Acórdão nº 0510/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Data28 Janeiro 2016
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A……………. e B……………., identificados nos autos, vêm reclamar para a conferência do despacho do relator que, na acção administrativa especial por eles movida contra o Conselho de Ministros e OPART-EPE, julgou a jurisdição administrativa incompetente «ratione materiae» e absolveu esses demandados da instância.

Os reclamantes findaram a sua peça, formulando as conclusões seguintes: 1. O caso sub judice tem uma importância que ultrapassa o peso dos interesses concretos na lide porque respeita à delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em face de novas situações emergentes da evolução da Ordem Jurídica; 2. E, perante a natureza híbrida ou duvidosa de situações na fronteira entre gestão pública e gestão privada, a figura do ato administrativo, aureolado pelo conjunto de normas ao abrigo das quais é praticado, continua a representar um fiável tópico de densificação da cláusula geral de jurisdição administrativa; 3. Pelo menos no âmbito das entidades públicas empresariais em geral e no da “OPART, E.P.E.” em especial (cuja legislação especifica nem sequer fala em contratos de gestão, mas sim em contrato-programa), o contrato de gestão não é o instrumento constitutivo da relação jurídica de gestão pública entre o Estado e o gestor, ao contrário daquilo que se considerou no aliás douto Despacho sob reclamação; 4. O ato constitutivo dessa relação é a resolução de nomeação pelo Conselho de Ministros; 5. A qual não tem a natureza de “proposta de contratar” que lhe atribui o aliás douto Despacho sob reclamação; 6. E, contra o que se decidiu no Despacho, o contrato de gestão não é um contrato de direito privado da administração, mas sim um verdadeiro e próprio contrato administrativo; 7. Não pode pois, ao contrário do que se decidiu no Despacho sob reclamação, qualificar como privada a relação jurídica de gestão pública com o fundamento de ela ter a sua fonte num contrato de direito privado; 8. A resolução do Conselho de Ministros que demitiu os ora reclamantes por mera conveniência é um ato administrativo, por constituir uma deliberação de um órgão da Administração Pública, visar a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e haver sido proferida ao abrigo de normas de direito público; 9. Ao qualificar aquela resolução como negócio jurídico privado de exercício de um direito potestativo extintivo, o aliás douto Despacho sob reclamação procede a uma interpretação desconforme ao artigo 268.°, nºs 3 e 4, da Constituição do artigo 26.º, nºs 1 e 2, do Estatuto do Gestor Público: 10. Pelo menos no que concerne às entidades públicas empresariais, a função acionista, que não envolve a intervenção de (inexistentes) assembleias gerais e sim resoluções do Conselho de Ministros e despachos de membros do Governo, não é mais, dado o conteúdo dos poderes titulados, do que uma denominação específica das relações interadministrativas de superintendência e tutela; 11. Pelo que, como de resto aconteceu, a forma própria do seu exercício com efeitos constitutivos é o ato administrativo; 12. Também não merece pois ser mantido o aliás douto Despacho sob reclamação na parte em que fundamenta na natureza privada da função acionista a ocorrência, quanto à demissão, de um negócio jurídico de direito privado em vez da prática de um ato administrativo.

Somente respondeu a Presidência do Conselho de Ministros, concluindo do seguinte modo: A) O douto despacho reclamado não merece censura; B) Com efeito, sendo o contrato de gestão e o ato extintivo que lhe pôs termo atos de gestão privada da Administração Pública, verifica-se a incompetência em razão da matéria da jurisdição administrativa para conhecer dos pedidos anulatório e condenatório formulados na presente ação.

Cumpre decidir.

O despacho reclamado tem o teor seguinte: “Na presente acção administrativa especial, os autores formulam o pedido primário de anulação do acto impugnado— inserto na Resolução do Conselho de Ministros n.° 7-A/2015 (publicada na 2.ª Série do DR de 29/1/2015) e que eles qualificam como um acto administrativo vero e próprio — que os demitiu das funções de presidente e vogal do Conselho de Administração da OPART-EPE.

A Presidência do Conselho de Ministros nega que tal acto seja administrativo. Integra-o, antes, na chamada «gestão privada», caracterizando-o como o exercício da função accionista do Estado — em correspondência com o que se estatui no DL n.° 133/2013 e no Estatuto do Gestor Público (o EGP aprovado pelo DL n.° 71/2007, de 27/3). Esse exercício teria posto fim aos contratos de «mandato» (aliás, ínsitos no «contrato de gestão» referido naquele EGP) celebrados com os autores, circunstância que diferenciaria os poderes extintivos usados — e previstos no art. 26° do mesmo EGP — de quaisquer prerrogativas de direito público.

Ouvidos sobre esta defesa e, ainda, acerca de uma conexa incompetência «ratione materiae» do tribunal, os autores reiteram a natureza administrativa do acto «sub specie». Em prol da sua tese, argumentam, fundamentalmente, com a índole jurídico-administrativa do bloco normativo envolvente e dos preceitos reguladores da forma do acto impugnado e da competência para o emitir; com a natureza administrativa das relações jurídicas sobre que o acto recaiu, as quais traduziriam um vínculo entre os autores e o Estado; e com a feição tutelar dos poderes, conferidos por razões de interesse público, que o acto activou — pormenor que até levaria a presumir que ele seja administrativo.

Cumpre decidir.

O título legal do acto impugnado consiste no art. 26° do EGP — para onde, aliás, remetem os estatutos da OPART-EPE (art. 3°), aprovados pelo DL n.º 160/2007, de 27/4. Esse art. 26° prevê e atribui um poder de desvinculação — designadamente através da demissão do gestor público; e a índole desse poder há-de, ao menos em princípio, seguir a natureza do vínculo anteriormente constituído e depois dissolvido — dada a regra lógica de que os opostos se integram sempre no mesmo género.

Portanto, o melhor modo de compreender o acto passa pela prévia compreensão das relações jurídicas que ele extinguiu. Os autores crêem que se trata de relações estabelecidas entre si e o Estado, emergentes da sua nomeação para o Conselho de Administração da OPART-EPE. E importa ver se assim é.

Entre nós, o «status» de gestor público radicou sempre num vínculo contratual — e não numa estatuição autoritária, enquadrável na noção de acto...

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