Acórdão nº 01482/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO O Ministério Público requereu providência cautelar de suspensão de eficácia de actos praticados pelo Director-Geral do Património Cultural (DGPC) em 19 de Agosto de 2014, nos termos dos quais foi ordenado o arquivamento de procedimentos de classificação de 72 obras de Juan Miró, pertencentes à A………, S.A. e de 13 obras do mesmo autor, pertencentes à B……, S.A., demandadas como contra-interessadas, bem como a Leiloeira C……...

O TAC de Lisboa indeferiu a providência cautelar interposta por sentença de 14.05.2015 Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17 de Setembro de 2015, foi negado provimento ao recurso interposto daquela sentença, para aquele Tribunal, confirmando-se a sentença recorrida.

Inconformado com a referida decisão, interpõe o Ministério Público recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo que, na sua formação de apreciação preliminar, prevista no art. 150º, nº 5 do CPTA, admitiu o recurso.

Nas suas alegações de recurso o Recorrente apresenta as seguintes conclusões: 1.

Impõe-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento clamoroso do Venerando Tribunal recorrido, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos de muito relevo e para dissipar dúvidas sobre a matéria em apreço e sobre o quadro legal que a regula, de assinalável utilidade prática na apreciação das questões jurídicas suscitadas; tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, devendo o recurso ser admitido, nos termos do art. 150.º do CPTA.

  1. As obras de arte em apreço inicialmente importadas por um particular, como era o D……., passaram a pertencer ao Estado Português, com a aprovação da Lei n.° 62/08, de 11/11, o qual nacionalizou todas as ações representativas do capital social do D…….., SA, e aprovou o respetivo regime jurídico de apropriação pública, por via da nacionalização.

  2. Em 16 de Setembro de 2010, foram constituídas três sociedades, as designadas Par’s, entre as quais às sociedades anónimas A………, SA e B………, SA, sociedades anónimas constituídas por escritura pública, entidades públicas reclassificados no perímetro das contas públicas, integrantes do Sector Empresarial do Estado, com o objetivo de dar inicio ao processo de reprivatização do D……., tendo para as mesmas sido transmitidos um conjunto de ativos do balanço individual e consolidado da referida instituição bancária.

  3. Através do Despacho n.° 825/11 - SETF, de 3/6, foi decidida a aquisição pelo Estado, de ações representativas do capital social das referidas sociedades, aquisição essa que veio a concretizar-se em 14/2/2012, tendo o Estado Português (através da Direção Geral do Tesouro e Finanças) assumido diretamente todos os direitos e obrigações daquelas sociedades.

  4. A missão e objetivos estratégicos das mesmas sociedades não foram alterados, ou seja continuam a ser: a aquisição de créditos do Grupo D……., no âmbito da nacionalização e venda deste, centrando-se tal missão, gestão, e cobrança dos créditos adquiridos, no pagamento das dívidas contraídas (à E...... e ao Estado) - cfr. Relatório e Contas da empresa A……., do ano de 2011.

  5. As sociedades referidas são entidades públicas pertencentes exclusivamente ao Estado Português, que detém 100% do capital social e tem amplos poderes de superintendência das mesmas, pelo que a titularidade e o poder de disposição sobre as obras de arte em apreço lhe pertence em exclusivo (ao Estado pertencem todos os bens destas sociedades).

  6. Consequentemente, o poder de decisão da sua classificação e destino a dar ao respetivos procedimentos relativos às obras de arte em apreço, pertence ao Estado Português e não às referidas sociedades - art. 14. º 16. º n.º 1, 25.º nº1, 33.º, 55.º, n.º 1, 2 e 3, da Lei n.° 107/2001, de 8/09, art. 9.º e 78.º da CRP, citado despacho, art. 10.º n.º 1, 15.º 24. 25.º n.º 5, al b) e n.º 6, 37.º n.º1 e 39.º DL n. 133/2013, de 3/10, e art. 5.º e 12.º DL n. 71/2007, de 27-03.

  7. Igualmente lhe competindo, do ponto de vista constitucional - art.9.º, al. d) e 78.º, ambos da CRP - promover a salvaguarda e valorização do património cultural, devendo ser observada pela administração, pelas entidades públicas e por aquelas empresas, instituídas para finalidades públicas, de acordo com a Lei n.º 107/2001, de 8/9 (LBPC) que define as bases da política e do regime de proteção e valorização do referido património.

  8. O ato administrativo que ordena a abertura do procedimento, impulsionado nos termos do n.° 1 do art. 25° da LBPC, é um ato vinculado; conforme decorre do disposto no n. 5 da mesma norma, assim como o procedimento de inventariação e classificação, e subsequente instrução e decisão, como decorre, aliás, também dos art. 26° e 27°, 28°, 29° e 30°, todos da citada Lei n. 107/2001 (LBPC).

