Acórdão nº 01195/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A………., Ldª, sediada no Entroncamento, inconformada com a decisão proferida em 17 de Junho de 2008 no TAC de Lisboa que julgou a acção por si intentada contra o Hospital de Santa Marta, parcialmente procedente, bem como a reconvenção intentada pelo Réu, interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 1) «A fundamentação do acórdão recorrido não obedece ao escopo respectivamente dos artºs 653º, nº 2 e 659º, nº 3 do CPC.

2) Tal limita o presente recurso, porquanto, quanto às respostas dadas à matéria de facto, a mesma não analisa criticamente as provas nem especifica os fundamentos que foram decisivos para a sua decisão, o que na verdade, impossibilita a recorrente de exercer o seu direito de recurso de forma cabal, o que se traduz numa nulidade sujeita ao regime do artº 205º, nº 1 do CPC.

3) Por outro lado, a resposta dada pelo Mmº Tribunal a quo à matéria de facto, não reflecte um exame crítico das provas oferecidas no julgamento, não as valorando nem indicando os meios de prova, bem como também não indicou o raciocínio lógico e condutor que levaram às respostas, isto de modo a que se passe de convencido a convincente.

4) Como bem anotou a este propósito, o distinto Professor Antunes Varela, e outros in Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 647: “O tribunal colectivo tem de fundamentar a sua convicção quanto aos factos que considere provados (art. 653º nº2 do CPC). Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado), dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esse meio de prova”.

5) Com a reforma efectuada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro ao art. 653º nº 2 do CPC, passou a exigir-se outrossim, idêntica fundamentação para os factos não provados, isto por imperativos constitucionais.

6) A propósito da nova redação a este preceito adjectivo, importa ter presente a magistral lição do Professor Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa 1997, pág 348: Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a (ou a falta) de prova, dos factos (art. 653º nº2). Como, em geral, as provas produzidas em audiência final estão sujeitas à livre apreciação (art. 655º nº1, 652º nº3, als b) a d), o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do Juiz, mas a permitir que o Juiz convença os terceiros da correção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o Juiz deve passar de convencido a Convincente. A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhum quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o Tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção”.

7) Como salientou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº4572/02, 2ª Secção, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador André Santos: “A necessidade de fundamentação prende-se com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no estado de direito contra o arbítrio do poder judicial – Cfr. O Ac. Nº55/85 do TC., de 25.3.1985: Acs TC, 5-467 e Prof. Vaz Serra, Direito Processual Civil – Do Antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p 211.

8) A exigência de fundamentação, quer dos factos provados, quer dos factos não provados tem, pois, natureza imperativa, constituindo um princípio geral consagrado na Constituição para as decisões judiciais.

9) Dúvidas inexistem, face ao exposto, que o acórdão do colectivo quanto à matéria de facto não satisfaz as exigências mínimas de fundamentação, pois, 10) Impõe o nº 3 do artº 659º do CPC, que o Tribunal faça “o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer” 11) É hoje pacífico que “Na apreciação da prova, o nº 3 do artº 659º do CPC apenas comete ao juiz o dever de fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, o que sucede apenas quanto às que têm valor probatório fixado na lei (documentos exornados de força probatória plena, factos admitidos por acordo ou confissão das partes) para considerar determinados factos como provados” (Ac. STJ, de 16/12/2004: Proc. 04B3896.dgci.Net).

12) Ainda: “Na fundamentação da sentença, o juiz deve fazer o exame crítico das provas de que lhe cabe conhecer: art.º 659º nº 3 do CPC II – Essas provas, cujo exame crítico o juiz deve fazer na fundamentação da sentença, não são as mesmas provas de que fala o artº 655º do CPC: a) quando decide a matéria de facto nos termos do art.º 655º, o juiz aprecia as provas de livre apreciação; b) quando fundamenta a sentença nos termos do artº 659º nº 3, o juiz examina as provas que lhe cabe conhecer nesse momento, e que são as provas resultantes de presunções legais ou com valor legal fixado, se ainda não utilizadas, os ónus probatórios e os factos admitidos por acordo na audiência de julgamento III – Por isso, se as provas produzidas foram todas provas de livre apreciação, não há provas cujo exame crítico deva ser feito na sentença, visto que o juiz não pode reapreciar na sentença as provas de livre apreciação, cujo exame crítico foi já feito no momento do julgamento da matéria de facto” (Ac. STJ de 10/05/2005: Proc. 05ª963.dgsi.Net.) 13) Como se pode verificar pela análise do acórdão recorrido, o mesmo não obedece aos critérios de fundamentação acima aludidos.

