conhecimento.
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A jurisprudência citada confunde ainda, por um lado, a fase da determinação da matéria colectável que, nas sociedades transparentes, segue todas as normas do Código do IRC, incluindo, como não podia deixar de ser, aquelas que consagram o direito da sua contestação autónoma, como era o caso dos então artigos 54.° e 55.° do Código do IRC, sistematicamente incluídos no capítulo relativo à determinação da matéria colectável, com a fase de liquidação do imposto.
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A doutrina afirma que «[a]s entidades transparentes estão, pois, sujeitas ao IRC. Simplesmente, exigências de política legislativa levaram a excluí-las do regime normal de tributação [...]» (Também a Circular n. ° 8/90, de 26 de Fevereiro, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sancionou o entendimento de que as sociedades de profissionais, sujeitas ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 5.° do Código do IRC, são sujeitos passivos deste imposto.) e que «[o] resultado a atribuir aos sócios é constituído pela matéria colectável, determinada nos termos do Código do IRC (artigo 5.º, n.° 1)» — cfr. Jorge Magalhães Correia, “Transparência fiscal das sociedades de profissionais”, in Fisco, n.° 7 (Abril 1989), p. 5 (cit.).
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Até ao momento em que é efectuada a imputação aos sócios dos resultados obtidos pelas entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, tudo se passa sem especificidades de maior, face aos demais sujeitos passivos de IRC, sendo-lhes correspondentemente aplicáveis todas as regras relativas ao apuramento da respectiva matéria colectável, incluindo as respeitantes à sua contestação autónoma.
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Pelo que nunca poderia ter sido omitida a regular notificação da sociedade em relação à matéria colectável que lhe foi fixada (e.g. relatório, com explicação detalhada das correcções, ao nível dos custos e das percentagens a atribuir aos sócios) e aos meios de defesa que lhe assistiam em face das correcções efectuadas, sem que tal vício inquine fatalmente de ilegalidade a notificação efectuada aos respectivos sócios.
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Da matéria colectável apurada na esfera da sociedade transparente foi imputado na esfera do Recorrente o montante de 29.609.188$00 correspondente a 48,5% do lucro tributável apurado pela sociedade.
V. Conforme refere a doutrina «o artigo 5.°, n.° 3, do Código do IRC, ao estabelecer que a imputação é feita ‘nos termos que resultarem do acto constitutivo’, pretendia afinal significar que essa atribuição é feita aos sócios consoante a sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório» — cfr. Jorge Magalhães Correia “Transparência fiscal das sociedades de profissionais» in Revista Fisco, n.° 7 (Abril 1989), p. 7 (cit.).
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No caso concreto, como resulta provado na alínea Q) da matéria assente, o acto constitutivo da sociedade ‘C…………’ determina um duplo...
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