Acórdão nº 1146/14.3YRLSB-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS MARINHO
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa: SUMÁRIO I. A necessidade de assegurar o acesso universal ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva associa o problema da real afirmação dos direitos dos cidadãos e das pessoas colectivas a uma esfera cautelar, específica, assinalada pelas necessidades de produção de celeridade – que acarreta as imposições de ligeireza no uso dos meios e do tempo e de alijamento do rigor no processo de formação da convicção – e de elaboração de juízos apontados a um tipo específico de protecção: a tutela temporária. Aqui, existe uma ligação estrita e instrumental entre o direito e o processo veicular da sua defesa tempestiva, ou seja, entre aquele e a providência orientada para o manter «vivo» e possível até à decisão definitiva do litígio; II. A tutela prematura – no sentido de antecipada face à emergente da solução a obter na acção principal – só pode ser concretizada mediante alguns atalhos ou simplificações de natureza processual. Assim, a mesma é feita através do uso conjunto ou separado de mecanismos de redução dos lapsos temporais e da imposição do seu curso contínuo, sem interrupções, designadamente em períodos de férias, de compressão do contraditório, de definição de restrições probatórias e, com particular relevo, de alteração dos mecanismos psicológicos de avaliação e formação da decisão, que se aligeiram.

III. Quer isto dizer que, num sistema de direito adjectivo convenientemente desenhado, não existe, em teoria, coincidência ou paralelismo entre as acções principais e os procedimentos cautelares garantísticos. A prevalência dos factores celeridade e efectividade sobre os meramente qualitativos e de adequação à noção de justiça material produz, inelutavelmente, o descolamento entre um tipo de processo e outro.

IV. Num tal contexto, não pode o Tribunal rejeitar liminarmente a providência cautelar com fundamento na existência de paralelismo temporal e de esforços instrutórios entre a acção e a providência.

I. RELATÓRIO 1. NOVARTIS AG, LTS - LOHMANN THERAPIE-SYSTEM AS e NOVARTIS FARMA - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram, perante Tribunal Arbitral, procedimento cautelar contra GENERIS FARMACÊUTICA, S.A., neles melhor identificada, por intermédio da qual apresentaram pedido do seguinte teor: «a. Intimação da Requerida a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos identificados (…) ou, com estas ou outras designações ou marcas, qualquer medicamento com a forma farmacêutica de sistema transdérmico contendo Rivastigmina para utilização num método de prevenção, tratamento ou retardação da progressão da demência ou da doença de Alzheimer, em que a dose de partida é 4.6mg/24h durante a vigência da EP 2292219, isto é, até 10 de outubro de 2026.

  1. Intimação da Requerida a retirar imediatamente do mercado, a suas expensas, os medicamentos identificados (...), em qualquer das suas formulações e dosagens, e a abster-se de, quanto aos mesmos, praticar as atividades mencionadas em (a), nos termos ai referidos; c. Intimação da Requerida, com vista a garantir o exercício dos direitos das Requerentes, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no artigo 47.º do presente requerimento, até à referida data de caducidade da EP 2292219; Mais se requer, nos termos das disposições conjugadas do artigo 338.°-I, n.° 4 do CPI, do artigo 365.° do CPC e do artigo 829.°-A do CC, que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a €14.000,00 (catorze mil euros), a ser paga pela Requerida às Requerentes por cada dia de atraso no cumprimento da intimação que lhe vier a ser feita nos termos do acima requerido.

