Acórdão nº 0289/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação judicial com o n.º 2522/15.0BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 A “Caixa de Crédito Agrícola ………, CRL” (adiante Reclamante ou Recorrente), na qualidade de credor com hipoteca sobre o bem imóvel vendido em execução fiscal, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença que julgou improcedente a reclamação por ela deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra o indeferimento pela Directora de Finanças do Porto do seu pedido de anulação da venda desse imóvel.

1.2 Com o requerimento de interposição de recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «1.ª O mandatário da Recorrente não foi notificado de qualquer decisão proferida no processo de execução, nomeadamente a decisão de aceitação da proposta de € 9.900,00 para compra do bem imóvel, nem a decisão de adjudicação. Por esse motivo, a Recorrente não teve possibilidades de “reagir” a essas decisões sem ser pela anulação posterior da venda.

  1. No processo de execução fiscal tem aplicação supletiva o disposto no artigo 812.º do CPC e demais disposições aplicáveis à venda judicial.

  2. A falta das notificações referidas constitui nulidade que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 195.º, n.º 1 e 839.º, n.º 1, al. c) do CPC por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 257.º do CPPT.

  3. A douta sentença recorrida entendeu que a Recorrente não invocou expressamente a nulidade do acto no seu pedido de anulação da venda e que, por isso, não tinha legitimidade para requerer a anulação da venda. Com base nesse entendimento não apreciou nem decidiu essa questão.

  4. Ora, e com o devido respeito, a Recorrente invocou expressamente a nulidade da venda e as razões por que o fazia.

  5. No seu pedido de anulação da venda a Recorrente alegou que o que consta do edital quanto à descrição do imóvel não corresponde à sua realidade física nem ao vendido; alegou que tal desfasamento era um factor determinante para eventuais interessados na compra, incluindo os credores; alegou que não foi referido no anúncio que o terreno se incluía na RAN, o que era relevante para a decisão de compra; alegou que o mandatário não foi notificado de diversos actos.

    E, após essas alegações concluiu expressamente: «Nestes termos deve ser anulada a venda e os actos resultantes das nulidades invocadas».

  6. A discrepância entre o que foi anunciado e o que foi vendido foi um dos fundamentos do pedido de anulação da venda. E trata-se de discrepâncias muito relevantes e totalmente descaracterizadoras da identificação do prédio anunciado para venda e, como tal, essenciais para a decisão de apresentar ou não proposta de compra.

  7. Está assente na jurisprudência que o credor, nomeadamente o hipotecário, tem legitimidade para pedir a anulação da venda com base na divergência entre o que foi anunciado e o que foi vendido.

  8. A douta sentença recorrida devia ter apreciado e decidido essa questão.

  9. O n.º 1 do artigo 250.º do CPPT dispõe que o valor base para a venda de imóveis rústicos é determinado pelo valor patrimonial actualizado nos termos aí referidos. A al. c) [(A referida alínea c) não é do art. 250.º do CPPT, mas do art. 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

    )] refere que esse valor será o patrimonial «actualizado com base em factores de correcção monetária cujo limite não poderá exceder 44,21 a fixar em função do ano da última avaliação geral ou cadastral, a publicar em portaria do Ministério das Finanças, ou pelo valor constante do acto ou do contrato, consoante o que for maior».

  10. O valor patrimonial do imóvel na caderneta predial é de € 1.530,87 determinado no ano de 2012. Não foi feita qualquer actualização desse valor.

  11. No entanto, existe uma hipoteca a onerar esse terreno e que era do conhecimento da Autoridade Tributária, uma vez que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial. O valor máximo garantido por essa hipoteca é de € 278.368,00.

  12. Essa hipoteca é um acto cujo valor é superior ao valor patrimonial. E, nos termos da previsão da parte final da alínea c) do n.º 1 do art. 27.º do DL 287/2013 de 12 de Novembro esse acto é que devia ter sido considerado para cálculo do valor base de venda.

  13. Aliás, é esse o critério que a Autoridade Tributária considera para efeitos de pagamento de IMT em caso de alienação de imóveis. Se o valor da hipoteca for superior ao valor patrimonial ou ao declarado é esse o valor que é considerado para incidência do IMT.

  14. A douta sentença recorrida entendeu que a hipoteca não é um acto relevante para efeitos de venda. Com o devido respeito, e face ao exposto, a Recorrente não concorda com esse entendimento.

