Acórdão nº 01397/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A……………, SA, interpôs o presente recurso de revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando anterior pronúncia do TAF de Sintra, considerou legal o acto que excluíra a proposta apresentada pela aqui recorrente num procedimento tendente à aquisição de serviços de vigilância e segurança, daí derivando a improcedência completa da acção de contencioso pré-contratual que a A………….., SA, deduzira naquele TAF contra o Município da Amadora e duas sociedades - a B…………………, SA, e a C……………………., SA.

A recorrente findou o seu recurso oferecendo as seguintes conclusões: I - As questões que se pretendem ver respondidas na presente Revista são as seguintes: (i) Pode ou não o concorrente a um procedimento de contratação pública, em função da sua estratégia de mercado, definir livremente o preço da sua proposta e, designadamente, reduzir ou eliminar a sua margem de lucro, ou mesmo assumir algum prejuízo? (ii) Em situações em que na sua proposta o preço oferecido se situe acima do limiar do preço anormalmente baixo: - O Concorrente está, ainda assim, adstrito à obrigação de apresentação duma proposta de preço de valor mínimo (reputado, pela entidade adjudicante, suficiente para fazer face a todos os custos inerentes ao serviço que vai prestar? - É legítimo à entidade adjudicante presumir que o concorrente que opte pela redução ou eliminação da sua margem de lucro, ou mesmo pela assunção de algum prejuízo, o fará mediante violação da legislação (laboral, de segurança social, ou outra)? - É lícito à entidade adjudicante a exigência de justificação do preço, mediante decomposição de toda a estrutura de custos do mesmo? (iii) A alínea f) do n° 2 do art. 70º do Código dos Contratos Públicos permite o escrutínio de potenciais ilegalidades, ainda que presumidas, ou apenas e tão só de ilegalidades patentes na própria proposta? II- O Acórdão recorrido decidiu estas questões de forma contraditória com o que já havia sido decidido, no âmbito da mesma legislação, pelos seguintes Arestos: O Acórdão deste STA proferido em 14 de fevereiro de 2013, no processo 0912/12, disponível em www.dgsi.pt O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 29 de Janeiro de 2015, no Processo 11661/14, disponível em www.dgsi.pt O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 1646/14.5BESNT), cuja cópia se junta, por não estar publicado, nem disponibilizado nas bases jurídico-documentais.

III- O Acórdão recorrido contraria frontalmente o Princípio da Concorrência, agora expressamente exarado no art. 18° (1) da Directiva 2014/24 e a jurisprudência uniforme do TJUE a que está vinculado.

IV- E contraria o recentíssimo projecto de recomendação emitido pela Autoridade da Concorrência em agosto de 2015.

V- No caso concreto, suscitam-se questões relacionadas com as práticas de contratação adoptadas pelas entidades adjudicantes susceptíveis de influenciar limitar, falsear e restringir a concorrência no mercado da contratação pública.

VI- As questões são de tal relevância e dimensão social que este STA admitiu recentemente outras revistas em que estão em discussão os limites da formação do preço (cf. processo 0657/15 e processo 1021/15, ambos da 1ª Secção deste S.T.A.).

VII- E a própria Autoridade da Concorrência, no exercício dos seus poderes de defesa da concorrência, emitiu um projeto de recomendação em que declara os efeitos restritivos da concorrência que decorrem da Recomendação de preços mínimos da ACT, recomendando a sua revogação.

VIII- Pelo que se impõe a admissão desta Revista. Posto isto, IX- As normas de contratação pública têm que ser interpretadas em sentido pró-concorrencial e logo, em consonância com o Princípio fundamental da Concorrência que enforma o Direito Europeu (art. 101º TFUE), o princípio constitucional da concorrência (art. 81° e) da CRP) e a própria legislação nacional de contratação pública (art. 1º nº 4 do CCP): trata-se de normas concebidas para impedir práticas protecionistas e incentivar a concorrência nacional e transnacional.

X- Na sua dimensão negativa, o princípio da concorrência exige que sejam eliminadas da contratação pública quaisquer práticas anti-concorrenciais, de molde a que a concorrência no mercado da contratação pública não seja impedida, falseada ou restringida.

XI- Daí que qualquer prática contratual suscetível de limitar, falsear ou restringir a concorrência no mercado relevante deva considerar-se ilegal (art. 101º TFUE, art. 81º e) CRP, art. 2º e 9º da Lei nº 19/2012 e art. 1º CCP). Deste modo XII- Qualquer actuação com impacto restritivo da concorrência só poderá considerar-se justificada se destinada à proteção de interesses de dignidade idêntica (constitucional), verificado o princípio da proporcionalidade e a inexistência de outros meios adequados para prossecução do mesmo fim. Assim XIII- A imposição de preços mínimos constitui prática anti concorrencial (http://oecd.org/daf/competicion/46969642.pdf/cf. art. 9º L nº 19/2012.

