Acórdão nº 0628/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório -1 – O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 12 de Junho de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., com os sinais dos autos, contra autoliquidações de taxa para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações (SIRCA), no valor total de €37.316,33, anulando as liquidações sindicadas e determinando a restituição à impugnante das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da douta sentença, datada de 12/06/2014, proferida nos autos à margem identificados, a qual julgou que “as liquidações impugnadas padecem, por isso, do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, porquanto violam o art. 4º, nº 2, da LGT, pelo que determina-se a sua anulação”, para a Secção do Contencioso Tributário do Venerando SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, por a matéria em causa ser exclusivamente de direito.

  1. Iniciaram-se os presentes autos com uma impugnação judicial apresentada por A…………, S.A, em 17/01/2012, que teve por base as autoliquidações da denominada taxa de comparticipação das despesas da EEB (SIRCA), no valor total de 75.486,57 Euros.

  2. O ora Recorrente pugnou pela improcedência da impugnação, uma vez que as autoliquidações efetuadas resultaram da aplicação do disposto no artigo 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 19/2011, que definiu como sujeito passivo da taxa SIRCA o dono do estabelecimento de abate.

  3. A procedência do presente recurso é por demais manifesta, uma vez que dúvidas não restam, conforme se tratará de demonstrar adiante, atentos os factos carreados para os presentes autos, que estamos de facto perante uma taxa e não um imposto, como erroneamente, salvo o devido respeito, e ao arrepio da jurisprudência comunitária sobre esta matéria, decidiu o Tribunal a quo.

  4. No entanto, por dever de patrocínio, refira-se ainda que mesmo se o Tribunal entendesse, como o fez, que o disposto no artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei nº 19/2011 viola o disposto no artigo 4º nº 2 da LGT, por se tratar de um imposto e não de uma verdadeira taxa, para não aplicar a referida norma, o Tribunal a quo teria obrigatoriamente que declarar a inconstitucionalidade da norma em questão, por forma a que o Tribunal Constitucional se pronunciasse, o que não fez, utilizando um artifício e mencionando expressamente a não pronúncia relativamente a esta questão suscitada por ambas as partes em dissídio.

  5. Razão pela qual se assume como forçosa a conclusão de que a douta decisão recorrida se encontra ferida de error in judicando, determinado pela incorreta decisão sobre a matéria de facto, e, em consequência, pela incorreta interpretação e aplicação das normas legais e processuais aplicáveis ao caso sub judice, o qual implica que a decisão em crise padeça de uma clamorosa injustiça.

  6. Na sequência da deteção de inúmeros casos de encefalopatia espongiforme transmissíveis (EET), nomeadamente a bovina (EEB), ocorridos em vários países europeus nos finais da década de 90, o Regulamento (CE) nº 1774/2002 do Parlamento e do Conselho, de 3 de Outubro, estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano, bem como os métodos autorizados para a sua eliminação ou utilização e determinou, entre outras medidas de proteção da saúde pública e de segurança alimentar, a proibição de enterramento dos animais mortos na exploração das espécies bovina, ovina, caprina e suína, com o consequente estabelecimento de um regime sancionatório.

  7. A necessidade de proceder à recolha, transformação e eliminação dos animais das espécies bovina, ovina, caprina, suína e equídea mortos na exploração determina, por sua vez, a manutenção de uma taxa de financiamento de um serviço, a prestar no âmbito do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos na exploração (SIRCA) a cargo do então Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, permitindo-se, porém, que as entidades que possam, em determinadas condições, assegurar tal serviço fiquem isentas do pagamento daquela taxa.

    I. Nesse contexto, era necessário que Portugal implementasse um mecanismo que permitisse a recolha daqueles animais em tempo útil e proceder a testes de despistagem obrigatórios de eventuais EET. Para isso foi criado, através do Despacho nº 9137/2003 (2.ª série), do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, de 9 de maio, um sistema de recolha de cadáveres de animais das referidas espécies, mortos na exploração, com vista à sua eliminação, o qual se veio abreviadamente a designar por SIRCA, tendo como preocupação a segurança alimentar, a saúde pública e a proteção do ambiente.

  8. Os subprodutos animais, nomeadamente cadáveres inteiros ou partes de animais ou produtos de origem animal, não destinados ao consumo humano são uma fonte potencial de riscos para a saúde pública e animal e para o ambiente, sendo gerados principalmente durante o abate de animais para consumo humano, na produção de géneros alimentícios de origem animal, na eliminação de animais mortos e na aplicação de medidas de controlo de doenças.

