Acórdão nº 01427/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | CARLOS CARVALHO |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
RELATÓRIO 1.1.
A…………, magistrado do Ministério Público, com a categoria de procurador adjunto, devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF Porto], contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA [doravante «MJ»], ação administrativa especial de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido pedindo a condenação da entidade demandada “a praticar os atos de fixação ao autor da remuneração suplementar devida, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do artigo 63.º, e n.º 4 do artigo 64.º do Estatuto do Ministério Público, na redação então vigente, atos esses ilegalmente omitidos”[cfr. fls. 03 a 16].
1.2.
O TAF Porto, por acórdão de 14.09.2012 [cfr. fls. 146 a 161], julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada “a, no prazo de 30 dias, fixar ao Autor a remuneração suplementar devida nos termos dos n.ºs 4 e 6 do art. 63.º e n.º 4 do art. 64.º do Estatuto do Ministério Público, na redação então vigente, variável entre um quinto e a totalidade do vencimento do Autor”.
1.3.
Inconformado, o «MJ» recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA Norte] o qual, por acórdão de 08.05.2015, negou provimento ao recurso jurisdicional e confirmou o acórdão recorrido [cfr. fls. 235 a 251].
1.4.
Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA, o «MJ», não se conformando com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista, produzindo alegações com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 260 a 287]: “… 1. O regime de recursos contido no CPTA não prevê, em regra, recurso dos acórdãos proferidos em segundo grau de jurisdição, salvo na situação de estarem verificados os requisitos excecionais da revista.
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Como previsto nos arts. 142.º/4 e n.º 1 do art. 150.º do CPTA, o recurso de revista só é admissível quando: a. esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; b. a admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
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Nos presentes autos encontram-se preenchidos os pressupostos para que o recurso de revista seja admitido, quer na sua vertente substantiva quer na vertente adjetiva/processual, designadamente a relevância jurídica da questão objeto do recurso e, por violação evidente de lei substantiva e processual, a necessidade de melhor aplicação do direito.
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A decisão em recurso não limita os seus efeitos ao caso concreto do Recorrido e à sua esfera pessoal, tal assim não acontece, pois, respeitando ao estatuto remuneratório de uma carreira profissional - a dos magistrados.
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Daqui decorrendo a possibilidade da controvérsia suscitada nos presentes autos se replicar a casos futuros similares, o que acontece já, aliás, conforme se deu conta ao longo das alegações, sendo vários os processos em curso com o mesmo objeto, uns ainda em primeira instância, outros nos Tribunais Centrais, e outros já neste Supremo Tribunal.
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Mais, sobre a matéria em litígio, assistimos já a jurisprudência divergente, sobre aspetos concretos da condenação; a própria decisão em recurso disso é exemplo, dada a existência de um voto de vencido.
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Mesmo quando não existe disparidade sobre a qualificação da situação de base - a existência de acumulação de funções - existem divergências sobre a aplicação dos pressupostos legais para a atribuição da requerida retribuição, como se deu conta ao longo das alegações.
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Em caso sobre estatuto remuneratório dos magistrados foi já admitida revista, por este tribunal, por despacho de 12/3/2015 (Proc. 199/15, da 1.ª Secção): «Está em discussão no presente recurso uma questão jurídica respeitante ao sistema retributivo dos magistrados judiciais. Trata-se de litígio sobre uma situação estatutária suscetível de repetir-se em termos essencialmente semelhantes sempre que a nomeação como juiz de direito ocorra antes de o interessado perfazer o módulo de três anos de tempo de serviço».
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Os enormes custos associados ao pagamento de retribuições por tão longos períodos de tempo, por vezes de centenas de milhares de euros para um só magistrado, além de contenderem com o princípio da igualdade, deixando magistrados que exerceram as mesmas funções em posições bem diferenciadas, contendem com os princípios da confiança e da proporcionalidade, impondo despesa pública extraordinária, e com fortes reflexos na situação económica do país.
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A revista mostra-se necessária para «uma melhor aplicação do direito», pois a decisão recorrida mostra-se ostensivamente violadora da lei e desconforme, em várias vertentes decisórias, com outros acórdãos de tribunais superiores.
