Acórdão nº 2545-11.8TVLSB.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Abril de 2015
Magistrado Responsável | MARIA DE DEUS CORREIA |
Data da Resolução | 16 de Abril de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO: M ...
instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C ...
, pedindo seja anulado o acórdão arbitral de 2 de Novembro de 2011.
A autora fundamentou essencialmente a sua pretensão na incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido e na violação dos princípios do contraditório e da audição das partes antes de ter sido proferida a decisão final.
Citada, a ré apresentou contestação, através da qual, além de impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, sustentou que o tribunal arbitral decidiu correctamente acerca da sua própria competência e que foram observados durante o processo arbitral os princípios cuja violação é acusada pela autora.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o valor processual da causa, identificado o objecto do litígio e enunciado o tema da prova.
Realizou-se a audiência final e, decorridos todos os trâmites legais foi proferida sentença que decidiu julgar a acção “totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a ré do pedido formulada pela autora, não decretando a anulação da decisão arbitral impugnada”.
Inconformada com esta decisão, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a Ré, ora Recorrida, do pedido formulado pela Autora, não decretando a anulação do acórdão arbitral proferido em 2 de Novembro de 2011, por um tribunal arbitral constituído pelos árbitros Srs. Drs. M..., J... e J..., o qual foi rectificado por adenda datada de 15 de Novembro de 2011.
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No Acórdão cuja anulação se requer, o Tribunal Arbitral declarou a existência do direito de opção de recompra da ora Recorrida, consagrado na “Opção de Recompra”, que tem por objecto as 1.630 acções representativas de 16,3% do capital social da sociedade G..., que a ora Recorrida cedera à ora Recorrente mediante o “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos” e que o mesmo foi exercido nos termos prescritos no mencionado acordo. Foi por este motivo que foi decretada a transferência do direito de propriedade sobre as 1.639 acções em causa da ora Recorrente para a Recorrida pelo preço de €8.557,50, com efeitos a 9 de Junho de 2010, condenando a ora Recorrente a entregar à Recorrida as referidas 1.630 acções, pelo preço de €8.557,50, pago através de depósito desta quantia efectuado à ordem do Tribunal Arbitral e cujo débito se extinguiu por compensação, em virtude da ora Recorrente ter sido condenada a pagar as custas da acção arbitral, já adiantadas por aquela.
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A ora Recorrente entendeu que a sua condenação pelo Tribunal Arbitral não era válida, tendo dado início à presente acção de anulação, onde sustentou – tal como sustentara na contestação da acção arbitral – que o litígio atinente à opção de recompra de acções – pactuada posteriormente à celebração do referido “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos” – não estava incluído na convenção de arbitragem, daí decorrendo a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e julgar tal litígio.
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A Recorrente invocou como fundamentos para anulação do Acórdão Arbitral a Incompetência do tribunal arbitral para dirimir o presente litígio (onde também se inclui o facto de o Tribunal Arbitral ter violado o prazo para a prolação da decisão arbitral) e a violação do princípio do contraditório na fase de produção da prova e do princípio da audição das partes antes de ser proferida a decisão final, fundamentos que foram julgados improcedentes pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida.
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Com o presente recurso, a Recorrente pretende não apenas a reapreciação da questão de direito, mas também da matéria de facto quanto à resposta positiva e concomitante resposta negativa dada pelo Tribunal “a quo” ao Facto Provado 36) e ao Facto Não Provado a) (correspondente ao alegado no artigo 7.º da petição inicial), que considera mal decididas, por não resultarem da prova produzida nos autos, nomeadamente da documental e testemunhal.
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Do ponto 36) dos Factos Provados ficou a constar que “À data de 7 de Maio de 2009, já D..., então administrador da Ré e da sociedade G..., abordara B..., então administrador da Autora, no sentido desta reconhecer à Ré um direito de opção de recompra”, tendo o Tribunal “a quo” fundamentado a resposta dada da seguinte forma: “A factualidade provada em 36) fundou-se essencialmente no depoimento de dois dos intervenientes nas negociações que conduziram à celebração dos acordos em causa, B... e D.., ambos concordes no relato de que, pelo menos na altura da assinatura do “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos”, falou-se na possibilidade de reconhecimento, por parte da autora, de um direito de opção de recompra, por parte da ré.
