Acórdão nº 01352/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelASCENSÃO LOPES
Data da Resolução01 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – RELATÓRIO A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, veio deduzir impugnação judicial contra a Fazenda Publica, na parte em que foi condenada ao pagamento de juros indemnizatórios relativos à procedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008.

Por sentença de 30 de maio de 2014, o TAF de Sintra julgou procedente a impugnação, anulou a liquidação adicional e condenou a RFP a restituir o valor da derrama pago em excesso acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

Inconformada com o assim decidido, reagiu a representante da Fazenda Pública, interpondo o presente recurso com as seguintes conclusões das alegações: «I) A anulação da liquidação impugnada no segmento colocado em crise nos autos, foi determinada em virtude de haver entendido a douta sentença que a norma do artigo 5°, n° 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro de 2012 é inconstitucional, na parte em que faz retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração do artigo 81°, nº 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, consagrada no artigo 1.º- A do citado diploma legal.

II) Todavia, a Administração Tributária encontra-se sujeita a um dever genérico de actuação em conformidade com a lei tributária (art 266°, n.º 1, da CRP e 55° da LGT), não podendo, por isso, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal devidamente aprovado, mesmo que eventualmente pudesse considerar tal norma inconstitucional.

III) Nos termos do artigo 111º n° 2 b) do CPPT, a administração fiscal, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.

IV) Nos termos do artigo 266°, n.º 2 da CRP, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, diferentemente do que sucede com os Tribunais que, nos termos do disposto no artigo 266°, n.º 2 da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional. Sendo que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa de fiscalização da constitucionalidade das leis V) No Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

VI) No caso em apreço, não ocorreu a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma em causa, constante no artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, tendo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, Proc.º n.º 204/2010, 3.ª Secção, inclusivamente o Tribunal Constitucional chegado a pronunciar-se pela não inconstitucionalidade desta norma.

VII) A administração fiscal devia à data da liquidação obediência à lei e, neste caso, ao artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro que manda aplicar às situações previstas na alínea a) do nº 3 do artigo 81.º do CIRC a taxa de tributação autónoma de 10%, aos factos tributários ocorridos desde 1 de Janeiro de 2008.

VIII) Assim, não poderá entender-se que, no caso dos autos, pelo facto de a norma à qual os Serviços da Administração Fiscal devem obediência (posteriormente à actuação destes) ser considerada inconstitucional, ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43° da LGT, pois que, nenhuma outra conduta lhes poderia ser exigível no caso concreto, senão aquela que efectivamente tiveram - excluindo-se desta forma, necessariamente, a possibilidade de actuação dos Serviços com culpa (ainda que leve).

IX) Faltando no caso em apreço o nexo de imputação do erro aos Serviços da Administração Fiscal, previsto na norma, o qual não poderia nunca ter um cariz objectivo, revestindo tal nexo de imputação necessariamente um cariz subjectivo (pelo menos a título de negligência), não se verificam as condições de que, por força daquele artigo 43°da LGT, dependeria a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.

X) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.» Foram apresentadas contra alegações, a fls.278/288 dos autos pela recorrida, com o seguinte quadro conclusivo: «I. Não invoca a Recorrente um único fundamento válido que permita, sequer, sustentar a admissão do presente recurso e menos ainda julgá-lo procedente.

II.

Parece que a Recorrente apenas pretende a revogação da sentença recorrida na parte dos juros indemnizatórios, como se infere do n.º 1 das suas alegações mas tal pretensão não consta explícita das conclusões de recurso.

  1. A decisão sobre os presentes autos afigura-se de sentido único possível e resume-se à exclusiva questão de Direito, que o Tribunal a quo decidiu, sobre a qual (legalmente) se pronunciou, a saber: “naturalmente que lhe assiste tais direitos (a juros indemnizatórios) sendo a devolução da quantia paga consequência necessária e direta da anulação da liquidação”.

  2. Sobre tal direito, o Tribunal a quo na sentença recorrida foi ainda mais longe: “de facto, o erro imputável aos serviços engloba não só o erro de facto, como também o erro de direito (acórdão do STA de 20 de Março de 2002 relatado pelo Conselheiro Benjamim Rodrigues disponível em www.dgsi.pt) V. Dos factos provados consta o de que a Recorrida “aplicou uma taxa de 5% às despesas de representação e a despesas com veículos incorridas nos meses de janeiro a Novembro de 2008 e uma taxa de 10% às despesas verificadas no mês de dezembro de 2008, declarando na Modelo 22 do IRC e na Informação Empresarial Simplificada (respetivamente do Grupo e de cada uma das sociedades dominadas (Doc. 5 junto à p.i).” (vide alínea E) do ponto III da sentença recorrida).

  3. Também ficou provado que foi a Recorrente, Autoridade Tributária, que emitiu a liquidação adicional objeto dos autos recorridos, com um valor corrigido de € 46.126,46€ (vide alínea G) do ponto III da sentença recorrida).

  4. A Recorrente, ao efetuar a correção em causa e exigir da Recorrida o pagamento de imposto, agiu com erro de direito sobre os pressupostos da tributação, sendo a liquidação do imposto ilegal, incluindo por inconstitucionalidade: a taxa aplicável às tributações autónomas dos meses de Janeiro a Novembro, inclusive, do exercício em causa era de 5% pois a taxa de 10% foi introduzida no artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRC pela Lei 64/2008 de 5 de Dezembro, ou seja, no final do ano.

  5. De facto, e conforme se logrou demonstrar, esta questão já se encontra definitivamente resolvida pelo Acórdão 85/2013, de 5 de Fevereiro.

  6. O acórdão supra mencionado tem força obrigatória geral nos termos do disposto no número 3 do artigo 281º. da CRP X. Ao invés do que pretende alegar a Recorrente, à data da liquidação, era devido à AT respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e não retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

  7. Nos termos do art. 282º n.º 2 da Constituição os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da norma produzem-se desde que a mesma entrou em vigor (dispõe esta norma o seguinte “Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.”) XII. Desta norma constitucional resulta que a declaração de inconstitucionalidade de norma anterior produz efeitos à data da entrada em vigor de tal norma.

  8. A pretensão da Recorrente implica que não fossem aplicados os efeitos da inconstitucionalidade da norma em causa na situação sub judice, com uma clara perversão e violação dos princípios da legalidade e igualdade.

  9. Tal pretensão implicaria beneficiar um ato tributário inconstitucional por inaplicação de juros indemnizatórios, o que se afigura inconcebível a todos os níveis.

  10. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. Ora, XVI. Com todo o respeito, nos termos do art. 266 n.º 2 os “órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei”.

  11. Nos termos e na conformidade com a Constituição, tal impõe-se à Administração Fiscal à impugnante e a este Tribunal e, nos termos dos arts. 281.º n.º 3 e 282.º. n.º 2 da CRP o ato liquidatário em crise nos autos recorridos é inconstitucional e, como tal, padece inexoravelmente de erro de direito para efeitos do art. 43.º da LGT, norma esta que refere, como pressuposto de tais juros, o “erro imputável aos serviços”, sem descriminar o erro de facto ou de direito.

  12. Ao contrário do que se afigura resultar de todo o arrazoado constante das alegações de Recurso, deve concluir-se no sentido de que a Autoridade Tributária está sujeita à constituição, a qual lhe é aplicável diretamente e com prioridade à lei (art. 277º, n.º 1 da CRP). Independentemente de a mesma (Autoridade) ter considerado que aplicou a lei, sem efetuar julgamentos sobre a sua conformidade à constituição, a verdade é qual tal aplicação é inconstitucional, assim como o é o ato...

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