Acórdão nº 0797/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1069/09.8BELRS 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A………….., S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrida), anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2005, na parte que teve origem na correcção à matéria tributável declarada por a Administração tributária (AT) não ter aceitado como custo fiscal do exercício uma verba respeitante a “despesas referentes a realizações de utilidade social”.
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.
): «I- Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julga parcialmente procedente a impugnação apresentada pela ora Recorrente e condena a Fazenda Pública ao pagamento de custas (60%).
II- A fundamentação da sentença recorrida em síntese assenta «não se vislumbra que a interpretação dada pela Administração Tributária ao abrigo do art. 40.º, n.º 2 do CIRC, restringindo o seu campo de abrangência, encontre na sua letra qualquer expressão verbal. Não se encontrando outra qualquer norma legal de que se possa resultar tal entendimento».
III- Enfermando a liquidação impugnada de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, devendo a mesma ser anulada na parte em que resulta da correcção em análise.
IV- Declarando-a ilegal na parte que resulta do acréscimo ao lucro tributável no montante de € 897.364,42, decidindo, anular igualmente os juros compensatórios correspondentes ao imposto resultante da referida correcção.
V- Em suma, entende o Tribunal “a quo” que o montante pago, na parte impugnada, não era legalmente devido, condenando a Fazenda Pública a restituir à ora Recorrida o valor de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
VI- No caso em apreço, está em discussão saber se a correcção efectuada pela DSIT – Direcção de Serviços de Inspecção Tributária no âmbito da acção inspectiva ao exercício de 2005, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI200700383 datada de 11.OUT.2007, no montante de € 897.364.42, referente às “realizações de utilidade social” (art. 40.º, n.º 2 do CIRC) a que está subjacente o acto de liquidação de IRC n.º 2009 831000383, referente ao exercício de 2005, padece de invalidade por violação do sobredito preceito legal.
VII- Apesar do 40.º do CIRC não estabelecer, expressamente, qual a amplitude do conceito de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, atendendo ao objectivo deste artigo – Realizações de utilidade social – devem considerar-se como “despesas com pessoal” todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo.
VIII- Assim, solicitaram à ora Recorrida a descriminação do valor sujeito a TSU no exercício de 2005.
IX- Tendo resultado o Anexo 1 de 2 fls. junto do Relatório de Inspecção, no qual se pode constatar que os valores escriturados como custos de Utilidade Social ascenderam ao montante de € 4.232.952,11 e por outro lado, as despesas com o pessoal relativas a remunerações, ordenados ou salários sujeitas a descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substituto totalizavam o montante de € 17.976.748,60.
X- Assim, tendo a ora Recorrida escriturado como custos de utilidade social o montante de € 4.232.925,11 e, o limite previsto no predito artigo ascender a € 2.692.012,29, as realizações de utilidade não dedutíveis, atingem o valor de € 897.364,42 [(Para compreender este resultado - € 897.364,42 – é necessário ter em conta o teor do relatório da inspecção, designadamente o seu Anexo I, na parte em que refere o seguinte: «[…] dado que as realizações de utilidade social não dedutível atingem o valor de € 1.540.939,82 (€ 4.232.925,11 - € 2.692.012,29) e o Sujeito Passivo apenas acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de € 643.575,40, é efectuada a presente correcção no montante de € 897.364,42 (€ 1.540.939,82 - € 643.575,40), de acordo com o n.º 2 do art. 40.º do CIRC».
)].
XI- Face ao exposto, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considere que encontra bem efectuada a correcção em crise, não sendo por isso, devido a juros indemnizatórios a favor da Recorrida, como dispõe o artigo 43.º da LGT.
Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser revogada a Sentença ora indicada».
1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor: «(A) O Tribunal ad quem é incompetente, em razão da hierarquia, para julgar o presente recurso, por violação do disposto número 1 do artigo 280.º (Recursos das decisões proferidas em processos judiciais) do CPPT; (B) Se assim não se considerar, o que se admite por dever de patrocínio – sem conceder, a correcção de € 897.364,42 levada a cabo pela Autoridade Tributária resultante da respectiva não-aceitação como custo fiscal – ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 40.º do CIRC –, por desconsideração para o cômputo do limite dos 15% aí previsto de despesas com o pessoal que não tenham sido objecto de descontos para a Segurança Social ou para outro regime substitutivo, foi bem anulada pela douta sentença do Tribunal a quo porquanto aquela correcção assenta numa deficiente interpretação da lei, sem qualquer fundamento, enfermando, consequentemente, de vício de violação de lei; (C) Se assim não se entender, o que se admite por dever de patrocínio – sem conceder –, seria sempre bem anulada a mesma correcção pela douta sentença do Tribunal a quo porquanto aquela correcção violou frontalmente o número 2 do artigo 68.º-A (Orientações Genéricas) da Lei Geral Tributária.
Pelo exposto, deve ser negado in totum provimento ao recurso interposto pela Recorrente, por improcedente e não provado, devendo consequentemente manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo, a qual não merece qualquer censura no julgamento da matéria de facto e na interpretação e aplicação do Direito».
1.4 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando como tribunal competente para conhecer do presente recurso o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi remetido na sequência de requerimento da Recorrente.
1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação: «Está em causa decidir se ocorreu erro de julgamento quanto ao limite a que é de reportar as “realizações de utilidade social” nos termos do previsto no art. 40.º n.º 2 do CIRC, e quanto ao entendimento tido de tal ser de reportar ao escriturado, sendo com esse fundamento que se anulou a liquidação adicional.
A recorrente defende o entendimento segundo o qual tal é de aplicar quanto à retribuição a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho segundo as normas que o regem ou os usos e conforme tiver sido objecto de desconto para a Segurança Social.
Do probatório resulta, em resumo e no que ora interessa, ter sido efectuada correcção, à impugnante, quanto ao exercício de 2005, bem como liquidação adicional de I.R.C., considerando que o limite previsto na dita norma não era de aplicar por referência aos valores contabilísticos constantes de 2 contas de Custos c/ pessoal – Remunerações Órgãos Sociais e Remunerações Pessoal, mas o valor das remunerações objecto de desconto para a Segurança Social ou para regime substitutivo.
Mais foi dado como provado ter sido proferido despacho, pelo Secretário de Estado da Administração Fiscal em 21.6.96 no processo n.º 695/1996, o qual foi publicado no site da Administração Tributária (A.T.).
O art. 40.º n.º 2 do CIRC, tinha então a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, sob a epígrafe “realizações de utilidade social”: “2- São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”.
A dita norma do art. 40.º. n.º...
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