Acórdão nº 1102/12.6TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelANA LUISA GERALDES
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – 1. C...

Instaurou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra: L...

Pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 61.957,58, acrescida de juros vencidos relativos aos últimos cinco anos, que liquida no montante de € 28.303,19, e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal para as empresas comerciais.

Alegou para o efeito, e em síntese, que exerce a actividade seguradora e que no exercício dessa actividade celebrou com o Despachante oficial M... um contrato de seguro de caução global para desalfandegamento de diversas mercadorias.

Acontece que nem o referido Despachante nem os importadores pagaram à Alfândega os direitos e demais imposições aduaneiras devidos pelas mercadorias desalfandegadas, e por isso a Alfândega de Lisboa notificou a Autora para proceder aos pagamentos dessas quantias, o que a Autora fez.

Assim, pretende a Autora que Ré lhe pague a quantia que despendeu com a importação efectuada, já que a Ré nada quer pagar.

  1. Contestou a Ré:

    1. Por excepção – invocando a prescrição dos créditos da A.

    2. Por impugnação – referindo que entregou ao Despachante M,,, um cheque, bem como à Direcção-Geral do Tesouro, para pagamento das quantias em dívida, cheque que foi apresentado a pagamento e pago, por isso nada deve.

    Conclui argumentando que a Autora age com manifesto abuso de direito e litiga de má-fé, omitindo factos que sabe serem essenciais para a justa decisão da causa.

  2. Na réplica a Autora alegou que a Ré falta conscientemente à verdade.

  3. Foi proferido saneador que julgou improcedente a excepção da prescrição.

  4. Realizada a audiência de julgamento foi exarada sentença na qual o Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 61.957,58, acrescida de juros vencidos e vincendos desde 23/05/2007, às taxas e nos termos que constam da sentença, a fls. 391, absolvendo a Ré do mais peticionado.

  5. Inconformada a Ré Apelou, com o conteúdo e desenvolvimento que as suas longas conclusões espelham, a fls. 402 e segts, onde se mostram formuladas as questões que se elencam, em síntese, nos seguintes termos: A – A incompetência material dos Tribunais Comuns, alegando que o presente litígio integra matéria da exclusiva competência material dos Tribunais Administrativos e Fiscais e não dos Tribunais Comuns, porquanto a Recorrente entende que o que está claramente em causa é um litígio emergente de relações jurídicas tributárias, de natureza tributária, relativa a uma pretensa dívida de imposto aduaneiro ou alfandegário, pretendendo a C... o reconhecimento judicial do pretenso crédito tributário que teria adquirido por sub-rogação, e do qual veio a exigir de novo à Recorrente o pagamento daqueles direitos aduaneiros.

    B – A impugnação da matéria de facto – defende a Ré/Recorrente que nunca poderia dar-se por provado o que consta dos nºs 2 a 4, e 6 dos factos provados, relativos ao contrato de seguro, que teria sido celebrado entre a C... e o Despachante oficial M..., pois não se provou a celebração de tal contrato de seguro, cujo ónus incumbia à A.

    C – A inexistência do crédito reclamado pela Autora C... – defende a Ré que tal crédito não existe porque o credor tributário originário – Alfândega de Lisboa – não tinha fundamento ou legitimidade para reclamar o pagamento que já lhe tinha sido feito através de cheque emitido pela própria Ré à sua ordem, em 13/7/2001 (cf. docs. fls. 51 e 174 dos autos) e a C... nunca poderia ter adquirido por sub-rogação qualquer crédito sobre a Ré de que o credor originário – Alfândega de Lisboa – não era titular, pois apenas podia ter obtido sub-rogação sobre as dívidas daqueles terceiros, que foram beneficiados à custa do património da Ré/Recorrente. Também ao contrário do que foi decidido na sentença, a Alfândega de Lisboa nunca poderia exigir à Recorrente o novo pagamento dos direitos alfandegários, pois foi creditada na sua conta o valor do cheque emitido a favor da Direcção-Geral do Tesouro, pelo que, nem o referido Despachante, nem a Seguradora/Autora C... têm legitimidade para pedir um segundo pagamento à Ré.

    D – A Inexistência e inoponibilidade do contrato de seguro – a Recorrente defende, relativamente à matéria de facto que impugnou neste recurso, que não se provou a veracidade ou a celebração do contrato de seguro-caução, contrato no qual a Ré/Recorrente nem sequer foi parte ou interveniente, pelo que, não lhe é oponível o pretenso direito de regresso por créditos tributários de que a Autora C... se arroga na presente acção.