14) Isso acontece, in casu, com, pelo menos, as decisões constantes dos seguintes pontos do acórdão recorrido: II.2.2.7 – Danos não patrimoniais; II.2.3.3 – Encerramento da UCI do serviço de Medicina entre 13 e 17/9/99; II.2.3.3 – Custos da reparação do ar condicionado da UCI; II.2.3.5 – Remunerações pagas a B…….., até 31/01/01; II.2.3.6 – Danos Emergentes do encerramento do Serviço de Medicina (incluíndo a UCI) entre 18/09/99 a 30/11/99; II.2.3.7 – Limpeza das Instalações; II.2.3.10 – Custo da Segunda Cobertura Provisória; II.2.3.11 – Acréscimo das despesas de fiscalização; II.2.3.13 – Acréscimo do custo dos trabalhos suprimidos à A.

II.2.3.14 – Despesas efectuadas e a efectuar, relacionadas com o tratamento e a recuperação da funcionária B………., a determinar em execução de sentença, e por qualquer indemnização que venha a ser atribuída e fixada à mesma a qualquer título incluindo por incapacidade temporária ou definitiva, total ou parcial; 15) Deve, portanto, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 4 do art.º 712º do CPC, o Mmº Tribunal ad quem, determinar que o Tribunal a quo fundamente devidamente o acórdão recorrido, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, repetindo a produção de prova quando necessário.

16) Relativamente à decisão da 1ª Instância, no que diz respeito à Rescisão do Contrato, a mesma é absolutamente inadmissível, e mesmo jurídica e eticamente incomportável, face à factualidade dada por provada e assente pelo Mmº Tribunal a quo.

17) Recuperemos e conjuguemos, pois, os factos dados como provados e/ou totalmente incontroversos relativamente à rescisão do contrato por parte da recorrente.

18) A execução dos trabalhos suprimidos à recorrente foi adjudicada pelo R. a outra empresa, pelo preço constante dos documentos a fls 378 (131º Facto Provado, alínea ee) e hh) dos factos assentes).

19) Por carta datada de 18 de Outubro de 1999, a R. comunicou à A. a sua decisão de suprimir um total de 18 733 306$00 e avisou que iria entregar os trabalhos supridos a outra empresa – cfr. docs a fls 271 e 378.

20) Ora, de tais factos, só poderiam resultar na verificação da legitimidade com o que recorrente actuou ao avançar para a rescisão do contrato de empreitada que mantinha com a recorrida. Porquanto, 21) A recorrida é um ente público administrativo, sujeito, portanto, às leis administrativas em todos os seus actos.

22) Dos factos assentes, resultou ab initio provado (alíneas ee) e hh) que a A. rescindiu contrato de empreitada em causa e que a R. aceitou tal rescisão, tendo, porém, recusado pagar indemnização devida, bem como as quantias que à data se mostravam em dívida (doc. a fls 29 e 271).

23) Ora, bem sabemos que nos contratos administrativos de empreitadas de obras públicas, os actos praticados pelo dono de obra são meramente opinativos – art. 186º do CPA e 227º do RJEOP.

24) Porém, estas normas devem ser interpretadas restritivamente aos actos praticados contra posições assumidas pelo empreiteiro, sob pena de se cair numa situação absurda de nemo auditar propriam turpitudinem allegans.

25) Os demais actos praticados pelo dono de obra são actos administrativos dotados de ius imperii, i.e., eficazes logo que proferidos – art. 127º do CPA.

26) Ora, in casu, o acto de aceitação da rescisão do contrato, operando ex nunc, é um acto constitutivo, na medida em que fez extinguir a relação jurídica emergente do contrato de empreitada de obra pública em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT