Acórdão nº 01835/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA I. A…………… S.A.

vem arguir a nulidade o Acórdão de fls. 3103/3138 ou, na hipótese de se considerar essa arguição improcedente, requerer a sua reforma pelos fundamentos que sumariou do seguinte modo: (

  1. Artigo 615, nº 1, al.ª d), do CPC: omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade do critério normativo utilizado no Acórdão consubstanciado na interpretação e aplicação (i) do artigo 467.°, n. 1, alínea d), do CPC Antigo, (ii) do princípio dispositivo e (iii) dos ónus alegatórios em articulado inicial em violação dos artigos 20.°, nº 4, e 268.°, nº 4, da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o direito de acesso à justiça e o subprincípio pro actione.

  1. (Conclusão sumário e (muito) simplificada para enquadramento do iter cognoscendi da RECORRIDA em face da fundamentação e decisão contida no Acórdão:) (i) padece de nulidade o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo por omissão de pronúncia sobre questão de inconstitucionalidade suscitada pela RECORRIDA; (ii) a RECORRIDA suscitou questão de inconstitucionalidade; (iii) é inconstitucional o critério normativo extraído das regras processuais em causa no recurso para uniformização de jurisprudência e seguido (aplicado) pelo Acórdão (com o sentido inconstitucional antecipado pela RECORRIDA); (iv) o Supremo Tribunal Administrativo omitiu pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada pela RECORRIDA (pronúncia essa que não ficou prejudicada pela solução dada a outras questões) e não decidiu sobre a “questão controvertida”; e (v) o Supremo Tribunal Administrativo deve suprir a nulidade do Acórdão e, consequentemente (como resultado final último) declarar a improcedência integral do recurso ou, subsidiariamente, deve decidir sobre a “matéria controvertida” (nos termos que se exporão na secção seguinte das Conclusões).

    (Analise-se esta conclusão em cada uma das suas premissas:) (i) Padece de nulidade o Acórdão do STA por omissão de pronúncia sobre questão de inconstitucionalidade suscitada pela RECORRIDA 2.

    À luz do disposto no artigo 204.° da Constituição, os tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Administrativo, têm o poder e o dever de recusar a aplicação de “normas” (ou sentidos normativos com que uma norma, ou parte dela, foi tomada e aplicada no caso concreto) incompatíveis com a Constituição.

  2. A questão de inconstitucionalidade consubstancia uma verdadeira questão, autónoma das demais, i.e.

    uma questão em si mesma, sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia quando a mesma tenha sido suscitada por impulso das partes, por força do disposto no artigo 608.°, n.° 2, do CPC.

  3. Ocorre, sem margem para dúvidas, omissão de pronúncia geradora do vício de nulidade da decisão jurisdicional, ao abrigo do disposto no artigo 615.°, n.º 1, al.ª d), do CPC, quando o Tribunal não conhece de uma questão de inconstitucionalidade suscitada pelas partes, seja em que momento processual for (cfr., entre outros, Acórdão do STA proferido a 2 de outubro de 2007, no âmbito do processo n.° 06322/02).

    (ii) A REQUERIDA suscitou questão de inconstitucionalidade 5.

    A A…………. pré-questionou, de forma explícita e clara, a inconstitucionalidade do critério normativo que viria a ser adotado no Acórdão e fê-lo duas vezes, em duas peças distintas e em dois momentos também diferentes, mas sempre na mesma linha de raciocínio (vide Contra-Alegações de Recurso de Revista, fls. 2744 e 2745, e Contra-Alegações de Recurso para Uniformização de Jurisprudência, fls. 3049 e 3050).

  4. A questão de inconstitucionalidade suscitada pela Recorrida foi (e é) a seguinte: acarreta violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado nos artigos 20.°, n.° 4, e 268.º, n.° 4, da Constituição a interpretação e aplicação das normas processuais em causa no Acórdão (no caso, (i) o artigo 467.°, n.° 1, al.ª d), do CPC Antigo - único preceito processual em que o MUNICÍPIO se esteou quanto ao “ónus de alegação” e único preceito invocado no Acórdão -, bem como (ii) o princípio dispositivo e (iii) os ónus alegatórios em articulado inicial, independentemente da respetiva base formal) que assente em critérios fundamentalmente formais, sobrepondo-os a aspetos materiais, em clara contradição com o corolário da prevalência da justiça material sobre a justiça meramente formal (cfr. fls. 2744 e 2745 e fls. 3049 e 3050).

  5. Consta de fls. 3050 (Contra-Alegações de Recurso para Uniformização de Jurisprudência) o essencial do pré-questionamento da questão de inconstitucionalidade da interpretação normativa do “ónus de alegação” formalmente ínsito no artigo 467°, n.º 1, al.ª d), do CPC Antigo, do “ónus de alegação” em si mesmo e do princípio dispositivo (independentemente da respetiva base formal), por violação dos artigos 20°, n.º 4, e 268°, n.º 4, da Constituição e dos princípios do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva que daí fluem.

