Acórdão nº 0576/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A…………….. e esposa B…………….., por si e na qualidade de herdeiros da sua filha menor C…………….., intentaram, no Tribunal Administrativo do Circulo do Porto, contra o Hospital S. João de Deus - hoje Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE - acção de indemnização para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia global de Esc. 80.000.000$00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, que sofreram durante e após o parto daquela menor ocorrido naquele estabelecimento hospitalar.

Por sentença, a acção foi julgada parcialmente procedente e condenado o Réu a pagar aos Autores “a quantia global de € 147.957,72, acrescida de juros à taxa legal de 7% desde 16.10.2001 até 30.4.2003 e desde esta última data apontada à taxa legal de 4% até integral pagamento, sendo o R. Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE condenado, ainda, a pagar aos mesmos AA as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, quanto às despesas em medicamentos, consultas, leite especial, sondas, seringas e, ainda, em relação aos gastos com visitas durante o internamento da A. mulher» (fls. 1371 e segs.).

O Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, recorreu para este Supremo e os Autores interpuseram recurso subordinado restrito aos montantes indemnizatórios fixados na sentença.

Por Acórdão de 24/05/2010 este Tribunal a) concedeu provimento ao recurso principal e, revogando a sentença recorrida, julgou totalmente improcedente a acção e b) negou provimento ao recurso subordinado.

Inconformados, os Autores recorreram para este Pleno (1) sustentando a inconstitucionalidade do art.º 103.º do DL 267/85, (2) a oposição do julgado com as decisões proferidas nos Acórdãos deste STA de 6/03/2002 (rec. 48155) – no que respeita à existência de nexo de causalidade entre a conduta dos médicos do Réu e os danos peticionados – e de 20/04/2004 (rec. 982/03) – no respeitante à inversão do ónus da prova - e (3) arguindo, a título subsidiário, várias nulidades do Acórdão.

O Sr. Relator proferiu despacho declarando que o citado art.º 103.º do DL 267/85 “não desrespeita qualquer preceito constitucional, designadamente os que são indicados pelos ora Recorrentes, como decorre, aliás, da mera consideração literal desses mesmos preceitos”, pelo que indeferiu a arguição de inconstitucionalidade e admitiu apenas o recurso por oposição de julgados (fls. 1717).

Os Autores interpuseram recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, mas sem êxito já que esse recurso não foi admitido (despacho de fls. 1796).

Nesta conformidade, o único recurso que temos para julgar é o recurso por oposição de julgados.

Nele foram formuladas as seguintes conclusões: 1.

Se, no domínio da mesma legislação o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode recorrer-se para o Tribunal Pleno do acórdão proferido em último lugar (conf. n.º 1 do art.° 763.° do Cód. Proc. Civil); 2.

Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente na resolução da questão de direito controvertida (conf. n.º 2 do art.° 763.° do Cód. Proc. Civil); 3.

Os acórdãos opostos hão-se ser proferidos em processos diferentes (conf. n.° 3 do art.° 763.° do Cód. Proc. Civil); 4.

Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, mas presume-se o trânsito, salvo se o recorrido alegar que o acórdão não transitou (conf. n.° 4 do art.° 763.° do Cód. Proc. Civil); 5.

Como suporte do acórdão recorrido apurou-se, entre a mais constante da parte III das alegações e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a seguinte matéria de facto: 1.1 - Os AA. são pais da menor C……………..; 1.2 - A mesma nasceu em 04 de Novembro de 1998, pelas 15,45 horas, no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Distrital de Vila Nova de Famalicão; 1.7 - A menor ao nascer apresentava lesões que se traduziram em encefalopatia em hipóxido-isquémica grau III, em hipertomia global, em gastrite erosiva/esofagite grau II-III e em hipertensão arterial; 1.8 - Dos registos clínicos do parto consta, às 13.00 horas “(...) traçado com alterações, foi comunicado ao médico de serviço que mandou suspender o soro com “sintocinom” e colocou soro simples; 1.9 - E pelas 13,40 horas consta “(...) Iniciou período expulsivo. Foi chamado o pediatra para assistir ao parto (..