  15. Ao não ter considerado a hipoteca como um acto relevante para efeitos de valor, a Autoridade Tributária e Aduaneira permitiu, no caso concreto, que um terreno que tem um valor venal de € 400.000,00 fosse vendido por € 9.900,00, com manifesto prejuízo do credor reclamante (que ficou praticamente com o mesmo crédito), da Fazenda Pública (que não recebeu o seu crédito) e do próprio executado (que ficou com a mesma dívida e sem o terreno). O único beneficiário foi o comprador (que adquiriu um bem imóvel valioso por um preço irrisório).

  16. A douta sentença recorrida entendeu que eram aplicáveis à presente execução as alterações decorrentes da Lei n.º 254-B/2011 de 03.11 [(Pensamos que se trata de lapso de escrita: a Recorrente pretenderá referir-se à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, onde escreveu Lei n.º 254-B/2011, de 03.11.

    )] por aplicação das regras do processo civil e do processo tributário pelas quais as normas de natureza adjectiva têm aplicação imediata.

  17. O número 3 do art. 12.º da LGT refere que a aplicação imediata das normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata «sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes».

  18. Na data da instauração da execução o valor a anunciar no valor dos bens era, para prédios rústicos, o que fosse fixado pela execução fiscal, podendo a fixação ser precedida de parecer técnico do presidente da comissão de avaliação ou de um perito avaliador designado, não podendo ser inferior ao valor patrimonial. Essa venda era feita por proposta em carta fechada.

  19. Actualmente a venda é feita por leilão electrónico podendo a vir a ser adjudicado o prédio a quem ofereça um qualquer valor (art. 248.º CPPT).

    Ainda que se possa admitir que a venda se faça por leilão electrónico, o valor base de venda devia ter sido calculado nos termos da legislação em vigor à data da propositura da execução.

  20. A aplicação da nova lei afectou as garantias, direitos e interesses legítimos quer do credor hipotecário, quer do executado, uma vez que o critério de fixação do valor da venda permitia fixar um valor adequado ao valor real do prédio.

  21. O direito de propriedade tem consagração constitucional (art. 62.º C.R.P.).

  22. A Recorrente entende que o disposto no n.º 4 do art. 248.º do CPPT é inconstitucional na parte em que permite que o bem imóvel seja vendido por qualquer valor (nem que seja um euro). Tal viola o princípio da proporcionalidade e do Estado de Direito (art. 18.º, n.º 2 e art. 9.º da C.R.P.).

  23. A douta sentença recorrida considerou que não havia violação desses princípios e normas constitucionais, uma vez que o direito de propriedade (como os restantes direitos fundamentais) não são [sic] absolutos ou ilimitados. Refere ainda o que dispõe o n.º 1 do art. 103.º da C.R.P.

  24. Com o devido respeito, essas considerações não têm a ver com a questão que se suscitou. Não está em causa a possibilidade de penhora de bens que sejam propriedade do executado, nem que o Estado proceda à cobrança célere dos créditos fiscais.

  25. Contrariamente ao que refere a douta sentença recorrida, com a tramitação que foi efectuada o Estado viu-se impossibilitada de receber qualquer quantia. Ao passo que se tivesse seguido outra forma mais adequada, quer quanto ao valor dos bens em causa quer quanto à venda, o Estado podia ter recebido o seu crédito.

  26. Com a metodologia seguida nem o Estado nem o credor hipotecário receberam qualquer valor. O único beneficiário foi o comprador. Por isso, a questão não tem a ver com a obrigação de pagamento dos impostos.

  27. Não foi respeitado o princípio da proporcionalidade, nem o princípio do Estado de Direito que tutelam na acção adequada a prosseguir os fins no respeito pela opção dos meios menos gravosos dos interesses dos particulares e que permita o equilíbrio entre a acção e o resultado.

    Pelo exposto deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença recorrida».

    1.3 O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    1.4 Os Recorridos não contra-alegaram.

    1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de enunciar as questões a dirimir, deixou dito: «[…] A nosso ver o recurso merece parcial provimento.

    Em nosso entendimento, em consonância com a sentença recorrida, não ocorre nulidade processual resultante de omissão de notificação, legalmente prevista, ao mandatário da recorrente.

    De facto, como resulta do probatório a AT, por ofício de 21 de Março de 2013, procedeu à citação da recorrente nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 239.º do CPPT, bem como à notificação, nomeadamente, da data da venda do imóvel penhorado, da modalidade da venda e do valor base dos bens a vender.

    Ora, como resulta do probatório e dos autos, nessa data a recorrente não...

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