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Tal Facto Provado 36) é contraditório com os Factos Provados 37) e 38), dos quais ficou a constar que a “Opção de Recompra” foi assinada quer pela Autora, quer pela Ré, em data posterior a 7 de Maio de 2009 e que tal documento foi redigido pelo Advogado da Autora, de acordo com instruções recebidas desta. H. A prova documental e testemunhal produzida nos autos impunha, pois, resposta diversa, no mínimo parcialmente positiva quanto ao facto alegado no art. 7º da petição inicial e totalmente negativa quanto ao Facto 36), uma vez que ficou amplamente demonstrado que a discussão acerca da concessão da opção de recompra não foi contemporânea da venda de acções e suprimentos pela Recorrida à Recorrente, formalizada na data de 7 de Maio de 2009, surgindo, quanto muito, a abordagem a essa eventual possibilidade nesta data.
I. O Tribunal “a quo” não valorizou devidamente o depoimento de B... (que prestou o seu depoimento no dia 02-12-2013 às 9:43:17, conforme consta da gravação), conjugado com o depoimento de P..., Professor de Direito, Advogado e autor material dos documentos em causa (que prestou o seu depoimento no dia 21-11-2013 às 9:49:29, conforme consta da gravação), os quais foram unânimes ao afirmar que, durante as negociações para celebração do “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos”, que duraram vários meses e que culminaram com a assinatura desse documento no dia 7 de Maio de 2009, nunca tinha sido sequer aventada antes entre as Partes a possibilidade de existir uma opção de recompra da ora Recorrida.
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Ora, sendo a “Opção de Recompra uma promessa unilateral da Recorrente, o depoimento das referidas testemunhas B... e P..., constituía o meio de prova privilegiado para aferir da real vontade das partes.
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Inclusivamente, tais depoimentos coincidentes não foram contrariados sequer pelo depoimento de D... (que prestou o seu depoimento no dia 02-12-2013 10:31:52, conforme consta da gravação), accionista e representante da Recorrida, que acompanhou a negociação e celebração dos contratos dos autos e confirmou que todos os documentos contratuais foram elaborados por P..., de acordo com instruções recebidas da Recorrente, acabando por confessar que só pediu a opção de recompra após o “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos” estar concluído.
L. A prova produzida nos autos impunha, assim, que o Facto 36) recebesse a seguinte redacção: “Após a formalização do contrato acima referido, os accionistas da C... abordaram a família M..., na pessoa do administrador e vice-presidente da M..., Senhor B..., no sentido de lhes ser concedida a possibilidade de a ré poder recomprar a sua posição na sociedade, ultrapassada que estivesse a falta de liquidez que originara a venda da mesma à autora.” M. A situação dos autos pode resumidamente ser configurada da seguinte forma: dois contratos diferentes celebrados em momentos diferentes, mas com alguns contraentes idênticos (já que no segundo contrato, havia mais uma terceira parte, a G...), em que o primeiro contém uma cláusula arbitral e o segundo não e sem qualquer cláusula de remissão para o primeiro. Surgindo um litígio em relação ao segundo contrato: é-lhe ou não aplicável a convenção de arbitragem existente no primeiro contrato? N. A sentença recorrida enumera correctamente a principal questão de direito a solucionar: “o problema redunda, fundamentalmente, na interpretação da vontade das partes, no contexto contratual específico do caso concreto, interpretação que pode assentar em alguns indícios que fazem presumir (ou não) a extensão da cláusula compromissória. Portanto, o que está verdadeiramente em causa, o que é necessário aferir, é se há acordo escrito quando à celebração da convenção de arbitragem”.
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Aferir se existe uma convenção de arbitragem válida aplicável ao litígio dos autos revela-se a questão essencial a resolver pelo Tribunal “ad quem” para decidir (ou não) pela anulação do Acórdão Arbitral, pois dada uma resposta negativa – como se espera – resulta que os outros fundamentos de anulação invocados pela ora Recorrente – violação do prazo para prolação da decisão arbitral e violação do princípio do contraditório na fase de produção da prova e do princípio da audição das partes antes de ser proferida a decisão final – ficarão naturalmente prejudicados e a acção será procedente.
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Têm sido essencialmente duas as vias tomadas pela doutrina e pela jurisprudência para a extensão da convenção de arbitragem a contratos que a não contêm: a incorporação por remissão; por outro e, na ausência de remissão, extensão através da interpretação da vontade das partes.
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As duas decisões jurisdicionais sobre este caso – do Tribunal Arbitral e do Tribunal “ a quo” – embora coincidentes na conclusão, têm fundamentos distintos: o Tribunal Arbitral decidiu sem referência à tese da incorporação por remissão e ao artigo 2.º n.º 2 LAV86, aludindo, sem produção de qualquer prova, somente à complementaridade entre os contratos para...
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