  9. O DL 244/2003 estabelece o regime a que ficam obrigadas as entidades geradoras de subprodutos animais, de acordo com o disposto no Regulamento (CE) nº 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, e suas alterações, relativamente à sua recolha, transporte, armazenagem, manuseamento, transformação e utilização ou eliminação, bem como as regras de financiamento do sistema de recolha de animais mortos na exploração (SIRCA).

    L. Foi, pois, neste contexto que o DL 244/2003 instituiu um encargo, ao qual se deu a designação de taxa, a cobrar aos apresentantes de animais para abate, através dos estabelecimentos de abate que eram também, nos termos do mesmo diploma, os responsáveis pela entrega do produto da taxas cobradas junto do INGA e a quem era imputável, em caso de incumprimento dessa obrigação, a prática de uma contraordenação, punível com coima [cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 10º do DL 244/2003].

  10. O Decreto-Lei nº 19/2011, de 7 de fevereiro, definiu as regras de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (criado ao abrigo do Reg. (CE) nº 1774/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Outubro, ao qual são também aplicáveis as normas constantes do Reg. (CE) nº 1069/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro), pretendendo-se, assim, ajustar o regime de financiamento do SIRCA, criando condições para introduzir a adequada proporcionalidade, em particular na vertente da cobertura de custos, bem como uma maior equidade em termos de repartição dos mesmos em função da espécie de animal em presença, e ainda uma maior eficácia e celeridade nos procedimentos inerentes ao mecanismo de cobrança das taxas.

  11. Nos termos do citado decreto-lei, para efeitos de financiamento do SIRCA, é cobrada uma taxa aos estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos, produzidos no território continental e apresentados para abate, tendo em conta os critérios explanados no citado decreto-lei, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade e o princípio poluidor-pagador, tornando coerente o espírito da anterior lei, já que passou a considerar que o devedor da taxa coincide com aquele a quem já era imputada a falta de pagamento junto do organismo competente, o que antes não acontecia.

  12. E, consequentemente, ao abrigo do referido diploma e neste contexto, a ora recorrida entregou ao Instituto a declaração mensal nº 8690, relativa ao mês de Julho de 2011; a declaração mensal nº 8693, relativa ao mês de Agosto de 2011; a declaração mensal nº 8695, relativa ao mês de Setembro de 2011, liquidada em 22/12/2011 e a declaração mensal nº 8696, relativa ao mês de Outubro de 2011.

  13. O Tribunal recorrido decidiu a nosso ver mal e em manifesta contradição com as normas citadas ao afirmar que «o art. 2º, nº 1 do DL 19/2011 ao definir como sujeito passivo da taxa SIRCA o dono do estabelecimento de abate, que não têm qualquer tipo de contraprestação ou interesse na atividade desenvolvida pelo IFAP, relacionada com a recolha, transporte e destruição dos cadáveres dos animais mortos nas explorações, viola o art. 4º, nº 2, da LGT, porquanto está a configurar esse tributo como taxa, quando na realidade não se verifica nenhum dos seus pressupostos definidos no art. 4º, nº 2, da LGT».

  14. Com efeito, em nosso entender, no caso em apreço, da sentença proferida resulta, em suma, que o Tribunal rejeitou a aplicação da norma contida no artigo 2º, nº 1 do DL 19/2011, considerando-a ilegal por violar o artigo 4°, n° 2 da LGT e, no entanto, não analisou a «ilegalidade decorrente da inconstitucionalidade do regime legal aprovado pelo DL 19/2011, por violação da reserva de lei formal da Assembleia da República, nos termos do disposto nos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.», sendo nula por não declarar a inconstitucionalidade da norma que não aplicou.

  15. O Tribunal a quo desconsiderou, para efeitos de decisão, o facto de, conforme consta do próprio probatório A) da sentença ora recorrida, os presentes autos terem tido origem numa liquidação em cumprimento do disposto no DL 19/2011, de 7 de fevereiro.

  16. De facto, o Tribunal rejeitou, no caso concreto, a aplicação da norma contida no DL 19/2011, sem contudo analisar a constitucionalidade da referida norma, a qual, não sendo uma verdadeira taxa seria inconstitucional por violar o disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa (CRP), enfermando a sentença ora recorrida de erro sobre os pressupostos de direito aplicáveis ao caso sub judice.

  17. Assim...

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