XIV- A troca de informações sensíveis, como são as informações detalhadas sobre preços tem efeitos restritivos da concorrência pelo seu efeito colusivo. (cf. artº. 101º TFUE, artº. 9º Lei 19/2012, Orientações da Comissão Europeia sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado publicadas no Jornal Oficial C11 de 14/01/2011, Acórdão proferido no processo C-7/95 P John Deere LTD vs Comissão das Comunidades Europeias).

XV- A decisão do TCA Sul de que se recorre, no sentido de permitir à entidade adjudicante impor aos concorrentes a apresentação de propostas de preço mínimo de valor “reputado suficiente para incluir os custos que tal entidade adjudicante, discricionariamente entenda necessários à prestação do serviço está a permitir às entidades adjudicantes a imposição dum regime de preços mínimos obrigatórios (fora dos limiares do preço anormalmente baixo).

XVI- A decisão do TCA Sul está a permitir uma prática concorrencial ilícita.

XVII- Esta decisão pressupõe, também, o entendimento no sentido de que o concorrente a um procedimento de contratação pública, não poderá, em função da sua estratégia de mercado, definir livremente o preço.

XVIII- Nessa medida viola a liberdade de gestão empresarial (61º CRP) Este entendimento não poderá prevalecer na ordem jurídica comunitária, nem na ordem jurídica nacional por ser claramente violador do Princípio da Concorrência, tal como exarado no artº. 101º TFUE, no artº. 18 (1) da Directiva 2014/24 e no art. 1º nº 4 do CCP.

XIX- A imposição dum preço mínimo, pretendida pela doutrina subjacente ao Acórdão do TCA Sul sob crise, equivaleria a abrir aos entes públicos a possibilidade de incorrer, de forma sistemática, numa prática de imposição de preços mínimos declarada expressamente como prática anti concorrencial pelo artº 101º do TFUE e pelo art. 9º da Lei 19/2012.

XX- Conclui-se, assim, pelas razões apontadas, a nosso ver inultrapassáveis, que a resposta à questão da liberdade do Concorrente na elaboração da sua proposta de preço tem que ser positiva: o concorrente a um procedimento de contratação pública, em função da sua estratégia de mercado, poderá definir livremente o preço da sua proposta e, designadamente, reduzir ou eliminar a sua margem de lucro, ou mesmo assumir algum prejuízo.

XXI- Tal decorre da jurisprudência nacional citada na conclusão II.

XXII- Decorre também da jurisprudência do TJIJE: - Processo C-568 DATA CASE MEDICAL - Processo C-337/06- BAYERISCHER RUNDFUNK - Processos apensos C-147/06 e C-148/06 SECAP SpA - Processo C-388/12 ANCONA XXIII- E dos pareceres de Mário Esteves de Oliveira e Nuno Ruiz juntos aos autos.

XXIV- Até porque não existe norma legal no ordenamento jurídico nacional (ou comunitário) que proíba, de forma genérica, a venda com prejuízo (que no ordenamento jurídico nacional só está prevista para a (re)venda de bens).

XXV- O Princípio da concorrência não permite a imposição de restrições concorrenciais (como é o caso da imposição de preços mínimos) senão em benefício de outros valores de igual dignidade e respeitados os princípios da adequação e da proporcionalidade.

XXVI- O cumprimento da legislação dita social (laboral e das convenções colectivas de trabalho em vigor) não constitui objectivo legítimo que justifique a imposição de preços mínimos.

XXVII- Pela inadequação: Não é pela via do aumento de preços e/ou imposição de preços mínimos que se assegura o pagamento de salários adequados e ou das contribuições para a Segurança Social.

XXVIII- Pela desproporcionalidade: A imposição dum preço mínimo, dado o seu impacto restritivo na concorrência, teria que se justificar com a ausência de outros meios idóneos para o mesmo fim (assegurar pagamento de salários e contribuições para a segurança social) e com menor impacto restritivo.

XXIX- Tal justificação não é possível pois as entidades competentes, e designadamente a Autoridade das Condições do Trabalho (ACT), estão munidas dos poderes necessários para fiscalizar o cumprimento pelas empresas da legislação laboro, fiscal, social etc.

XXX- As diretivas comunitárias preveem mecanismos próprios, legais, para assegurar que os concorrentes cumprem a legislação laboral, social ou outra, designadamente para aferição da conformidade das propostas com o cumprimento das obrigações aplicáveis em matéria ambiental, social e laboral-cf. artsº 59 a 61 Diretiva 2014/24.

XXXI- E, no direito interno, a necessidade de cumprimento de obrigações legais foi prevista e acautelada no próprio CCP, que impede a adjudicação a concorrentes que não tenham a sua situação regularizada perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Segurança Social ou que tenham sido condenados pela prática de contraordenações laborais (artigos 55.º al. d), e), g) e h) e 81º nº1 al. b) do CCP - cf. também, no caso concreto, artigo 19.º al. b) do Programa). Assim, XXXII- O único preço “mínimo” que os concorrentes estão vinculados a respeitar e a considerar, na formação do preço (e dentro das...

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