Acórdão nº 0158/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo: I- RELATÓRIO O Município de Coimbra vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta secção invocando a contradição do acórdão recorrido_ proferido pelo TCAN, em 15-7-2015, a fls. 823/833, que concedeu provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Coimbra e julgou procedente a ação administrativa especial interposta por A………………, de impugnação do despacho de 9.12.2004, no uso de poderes delegados, do Vereador da Câmara Municipal de Coimbra, que deferiu o licenciamento nº 1619/99_ e o acórdão proferido por este STA em 24.09.2009, no Proc. 707/09.

Para tanto apresenta as seguintes conclusões das alegações: “1. Ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA, as partes podem interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição entre Acórdão do Tribunal Central Administrativo e Acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo.

  1. O Acórdão recorrido (proferido em 15 de Julho de 2015) e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Setembro de 2009 (proferido no Processo n. 0707/09 — 1. Subsecção do CA), ambos transitados em julgado, perfilham soluções opostas quanto à questão fundamental de direito, que é a de saber se as exigências construtivas constantes dos artigos 58.º e 73.º do RGEU devem ser interpretadas no sentido de que as mesmas visam, unicamente, assegurar a qualidade da construção a licenciar ou se, também, se destinam a preservar a qualidade das edificações pré- existentes nos terrenos vizinhos.

  2. No nosso entendimento incorre o Acórdão recorrido em erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 58.º e 73.º do RGEU, ao considerar que as exigências construtivas constantes nos referidos normativos não se destinam apenas a assegurar a qualidade da construção licenciada, mas também a assegurar a qualidade dos edifícios vizinhos (ou, pelo menos, o não agravamento da situação pré-existente).

  3. Perfilhando o entendimento defendido no Acórdão fundamento, a dúvida que a norma do artigo 73º do RGEU tem suscitado é a de saber se as janelas a que se refere são tão só as previstas no edifício a construir ou também as já existentes, questão que, em nosso entendimento, deve ser resolvida através da primazia que deve ser atribuída ao sentido directo do texto normativo (cf. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil).

  4. Conforme resulta da sua letra, o artigo 73.º do RGEU ocupa-se apenas da disposição das janelas — e não da disposição do muro ou fachada que lhes sejam fronteiros — edifício a construir ou a legalizar — as janelas futuras — e não as existentes num prédio vizinho sendo que, atento o tempo verbal adoptado pelo legislador, em nosso entendimento o preceito trata apenas da maneira como as janelas dos compartimentos das habitações deverão ser dispostas, ou seja como deverão ser projectadas, sendo totalmente alheio às janelas pré-existentes num prédio vizinho, janelas essas que foram dispostas no passado e que se mantêm no presente.

  5. Acresce que não é, nem pode ser, desígnio do RGEU conformar tudo o que foi construído até à sua entrada em vigor e suas consequências naturais sob pena de uma tão injustificada quão obstinada e irrealista retroactividade da lei, nem as normas do RGEU têm por objectivo reconhecer aos proprietários de prédios vizinhos quaisquer direitos subjectivos nem conceder-lhes protecção aos seus interesses pois nesse caso estar-se-ia a titular o acaso ou até o oportunismo do facto consumado e a preterir a segurança jurídica e o princípio constitucional da confiança jurídica, estruturante do Estado de Direito.

  6. Ademais, constitui entendimento pacífico do STA que quem constrói primeiro deve acautelar os eventuais danos que tenha que suportar, face à construção que pretenda efectivar, danos esses emergentes do exercício do direito de propriedade dos vizinhos a não se entender assim, a edificação de um prédio, por si só, determinaria a imediata constituição de uma servidão sobre os prédios vizinhos, a qual seria constituída por meios não previstos no artigo 1547.º do Código Civil, sendo certo que só através destes meios se pode constituir legalmente um ónus dessa natureza.

  7. Por força do entendimento defendido no Acórdão fundamento, a norma do artigo 58.º do RGEU tem de ser interpretado no sentido de que o mesmo visa garantir unicamente a qualidade da construção do novo edifício ou da reconstrução de um edifício já existente impondo que os mesmos cumpram os parâmetros ali previstos, não visando a salvaguarda de qualquer desses parâmetros nos edifícios pré- existentes.

  8. Defendemos que a interpretação a empreender da norma constante no artigo 58.º do RJUE deve ser efectuada, igualmente, através da primazia que deve ser atribuída ao sentido directo do texto normativo, por ser essa interpretação, a literal, a que melhor se adequa ao disposto no seu normativo.