  6. A questão da inconstitucionalidade suscitada pela RECORRIDA não se reduz a um mero “argumento” das Contra-Alegações de Recurso de Revista (fls. 2744 e 2745) e das Contra-Alegações de Recurso para Uniformização de Jurisprudência (fls. 3049 e 3050) pois (para além do mais), à semelhança do que acontece com uma defesa por exceção (que oferece uma questão autónoma), a apontada inconstitucionalidade impede - per se - a solução adotada no Acórdão (pois está desconforme com a Constituição).

    (iii) É inconstitucional o critério normativo extraído de regras processuais aplicado pelo Acórdão 9.

    A interpretação normativa feita no Acórdão (do “ónus de alegação” formalmente sedeado no artigo 467.°, nº 1, al.ª d), do CPC Antigo, do “ónus de alegação” independentemente da sua base formal e do princípio dispositivo) é, na linha do previamente questionado pela RECORRIDA (fls. 2744 e 2745 e fls. 3049 e 3050), materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 20.°, nº 4, e 268.°, n.° 4, da Constituição e dos princípios do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva que daí fluem (e de outros princípios que destes emanam).

  7. O critério normativo (inconstitucional) acolhido no Acórdão refere-se explicitamente ao artigo 467.°, n.° 1, alínea d), do CPC Antigo (p. ex., p. 30 e, mais impressivamente, p. 36, fls 3132 e 3137); no entanto, ainda que não empregue o seu nomen juris nem seja feita menção expressa aos nºs 1 e 2 do artigo 264.° (também do CPC Antigo) as pp. 30 e 36 do Acórdão adotam igualmente um critério normativo (inconstitucional pelas mesmas razões) de interpretação do princípio dispositivo e do ónus de alegação no articulado inicial (p. ex. e especialmente, pp. 33 e 34, fls. 3135 e 3136).

  8. A questão de inconstitucionalidade (avançada em antecipação pela RECORRIDA) materializou-se, pois, no Acórdão, porquanto o Supremo Tribunal Administrativo: a) usou (e aplicou) critério normativo extraído por via interpretativa...

    (i) ... da regra ínsita no artigo 467.°, n.° 1, alínea d), do CPC Antigo, sobre “requisitos da petição inicial”,...

    (ii) … do “princípio dispositivo” e do “ónus de alegação no articulado inicial”...

    b) … em violação clara e manifesta dos artigos 20°, n.º 4, e 268°, n.º 4, da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o direito de acesso à justiça e o subprincípio pro actione, e...

    c) … com séria ofensa do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição (princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes: necessidade, adequação e proporção strito senso, ou equilíbrio de fatores em ponderação).

  9. Concretizando: o facto de o Supremo Tribunal Administrativo (i) ter fixado no Acórdão o critério normativo - extraído das normas ínsitas no artigo 467.°, n.° 1, alínea d), do CPC Antigo, do “princípio dispositivo” e do “ónus de alegação no articulado inicial” - segundo qual “são inatendíveis os factos alegados por remissão para um documento desconforme com o teor do articulado que é sua base remissiva” e (ii), com base neste critério normativo, ter desaproveitado o disposto no facto 60 do Probatório e (iii) ter tomado a decisão de revogar o Acórdão Recorrido para, em substituição, (iv) julgar “a ação improcedente no tocante ao pedido da quantia de 20.100.000,00 euros” (vide p. 36 do Acórdão, fls. 3137), configura a aplicação de normas processuais com sentido manifestamente inconstitucional, em contradição com os artigos 20.°, n.° 4, e 268.°, n.° 4, da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o direito de acesso à justiça e o subprincípio pro actione.

  10. O princípio dispositivo e o ónus de alegação constituem regras processuais funcionalmente dirigidas a assegurar o pleno exercício de direitos no âmbito do processo (v.g. contraditório e igualdade de armas); o entendimento conforme à Constituição do princípio dispositivo e do ónus de alegação, como formalidade processual, não pode conduzir ao resultado de défice de justiça material quando se demonstre que os objetivos das regras processuais em causa foram plenamente atingidos (como aqui sucedeu); ao não seguir este entendimento, o Acórdão alcançou um resultado (ele próprio) inconstitucional por implicar um inadmissível défice de justiça material, uma vez que o Tribunal interpretou as normas processuais de tal forma que se ignorou incompreensivelmente a sua vocação funcional.

  11. A ideia de base quanto ao juízo de inconstitucionalidade decompõe-se nos seguintes segmentos, que se individualizam para melhor entendimento: a) O critério normativo do Acórdão, segundo o qual “são inatendíveis os factos alegados (esta - destacada pela RECORRIDA - é a cominação a ter em conta) por remissão para um documento desconforme com o teor do articulado que é sua base remissiva” (vide p. 36 do Acórdão, fls. 3137),...

    b) … sem admitir (antes pelo contrário, vedando, como resulta da cominação estrita ínsita na expressão “são inatendíveis”) que seja feita uma devida ponderação e valoração de, pelo menos, quatro fatores cruciais para que o processo...

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