    Requer-se, por fim, seja a Requerida condenada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente ação arbitral, e ainda a reembolsar as Requerentes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas Requerentes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Requerida, bem como os honorários dos mandatários das Requerentes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.» Alegaram, para o efeito, que: são, em conjunto, as titulares da Patente Europeia n.º 2292219 Bl («EP 219»), que se encontra em vigor no território nacional até 10 de outubro de 2026; tal patente protege o uso da substância activa Rivastigmina no âmbito de um método de tratamento destinado a prevenir, tratar ou retardar a progressão da demência ou da doença de Alzheimer; as Requerentes desenvolveram um método de tratamento que consiste na utilização da Rivastigmina via sistema terapêutico transdérmico («TTS»), sendo a dose de partida simultaneamente tolerável e eficaz; com esta invenção, alcançou-se um ponto substancialmente melhorado entre uma reduzida dose de partida (prevenindo problemas de tolerância) e a dose mínima eficaz (permitindo o início do tratamento na dose de partida); o TTS dos medicamentos Novartis aprovado pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., tem três diferentes tamanhos (5, 10, e 15 cm2) com, respectivamente, 9 mg, 18 mg e 27 mg de dose carregada de Rivastigmina, com as seguintes designações: «Exelon® 4.6 mg/24 h, sistema transdérmico», «Exelon® 9.5 mg/24 h, sistema transdérmico» e «Exelon® 13.3 mg/24 h, sistema transdérmico»; a reivindicação da EP 219 deverá ser entendida como protegendo a Rivastigmina para utilização num método de prevenção, tratamento ou retardação da progressão da demência ou da doença de Alzheimer, em que a Rivastigmina é administrada num TTS e a dose inicial desse referido método é a mesma que a administrada pelo TTS de 5 cm2 dos medicamentos Novartis, i.e. é a de 4.6 mg/24 h; foram concedidas à Requerida, pelo INFARMED, as Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) para dois medicamentos genéricos com a forma farmacêutica de um TTS contendo Rivastigmina («Genéricos de Rivastigmina»); o medicamento de referência dos Genéricos Rivastigmina comercializados pela Requerida é o Exelon®, que contém a substância ativa Rivastigmina, com a forma farmacêutica «sistema transdérmico», encontrando-se autorizado para comercialização nas dosagens de administração correspondentes às AIMs solicitadas pela Requerida de 4,6 mg/24h e 9,5 mg/24h; a Requerida introduziu os Genéricos Rivastigmina no mercado, comercializando-os desde o dia 1 de fevereiro de 2014; dirigiu e continua a dirigir comunicações às farmácias, oferecendo os ditos medicamentos para venda e solicitando encomendas para os mesmos; os referidos medicamentos comercializados pela Requerida estão a ser vendidos em farmácias no território português, nas seguintes dosagens:

  2. Rivastigmina Generis, 9,5mg/24h, sistema transdérmico, 30 sistemas transdérmicos; b) Rivastigmina Generis 4,6mg/24h, sistema transdérmico, 30 sistemas transdérmicos; c) Rivastigmina Generis 4,6mg/24h, sistema transdérmico, 7 sistemas transdérmicos; a Requerida não solicitou nem obteve autorização das Requerentes para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da EP 219; existem a possibilidade e o risco de as AIM dos referidos medicamentos genéricos serem transferidas pela ora Requerida para terceiros; o mercado que a Requerida ambiciona vir a conquistar com o lançamento dos Genéricos de Rivastigmina tem, para ela, o valor (PVA) anual de € 4.792.876,00 (6 7.988.127,00 x 60%), correspondendo a uma receita diária de € 13.131,00.

    1. A Requerida opôs-se à providência peticionando que fosse julgada procedente a excepção de nulidade dos direitos de propriedade industrial, que arguiu, e, em consequência, que se declarasse a improcedência do procedimento com tal fundamento ou que tal improcedência fosse objecto de declaração com base na ausência de demonstração do alegado. Invocou, nessa sede, que: a patente das Requerentes não tem o âmbito alargado de protecção defendido no requerimento inicial; não se encontra finalizado o processo administrativo da patente EP 219 junto do Instituto Europeu de Patentes pois pendem diversas oposições, o que pode significar a sua recusa ou retificação num futuro próximo, com efeitos automáticos e imediatos sobre a validade e/ou o âmbito da EP 219 em todos os Estados Contratantes da Convenção da Patente Europeia, incluindo Portugal; os medicamentos genéricos da Requerida possuem características que os diferenciam da reivindicação única da EP 219 e que afastam a alegada violação dos direitos das Requerentes; o pedido formulado pelas Requerentes de condenação da Requerida a não vender ou ceder a terceiros as AIM identificadas referidas nos autos é ilícito e mesmo inconstitucional por pretender introduzir uma limitação nos seus poderes de disposição; o pedido das Requerentes de condenação da Requerida...

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