Acórdão nº 0865/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO [MP] interpõe este «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], datado de 10.03.2016, que indeferiu a providência cautelar por ele intentada contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS [MF], o SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA [SEC], a DIRECÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL [DGPC], A………..

    , SA [A….], B………….

    , SA [B…], e C…………..

    [C….], em que pede «a intimação dos requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de JOAN MIRÓ, que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do D…………… [D…], de forma a permitir o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela Lei de Bases do Património Cultural [LBPC], nomeadamente inventariação e classificação das obras».

    Conclui as suas alegações formulando as seguintes conclusões: I- Introdução 1- Em defesa do património cultural e dos bens do Estado, propôs o Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL] ao abrigo do artigo 9º nº2 CPTA, providência cautelar [processo nº955/14.8BELSB] de intimação para abstenção de conduta formulando pedidos de intimação do Secretário de Estado da Cultura, da Direcção-Geral do Património Cultural, do Ministério das Finanças, das empresas públicas A…………., S.A., e B…………, S.A. e da C…………, pedindo a final que fosse decretada a intimação dos requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de Joan Miró que vieram à posse e titularidade do Estado após a nacionalização das acções do D………..

    [D…..], de forma a permitir o cumprimento obrigatório dos requisitos impostos pela LBPC, nomeadamente a inventariação e classificação das obras; 2- O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por despacho/sentença de 18.11.2014 julgou a instância cautelar extinta com base em inutilidade superveniente da lide, entendendo que, por despacho do Director-Geral do Património Cultural, com data de 21.07.2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18.07.2014, publicitados nos anúncios nº197/2014 e nº198/2014, foi ordenada a abertura do procedimento administrativo de inventariação e classificação das 85 obras de Joan Miró ficando, aqueles bens culturais, a partir de então, a estar em «vias de classificação» - nº1 do artigo 25º da LBPC - e, em consequência, sujeitos a um regime de protecção especial, nomeadamente no que respeita à sua exportação e expedição, e que pelo Director-Geral do Património Cultural foram proferidos dois despachos de arquivamento liminar dos procedimentos de classificação, com base no artigo 68º nº2 da LBPC, considerando a A……….., S.A. e a B………., S.A., como meros particulares; 3- O MP requereu a suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento referidos e propôs a respectiva Acção Administrativa Especial, na qual pediu a anulação dos referidos actos; 4- Da decisão proferida pelo TAC de Lisboa recorreu o MP, tendo o TCAS negado provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida em 1ª instância, de que o MP junto deste TCAS interpôs recurso de revista, o qual foi admitido, apreciado e provido pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo [STA]; 5- Considerou o STA que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, não é a causa normal de extinção da instância, a causa normal é decisão de mérito - ver XXXII do Acórdão do STA, a folhas 2304-verso - e que o facto de ter sido aberto e proferida decisão no procedimento administrativo referente à inventariação e classificação das obras de Joan Miró não implica a perda da utilidade da lide cautelar proposta pelo MP, porque a pretensão formulada não se esgota com a inventariação e classificação das obras, uma vez que o fim visado é que, após aquele procedimento [relativamente ao qual não há actos administrativos com força de caso decidido], o acervo artístico permaneça duradouramente em Portugal, satisfazendo os interesses culturais que o MP defende; 6- Entendeu, o Supremo Tribunal Administrativo, que, na situação concreta, face aos elementos carreados para os autos, não podia concluir-se que inexistiam efeitos susceptíveis de serem assegurados ou que inexistia qualquer utilidade na tutela dos direitos e interesses em presença, razão por que concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão proferido pelo TCAS, sob revista, e determinou a baixa dos autos ao TCAS para que determinasse o seu prosseguimento nos ulteriores termos; 7- Na sequência deste acórdão do STA, de 03.12.2015, decidiu o TCAS no acórdão em revista, em 10.03.2016, indeferir a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes por considerar que os autos contêm