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Por outro lado, e como resulta do acórdão recorrido, «Analisando o quadro jurídico aplicável, uma primeira constatação que nos é dada observar é que o mesmo padece de uma insuficiente densificação, designadamente quanto aos critérios para a existência de acumulação e para a fixação da remuneração, bem como quanto à natureza do parecer a emitir pelo CSMP», pelo que a intervenção deste Tribunal Supremo mostra-se necessária para densificação dos critérios legais.
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Sendo admitido, como se espera, ao presente recurso tem de ser dado provimento.
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O Recorrente nunca poderia ser condenado ao pagamento, sob pena de o tribunal se substituir a órgão que nem sequer é parte nos autos e neles não foi ouvido.
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E para a prática desse ato, o CSMP não exerce um poder vinculado, mas antes um poder discricionário, desde logo porque não foi autorizada a situação de acumulação. Igual pendor discricionário tem o ato de fixação de remuneração, da competência do Ministro da Justiça.
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E assim foi recentemente decidido pelo TCA Norte, no Proc. 2920/11.8BEPRT-Braga.
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No caso dos autos, não havia ainda sido proferido Parecer aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma. Todavia, tal Parecer concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação.
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Em outro acórdão em que, tal como nos presentes autos, não havia ainda sido proferido Parecer do CSMP aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma, e em que no referido Parecer se concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação, decidiu o TCA Norte de forma divergente ao do acórdão recorrido (Proc. 2910/11.0BEPRT).
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Erra o acórdão recorrido na apreciação dos efeitos do Parecer em causa, suportando-se desde logo em teses doutrinárias que afastam a posição que veio a defender.
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Mas é outro o erro principal do acórdão: o de considerar que a intervenção do CSMP se limita a mero parecer, cabendo ao Ministro da Justiça a decisão sobre a verificação ou não dos requisitos da acumulação, quando a norma habilitante apenas lhe atribui competência para fixar o quantum remuneratório.
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Ora, como o acórdão acolhe, cabe aos Conselhos Superiores decidir se e quando se verificam situações de acumulação.
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O CSMP decide se existe ou não acumulação de funções - a Lei é expressa «os procuradores da República que acumulem funções»; considerando que existe acumulação, o CSMP propõe uma remuneração; o Ministro da Justiça atribui a remuneração, de acordo com os elementos decisórios que julgar pertinentes, atendendo, designadamente à proposta remuneratória do CSMP - diz a Lei «têm direito a uma remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça».
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Como já decidiu o TCA Norte, «exatamente para que possa ser confirmada a situação de acumulação e porventura mensurada a correspondente remuneração, é que a lei impõe a emissão de parecer prévio por parte do CSMP» (acórdão de 17/4/2015, Proc. 2920/11. 8BEPRT - Braga).
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Ao contrário do que pretende o Recorrido, este não exerceu funções que vão para além do conteúdo funcional do seu cargo de Magistrado do Ministério Público.
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Não se verifica um só dos requisitos previstos na lei para que a situação possa ser considerada de acumulação, designadamente: atribuição de funções correspondentes a outro cargo; por razões excecionais e transitórias e por período de tempo delimitado.
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Conforme resulta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 74/2005, homologado em 21/2/2006, o regime da acumulação de funções e sua remuneração é marcado pela excecionalidade e transitoriedade, o que não se compagina com a situação concreta do tribunal e do Recorrido.
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Segundo o mesmo Parecer, «A acumulação de funções (...) supõe, com efeito, um acréscimo de trabalho motivado pelo exercício de tarefas que não são próprias do cargo». E é essa circunstância, como se salienta no Parecer n.º 519/2000, «que justifica uma compensação remuneratória de carácter excecional».
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A acumulação de funções é um instrumento de gestão com natureza excecional, usada em três tipos de situações: extinção de pendências atrasadas; substituição de magistrados temporariamente impedidos; auxílio de magistrados com volumes elevados de pendência.
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A acumulação de funções é distinta daquela situação em que o magistrado do Ministério Público, colocado em determinada comarca, desenvolve o serviço que lhe foi distribuído pelo...
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