Acórdão nº 01720/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 27 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.
A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade “A…………….., SGPS, S.A.”, apresentou contra o acto de liquidação de IRC relativo ao ano de 2007, anulando essa liquidação.
Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. A presente impugnação judicial foi interposta contra a liquidação de IRC, relativa ao ano de 2007, decorrente de ação inspetiva, na qual foram invocados pela Impugnante, ora Recorrida, erro quanto aos pressupostos de facto e vício de ilegalidade da fundamentação de direito; 2. Por douta sentença de 28/03/2013, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a referida impugnação judicial foi julgada procedente, decisão com a qual não pode a Fazenda Pública concordar.
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Com efeito, entendeu o Mmº Juiz do Tribunal a quo “...que o normativo a que a AF devia ter subsumido os factos apurados era o do art. 38º, nº 2, da LGT, e não directamente o do art. 32º, nº 3, do EBF”.
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A RFP não concorda, com todo o respeito, com a referida decisão pois que a AF não desqualificou qualquer negócio, somente não considerou a gestão de negócio assinalada, pois que legalmente a sociedade “A…………………” não é entidade transmitente ou transmissária.
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Pelo que a substância do negócio é a constante do contrato, que se mantém na ordem jurídico-tributária, pois que do referido contrato constante dos autos consta como compradora/transmissária a sociedade “B…………”.
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Assim, a AF recorreu ao estatuído no nº 4 do art. 36º da LGT, e conjugado com normas relativas ao enquadramento jurídico das relações especiais, tributou as mais-valias apuradas pela ora impugnante que as isentara de tributação com base no estatuído no nº 2 do artigo 32º do EBF.
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E a AF tributou com base no nº 3 do mesmo preceito legal.
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Com todo o respeito pela douta decisão a quo, e reconhecendo a análise efetuada pela Mmª Juíza, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro de julgamento quanto às invocadas normas legais que a AF deveria ter subsumido à fundamentação do relatório inspectivo; 9. Pelo que a decisão proferida sofre de erro de julgamento quanto aos pressupostos de direito, e assim em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada.
1.2.
A sociedade impugnante, ora recorrida, não apresentou contra-alegações.
1.3.
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merecia provimento, esgrimindo com a seguinte argumentação: «No que respeita aos requisitos de aplicação da chamada “cláusula geral anti-abuso”, vertida no art. 38º, nº 2, da LGT, vem a doutrina considerando que são cinco os elementos que conjugadamente deverão ser equacionados: o elemento meio, o elemento resultado, o elemento intelectual, o elemento normativo e o elemento sancionatório.
O elemento meio tem a ver com os actos ou negócios jurídicos de que o sujeito passivo do imposto se socorreu tendo em vista a obtenção de uma determinada vantagem fiscal. Esses actos ou negócios jurídicos, como resulta da norma, terão que assentar em meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas.
No que concerne ao elemento resultado tem-se em vista, como decorre do artigo 38º, nº 2 da LGT, a “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”. No entanto, como advertem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “(…) não basta que se verifique uma poupança fiscal mas é preciso que se verifiquem previamente todos os outros requisitos estabelecidos no artigo 38º, nº 2 Em caso algum uma vantagem ou um benefício fiscal indiciarão por si só qualquer ideia de abuso jurídico”.
Já o elemento intelectual relaciona-se com a intenção subjacente aos actos ou negócios jurídicos de que estes tenham sido “essencial ou principalmente dirigidos”, à obtenção de uma determinada vantagem fiscal, sendo essa a principal motivação da realização do acto ou do negócio, recaindo sobre a A.F. o ónus da prova dessa intenção ou propósito fiscal. “É preciso, (...) que se prove a intenção preponderante ou exclusivamente fiscal, ou em alternativa a falta de racionalidade económica da operação, cuja única explicação seja a de aforro fiscal”.
Quanto ao elemento normativo o mesmo tem a ver com a reprovação da vantagem fiscal obtida ou pretendida através dos actos e negócios jurídicos em causa quando confrontada com a intenção normativa de tributar. A este propósito, José Luís Saldanha Sanches sustenta que a aplicação da cláusula geral anti-abuso depende da existência no ordenamento jurídico-tributário de “sinais inequívocos de uma intenção de tributar”.
Finalmente, o elemento sancionatório exprime-se na ineficácia para efeitos fiscais daqueles actos e negócios jurídicos (art. 38º, nº 2, da LGT).
No caso em apreço, salvo melhor entendimento, não se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38º, nº 2, da LGT.
Com efeito, reporta-se a norma do art. 38º nº 2 da LGT a actos ou negócios jurídicos celebrados pelo contribuinte, visando, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, a obtenção de vantagens fiscais que não seriam, total ou parcialmente alcançadas, sem a utilização desses meios. Nesses casos, os actos ou negócios jurídicos celebrados são ineficazes para efeitos fiscais, efectuando-se a tributação de acordo com aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
Ora, não decorre do probatório que a A.F. tenha desconsiderado, por ser ineficaz para efeitos fiscais, qualquer acto ou negócio jurídico anómalo realizado pelo contribuinte.
Refere-se na sentença recorrida que a aplicação do art. 32º nº 3 do EBF só foi possível pelo facto de previamente a AF ter desconsiderado o contrato de gestão de negócios entre a B……….. e a Impugnante. Porém, salvo o devido respeito, não se vê do probatório que tenha sido celebrado qualquer contrato de gestão de negócios entre a B………. e a Impugnante, ora recorrida. Por outro lado, no contrato de compra e venda celebrado em 15.06.2005 a B………… intervém, como resulta dos factos provados, não como gestora de negócios actuando em nome e no interesse de terceiro, no caso da impugnante, ora recorrida, mas como entidade transmissária.
Logo, se porventura de gestão se tratava, tendo a B………… actuado como transmissária, em nome próprio e não em nome alheio, sempre seriam aplicáveis ao contrato por ela celebrado as disposições relativas ao mandato sem representação (art. 471º, 2ª parte, do C.Civil). E, no mandato sem representação o mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra (cfr. o art. 1180º do C.Civil).
Em qualquer caso, salvo melhor opinião, não se estava em presença de acto ou negócio jurídico anómalo (praticado por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas) que implicasse a utilização do disposto no art. 38º, nº 2, da LGT e do mecanismo procedimental previsto no art. 63º do CPPT.
Nesta conformidade, sem mais delongas, pronuncio-me no sentido da procedência do presente recurso e da consequente revogação da sentença recorrida.
1.4.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida constam como assentes os seguintes factos: a). A sociedade impugnante, A…………….., SGPS, S.A.
” foi constituída por escritura pública em 07.12.2000, lavrada no 2º Cartório Notarial de Lisboa, encontra-se registada em IVA e enquadrada no regime geral de tributação em Imposto sobre o Rendimento; b). São detentores do capital social da impugnante (775.000 de acções cada um): C………….. e D………………, sendo o Conselho de Administração constituído pelos accionistas agora referidos e ainda por E…………………; c). O accionista C………….. é o presidente do Conselho de Administração, sendo vogais D…………. e E………………; d). A sociedade referida na alínea a) obriga-se perante terceiros pela assinatura do presidente; pela assinatura de um administrador conjuntamente com a do presidente; pela assinatura do administrador delegado, dentro dos poderes delegados; pela assinatura de procuradores; e). A sociedade B……………., S.A., tem como presidente do Conselho de Administração C…………., sendo vogais D…………… e E…………….; f). Foi junto com o P.A. um contrato-promessa de compra e venda de participações sociais, de Maio...
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