todos os elementos de prova necessários para apreciar as pretensões cautelares formuladas e apreciar o mérito da pretensão formulada pelo MP, e indeferindo-a com fundamento na ponderação de interesses prevista no artigo 120º, nº2, do CPTA, considerando que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que para o interesse público resultarão da sua concessão, serão superiores aos que podem resultar da sua recusa; II- Da admissibilidade do recurso de revista 8- O artigo 150º nº1 do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2ª instância, pelo TCA, pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»; 9- A jurisprudência desse Colendo Supremo Tribunal tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150º, nº1, do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja um grau de relevância fundamental, como é o caso presente, importando clarificar as questões jurídicas suscitadas que se podem equacionar em muitos outros processos e a excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito; 10- De acordo com esta jurisprudência do STA, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental verifica-se quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade - seja porque a sua solução envolve a aplicação e conjugação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento suscite dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina - e tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos; 11- O TCAS, não remetendo os autos ao TAC de Lisboa, e apreciando o mérito da providência cautelar, não respeitou o julgamento efectuado em sede de revista excepcional pelo STA, no acórdão datado de 03.12.2015, que determinou «a baixa dos autos ao TCAS para que o mesmo determine o seu prosseguimento nos ulteriores termos», e decidiu com flagrante violação do disposto no artigo 149º, do CPTA, uma vez que, embora este preceito atribua ao tribunal de apelação poderes para conhecer do mérito da causa, prescreve, no seu nº5 que «...o relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes pelo prazo de dez dias», o que não aconteceu, em violação do princípio do contraditório; 12- Foi violado o princípio do contraditório, por não ter sido dada às partes a possibilidade de debater, perante este TCAS, as questões respeitantes ao mérito da pretensão cautelar, é manifesto e notório que a omissão do acto cuja prática o CPTA impõe no seu artigo 149º, nº5, teve influência no exame e na decisão proferida, constituindo nulidade processual nos termos e com os efeitos previstos no artigo 195º do CPC; 13- A «questão de direito» que aqui suscitamos, e que versa sobre os «Poderes do Tribunal de Apelação», tal como consta da epígrafe do artigo 149º do CPTA, constitui violação de norma processual, cuja interpretação e correcta aplicação torna necessária e imperiosa a intervenção do STA, face ao erro grave em que incorreu este TCAS ao proferir o acórdão de 10.03.2016; 14- Ao apreciar e decidir, «de mérito», a pretensão cautelar formulada pelo MP, o TCAS violou, também, de forma flagrante e grosseira o disposto no artigo 635º, nº4, do CPC [antigo 684º nº3; ex vi artigo 1º do CPTA] porque, sendo as conclusões da alegação do recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso e constatando-se que, no caso, ao recorrer da decisão proferida em 1ª instância - aquela que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide - o MP não produziu alegação ou conclusão alguma relativamente «ao mérito» da sua pretensão cautelar, tem de concluir-se que o acórdão produzido pelo TCAS, em 10.03.2016, em revista, extravasou, de forma clara, o objecto e o âmbito do recurso interposto pelo MP no TAC de Lisboa, sendo nulo o próprio acórdão de 10.03.2016, de acordo com o previsto nos artigos 716º e 668º nº1, alínea d), do CPC, uma vez que conheceu de matéria que não podia conhecer, e de acordo com o disposto nos artigos 716º, e 668º, do CPC [ex vi artigo 1º do CPTA], o TCAS cometeu «excesso de pronúncia» o que determina a nulidade do acórdão de 10.03.2016; 15- A pronúncia do STA sobre as ditas questões de direito processual é, como se vê, importante e necessária, impondo-se a admissão deste recurso tendo em vista uma melhor interpretação e compreensão dos poderes conferidos ao TCAS enquanto tribunal de apelação e tendo em vista uma melhor interpretação e aplicação do direito – ver artigo 150º, nº1, do CPTA; 16- O TCAS apreciou «o mérito» dos pedidos cautelares formulados pelo MP, sem que antes o tribunal de 1ª instância, o TAC de Lisboa o tenha feito, sem antes dar cumprimento ao disposto no nº5 do artigo 149º CPTA, sendo que, como supra referimos, o...

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