  9. As Sociedades A…….SA e a B…….., SA, atento o regime que lhes é aplicável, não se podem opor à classificação das referidas obras de arte, também atendendo à sua natureza, por serem entidades públicas, instituídas com tal finalidade pelo Estado, estando, também elas adstritas ao cumprimento das funções que a este incumbem, no âmbito da Constituição, de promoção, da salvaguarda e valorização do património cultural, não se tratando de simples particulares, conforme expressamente previsto nos art.ºs 1.º e 3.º, da citada LBPC.

  10. Existem indícios muito fortes de que as obras de arte em questão, sendo da autoria do pintor Joan Miró, são bens móveis abrangidos pelos art. 2 e 15.º da LBPC, integrantes do património cultural e portadoras de interesse cultural relevante, como resulta da documentação anexa à PI, não devendo tais bens ser tratados como simples mercadoria objeto de comércio jurídico, pretendendo-se evitar o risco de saída das referidas obras do território nacional, sem que esteja observado o referido procedimento até final, previsto na Lei de Bases do Património Cultural.

  11. Trata-se de bens que o legislador sujeitou ao regime específico de direito público, característico da dominialidade, em termos de os mesmos se encontrarem, senão sujeitos a um direito de propriedade pública, pelo menos, submetidos a um poder particularmente intenso de uma entidade administrativa, o mesmo fazendo o direito comunitário atrás citado.

  12. Assim, não é aplicável ao procedimento em causa o disposto no art.68.º nº. 2, al b), da LBPC, sendo irrelevante a oposição deduzida à classificação das referidas obras de arte, porque, por um lado, não pertencem a particulares estão integradas, por lei, no património público pertença do Estado Português, e, por outro, no que respeita a 41 delas, pelo menos (ponto 13 do probatório), foram admitidas em Portugal há mais de 10 anos e é irrelevante a data da importação definitiva destas obras.

  13. Ao relevar indevidamente a oposição formulada pelas referidas sociedades, para ordenar o arquivamento dos procedimentos indicados, sendo certo que a lei se reporta a meros particulares e à mera admissão de obras, não devendo o intérprete distinguir onde o legislador não o faz, a Direção-Geral do Património Cultural, violou clara e objetivamente os referidos preceitos, assim como os arts.° 5, 16.°, n.° 1 e 2, al. a), 18°, n.°s 1, 2 e 3, 26.°, 28.°, 55.° e 68.°, todos da referida Lei de Bases do Património Cultural e também o art. 9.º do C. Civil.

  14. Tendo em conta que a única razão para a operação de venda das referidas obras de arte é a da recolha de meios financeiros suplementares, então o risco de prejuízo financeiro para o Estado Português é evidente, sem que se realize a classificação ou análise das obras de arte em causa, porquanto se desconhece o seu valor monetário real, o que se revela essencial perante um negócio desta envergadura.

  15. Assim, é evidente, notório e público, que a colocação das obras de arte no mercado externo, sem que as mesmas sejam avaliadas e sujeitas a perícia, comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos pela LBPC, põe em risco o dever proteção do património cultural, assim como os interesses económicos do nosso país.

  16. Uma vez que, só após a análise pormenorizada das obras por especialistas é que a administração do património cultural estaria habilitada, nos seus poderes de discricionariedade técnica, a decidir pela classificação que entender dever atribuir-lhes, no âmbito dos referidos procedimentos administrativos.

  17. Finalidade que é posta em crise pelo douto Acórdão proferido, ao não deferir a presente providência, uma vez que quando a decisão administrativa questionada for revertida poderão já não ser encontrados os bens a classificar, não obstante ter sido intentada ação administrativa especial de impugnação dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação (proc. n.º 2784/14.0 BELSB do TAC de Lisboa).

  18. As apontadas violações da lei por parte dos despachos em apreço, suficientemente demonstradas, é bastante para assegurar o preenchimento do requisito do fumus bonus juris qualificado estabelecido na al. a) do n.º1 do artigo 120.º do CPTA e para excluir a exigência e ponderação dos critérios estabelecidos nas restantes alíneas, e no seu n.º 2.

  19. Entende-se que incorre, assim, o douto Acórdão recorrido, em ofensa e erro de interpretação das normas citadas e do art. 120, n.º 1 al. a), do CPTA não devendo ter sido entendido que as questões suscitadas requeriam aprofundada análise e eram insuscetíveis de apreciação sumária no âmbito de uma providência cautelar, uma vez que é patente a ilegalidade dos atos/despachos em apreço.

  20. Mas, sem conceder, ainda que assim não se entenda e se deva recorrer à análise dos restantes requisitos, quer da al. b), do n.º1, quer do n.º 2, do art. 120.º citado, a decisão a proferir no âmbito das providências cautelares conservatórias, constitui, tão só, um juízo de probabilidade da existência do direito invocado, admitindo-se mesmo que seja de mera...

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