.)”; 1.10 - E às 13,50 horas consta “(...) teve parto distócico “fórceps” sexo feminino apgar 4-4. Foi chamado o anestesista para reanimar o R.N. (...)”; 1.11 - A bebé C……………, foi transferida, pelas 14,15 horas, na incubadora, para os serviços de pediatria do Hospital de V.N. de Famalicão e às quatro horas de vida foi, por sua vez, transferida para o Hospital Maria Pia, no Porto; 1.12 - Donde saiu três semanas depois para o Hospital de V.N. de Famalicão, onde se manteve durante cerca de cinco meses em internamento e, posteriormente, todos os dias, frequência que foi decrescendo até que agora vem duas vezes por semana sempre para exercícios de fisioterapia; 1.13 - A A. B……………., veio a ser transferida em 04/11/1998 para o Hospital de S. João no Porto, onde deu entrada pelas 17,48 horas, e aí, depois de estabilizada a situação clínica, foi enviada ao bloco operatório para uma revisão uterina; 1.14 - E esteve internada no Hospital de S. João, no Porto até 23/11/1998, data em que lhe foi dada alta, sendo que, no entanto, tal internamento até 07/11/1998 foi na Unidade de Cuidados Intensivos de tal Hospital; 2.3 - E é então que lhe diz “Estive a pensar melhor. De facto a bebé pode não esperar uma semana e eu só estou cá na próxima quarta-feira. De maneira que o melhor é ficar cá. Vou-lhe provocar o parto e se o bebé não descer faço-lhe uma cesariana”; 2.4 - A esposa deu conhecimento ao A. marido e ficou logo, nos momentos seguintes, na sala de parto; 2.5 - O parto foi provocado; 2.7 - Foi aplicado “fórceps” e que foram aplicados cortes (incisões na vulva e no períneo); 2.8 - O traçado (relativo ao registo do exame ecocardiotocográfico) apresentava anomalias nomeadamente antes do início do período de expulsão; 2.9 - A bebé apresentava um quadro clínico de asfixia grave; 2.11 - A menor C…………… é transferida às quatro horas de vida por asfixia perinatal grave e necessidade de ventilação mecânica para o Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia, no Porto; 2.12 - Foi aplicado “fórceps” e que foram aplicados cortes (incisões na vulva e no períneo); 2.13 - A C…………… sofreu uma asfixia perinatal grave com todas as lesões que lhe determinaram a incapacidade permanente absoluta de que padeceu durante toda a vida; 2.14 - A C………….. mercê das lesões sofridas não tem o desenvolvimento de uma criança normal da sua idade; 2.15 - Pelo que, a mesma, aos trinta e cinco meses, pouco mais pesa que quatro quilogramas, apenas cresceu três centímetros, não fala, não ouve, não vê, não anda; 2.16 - E para se alimentar precisa de sondas pelo nariz porque não mastiga; 2.20 - A Autora na sequência do trabalho de parto sofreu várias e graves hemorragias e teve de ser submetida a intervenções cirúrgicas urgentes como correcção de laceração e episioctomia, revisão do canal do parto, foi cateterizada nova veia no dorso da mão esquerda; 2.21 - Como as hemorragias continuavam, foi transferida para o hospital de S. João com entubação endotraquial, ligada ao ventilador; 2.22 - E é em tal estado que a A. é remetida para o Hospital de João no Porto para onde foi remetida onde chega em choque hipotérmico, com hemorragia externa e demais elementos do seu estado de saúde descrito no documento junto a fls. 32 a 37 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido; 2.23 - Foi laparotomizada (por suspeitas de retenção de restos placentários), tendo sido efectuada histerorrafia fúndica e revisão dos restos placentários, quando no Hospital de Vila Nova de Famalicão foi dito que a dequitadura fora normal e que havia sido revisto o canal de parto; 6.

Ainda há que acrescentar no que respeita à perícia médica efectuada na pessoa da A. C………….. que: Durante o decorrer do parto sofreu uma asfixia perinatal grave que causou na examinada uma encefalopatia hipoxico-isquémica grau III, hipertonia global, gastriteerosiva/esofagite grau II-III hipertensão arterial.

Estas patologias condicionaram de forma grave e irreversível o desenvolvimento da examinada a ponto de nesta data se apresentar a exame pesando seis quilos e medindo cinquenta e cinco centímetros de comprimento, cega, surda, incapaz de deglutir, sem controlo de esfíncteres, não falando, entubada para se poder alimentar e aspirar secreções laringo-traqueais. Apresenta uma atrofia muscular gravíssima. Junto se anexa registo fotográfico do desenvolvimento físico da examinada que tem quatro anos de idade.

Não consta do processo o registo do exame ecocardiotocográfico durante o trabalho de parto, elemento imprescindível para avaliar a conduta médica deste acto.

A examinada apresenta-se a exame num quadro neurológico grave, com atraso de desenvolvimento físico e psíquico significativos.

A examinada apresenta as seguintes sequelas numa situação clínica neurológica grave: Asfixia perinatal grave, encefalopatia pipóxico-isquémica grau III, hipertomia global, gastrite erosiva/esofagite e hipertensão arterial. Polimedicada com fenobarbital, ranitidinea, captopril e cisafride.

Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.

As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza inciso-contundente o que é compatível com a informação.

Do evento resultaram para a examinada as consequências permanentes descritas, as quais sob o ponto de vista médico-legal: uma situação clínica neurológica grave...

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