  9. A não se empreender uma interpretação literal, não seria possível defender que a norma do artigo 58.º do RGEU se destina a preservar as condições de arejamento, iluminação e exposição solar das edificações pré-existentes quando está em causa a reconstrução de um edifício, uma vez que estamos perante uma reedificação de um prédio parcial ou totalmente arruinado, procurando-se revertê-lo à situação que o mesmo tinha quando novo; de igual modo, considerando que o artigo 58.º do RGEU obriga a que se assegure o abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos, tal não quererá significar que o construtor de um novo edifício se tem que preocupar com o abastecimento de água potável e com a evacuação inofensiva dos esgotos do prédio vizinho já existente.

  10. A resposta a estas questões só pode ser negativa, uma vez que as preocupações do legislador, evidenciadas no preâmbulo do Decreto-Lei n. 38 382, de 07 de Agosto de 1951, ativeram-se tão só aos parâmetros de qualidade da construção ou reconstrução licenciandas (e apenas estas), olvidando por completo as construções vizinhas já existentes.

  11. Perfilhando o entendimento de que o licenciamento de qualquer construção ou reconstrução teria que implicar necessariamente a situação dos prédios vizinhos quanto às exigências construtivas previstas no artigo 58.º do RGEU, teríamos como consequência que seria quase impraticável a construção de novas habitações nos aglomerados já existentes na medida em que, na maior parte dos casos, essas irão afectar inevitavelmente os prédios já implantados, quer ao nível do seu arejamento quer da sua exposição solar.

    Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., dando-se provimento ao presente recurso e revogando-se a decisão recorrida, deverá uniformizar-se jurisprudência com a seguinte orientação: As exigências construtivas constantes dos artigos 58.º e 73.º do RGEU devem ser interpretadas no sentido de que as mesmas visam, unicamente, assegurar a qualidade da construção a licenciar, sem atender às edificações pré-existentes nos terrenos vizinhos.” A……………, deduz as suas contra-alegações, a fls 858/933, concluindo: “1) O presente recurso para uniformização de jurisprudência não deve ser admitido, porque a questão da interpretação a conferir aos artigos 58º e 73º do RGE já foi determinada pelo Pleno, deste Alto STA, que continua válida e operante, verificando-se apenas a existência de um acórdão isolado, proferido em sentido oposto pela Subsecção do Contencioso Administrativo e que não foi objecto de recurso como poderia, mas que, como é evidente, não coloca em crise aquela decisão do Pleno — cfr doutrina supra citada no corpo das alegações e cfr. Acórdão deste STA, de 25/06/2015, no proc. n.° 614/06.5BECBR, que decidiu não se vislumbrarem “novos factos, argumentos ou razões ou circunstâncias que não tenham sido anteriormente submetidos ao confronto, alterações do regime legal com repercussão na análise da questão ou evolução jurisprudencial ou doutrinária”.

    2) O recurso não deve também ser admitido, porque não foi cumprido o duplo ónus previsto no art. 152°, n.° 2 do CPTA, desde logo porque não foi alegada nem provada, pelo recorrente, a identidade dos pressupostos de facto (e de direito) entre o Aresto fundamento e o Aresto recorrido, que se afigura não existir.

    3) Na verdade, embora se desconheça a factualidade ou “situações da vida” discutida no Acórdão fundamento, porquanto este apenas e tão-somente deu “por integralmente reproduzida” a matéria de facto “dada como provada no acórdão «sub censura” tudo parece apontar para que a situação da vida seja totalmente díspar e diversa do caso sub judice, pois no acórdão fundamento o recorrente refere-se à “existência de um janela aberta já em fase de licenciamento, mesmo que aberta contrariamente aos comandos legais aplicáveis, nunca poderá ser considerada como de boa fé” — ao contrário do que se passa na situação dos presentes autos em que as janelas da edificação da A. existem há décadas.

    4) E, note-se bem, talvez precisamente por esse especial motivo é que este STA entendeu que se justificava, nesse específico caso concreto, a introdução de desvios à interpretação perfilhada por aquela jurisprudência superior e uniformizada.

    5) Em terceiro lugar, o recurso não deve ser admitido porque a orientação perfilhada no acórdão impugnado está de acordo com a jurisprudência abundante, estabilizada e até mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (...)- art. 152.°, nº 3 do CPTA), pois, e isto apenas a título exemplificativo, além dos Acórdãos deste Supremo Tribunal datados de 07.06.94, no rec. 33 836, de 17.06.2003, proc. n° 01854/02, de 07/02/2004, no rec. 47.882 ou de 03/11/2005, no proc. 0939/03, já depois da prolação do Acórdão do Pleno da Secção do STA (de 29/05/2007, no proc. n.° 046946), este Alto Tribunal já pronunciou acerca da interpretação dos arts. 58° e 73º do RGEU sempre no mesmo sentido (com excepção do isolado...

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