    E – Do abuso de pretensos direitos da C... – alegação que a Ré funda, entre outros factos, no da Autora C... bem saber que a Ré já efectuou o pagamento legalmente devido à Alfândega de Lisboa, através do citado cheque (cf. fls. 174 dos autos), pelo que só pode litigar de má-fé.

    Termina a Ré concluindo em sede recursória que seja declarada: - A incompetência material dos Tribunais Comuns em razão da matéria, ou, se assim não se entender, - Revogada a sentença com as legais consequências.

  6. Foram apresentadas contra-alegações nos termos que os autos documentam.

  7. Corridos os Vistos legais, Cumpre Apreciar e Decidir.

    II – O Direito: - Está em causa, em sede recursória, saber: Primo: Uma questão que consideramos prévia, pelas consequências que determina: a incompetência dos Tribunais Comuns; Secundo: A Impugnação da matéria de facto; Tertio: As restantes questões jurídicas onde se inclui, nomeadamente, a questão de saber se existe crédito e se a Ré pode ser condenada a pagar a quantia peticionada pela Autora C...

    Decidindo: 1. A (in)competência dos Tribunais Comuns: 1.1. Tem razão a Recorrente quando refere, sobre esta matéria, que o despacho saneador proferido pela 1ª instância – no qual se decidiu que “o Tribunal é competente, em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia” – não apreciou concretamente a questão da incompetência material e absoluta do Tribunal e, por isso, não preclude a sua arguição e apreciação.

    Com efeito, é uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de que em tal circunstância considera-se esse despacho como sendo um “despacho tabelar”, que nada apreciou ou decidiu em concreto e, como tal, encerra em si mesmo uma mera declaração genérica de competência não constituindo, por isso, caso julgado formal.

    O mesmo é dizer que se entende que tal questão não se mostra, só por si, encerrada, pelo que continua a ser possível a apreciação, de novo, desse pressuposto genericamente aferido de modo a decidir-se se o Tribunal é ou não materialmente (in)competente.

    Contudo, não podemos deixar aqui de sublinhar que, nada tendo sido alterado em matéria inicial quanto à alegação de factos, no que concerne à sua essência e pedido formulado, com indicação da respectiva causa de pedir, a Ré na sua contestação nada arguiu relativamente à competência do Tribunal, só o fazendo, agora, em sede recursória. Embora a lei não vede expressamente essa possibilidade, a verdade é que a Ré nada referiu anteriormente nos articulados sobre o que agora apelida de incompetência material. E a nosso ver fê-lo então com acerto porquanto, ao invés do que agora pretende ver declarado, essa incompetência não existe.

    1.2. Efectivamente, no caso sub judice, a Autora não fundou o seu pedido na existência de uma dívida tributária, nem na sub-rogação de nenhum crédito fiscal que eventualmente a Recorrida pudesse deter, não estando em causa nenhum crédito fiscal.

    O pedido mostra-se consubstanciado num contrato de seguro-caução “global para desalfandegamento” que a Autora/Recorrida invocou ter celebrado com o Despachante oficial M... e que tal contrato garantia à Alfândega de Lisboa o pagamento de determinada quantia até ao limite do seguro.

    De acordo com a versão apresentada, o referido Despachante oficial procedeu ao desalfandegamento de certas mercadorias e não as pagou à Alfândega, tendo a Autora acabado por liquidar tais quantias. Daí que a Autora pretenda, através dos presentes autos e ao abrigo do contrato de seguro celebrado, recuperar o dinheiro que pagou, já que o citado Despachante oficial não dispõe de capacidade económico-financeira para lhe pagar, nem possui quaisquer bens.

    Ora, o regime especial da Caução Global para Desalfandegamento mostra-se regulado por diversos diplomas legais, entre os quais os Decretos-Lei nºs 289/88, de 24 de Agosto e 294/92, de 30 de Dezembro, e o Despacho Normativo nº 78/88, de 23 de Setembro.

    E de acordo com a Lei Geral Tributária em vigor – Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro – as relações jurídico-tributárias estão reguladas por tal diploma mas sem prejuízo do disposto no direito comunitário e outras normas de direito interno ou internacional que lhe sejam aplicáveis.

    Por sua vez o Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, que se reporta expressamente ao sistema de caução global para desalfandegamento, refere expressamente que: Art. 2º 1 - No âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis.

  8. O despachante oficial e a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas.

    [1] Quer isto dizer que a Autora/Recorrida goza, por força desta norma, do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições – a aqui Ré/Recorrente – ficando sub-rogada nos termos preceituados na citada norma.

    Ponto é que se provem...

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