Acórdão nº 375014/09.5YIPRT de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa - 7.ª secção Nos presentes autos de acção ordinária, assim transmutada após a remessa à distribuição na sequência da dedução de oposição, em que é autora “Mar… SA” e réu VA, foi suscitada oficiosamente a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal judicial da comarca de C… para a preparação e julgamento da causa.

A autora respondeu dizendo que o tribunal competente é o da jurisdição comum e não os tribunais administrativos, acrescentando, contudo, serem estes os competentes no que diz respeito ao conhecimento do pedido reconvencional.

O tribunal recorrido julgou procedente a excepção de incompetência e declarou o Tribunal de Comarca de … incompetente para o conhecimento da causa, e competentes para o efeito os Tribunais da jurisdição administrativa, e, consequentemente, absolveu A. e R. da instância.

Inconformada apelou a autora, concluindo as alegações como segue: 1. Em primeiro lugar, mal andou o Tribunal ao analisar – e, a final, decidir – a sua incompetência material de forma global e sem qualquer ponderação individualizada face a cada um dos pedidos (inicial e reconvencional) em apreço nestes autos que, no caso, efectivamente justificariam uma análise específica, conducente a uma decisão distinta quanto à identificação do Tribunal materialmente competente para o seu julgamento.

  1. A “MAR SA” é uma sociedade de direito privado. É também a entidade Concessionária da MARINA..., muito embora tenha actuado, na sua relação contratual com o Réu Recorrido VA, desprovida de poderes de autoridade e sem que as partes tenham expressa ou implicitamente remetido a regulação da sua relação a um regime substantivo de direito administrativo, não sendo, de resto, objecto dos presentes actos a fiscalização da legalidade de um qualquer acto jurídico praticado pela Recorrente na qualidade de Concessionária da MARINA....

  2. A causa de pedir do pedido formulado nos autos pela Autora Recorrente assenta no alegado incumprimento, pelo Réu Recorrido, do Contrato de Cessão do Direito de Utilização de Estabelecimento Comercial, no que se reporta à sua obrigação de pagamento das taxas de manutenção mensalmente facturadas. Trata-se de um contrato de natureza e objecto exclusivamente de direito privado, no âmbito ou por referência ao qual as partes não remeteram a subordinação da sua disciplina jurídica para o direito substantivo administrativo.

  3. O Contrato de Cessão do Direito de Utilização de Estabelecimento Comercial que constitui causa de pedir do aludido pedido condenatório (i) não reveste objecto susceptível de acto administrativo, (ii) não se mostrando por qualquer modo regulado por normas de direito público, nem (iii) foi sido objecto de uma expressa remissão, das partes, para aplicação de um regime substantivo de direito público, 5. E a obrigação contratual em cujo incumprimento a Recorrente alega incorrer o Réu Recorrido – a obrigação contratual de pagamento das ditas taxas de manutenção mensais – não reveste, ela própria, uma qualquer natureza ou regulamentação administrativa e/ou de direito público, 6. Não tendo a Autora Recorrente, por referência às sobreditas obrigações contratuais que constituem causa petendi do seu pedido ou, mais genericamente, por referência à esquemática contratual e às obrigações contratuais que impendem sobre as partes em resultado do contrato celebrado, actuado no exercício de poderes de ius imperii, tal como exigem as alíneas d) e f) do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF.

  4. A circunstância de a Recorrente ser a entidade Concessionária da MARINA... todavia não desvirtua o óbvio, ou seja, o objecto e a natureza daquele contrato e a relação jurídica em seu resultado estabelecida entre as partes: trata-se de uma relação de cariz unicamente privado, no âmbito da qual nenhuns poderes de autoridade são exercidos pela Recorrente.

  5. As partes acordaram a cessão de um direito de utilização de estabelecimento comercial contra o pagamento das quantias facturadas mensalmente em valor proporcional ao das despesas suportadas pela Recorrente com respeito à consecução do empreendimento da MARINA... e à promoção dos serviços necessários para esse efeito, contratados pela Autora Recorrente com empresas de natureza também privada.

  6. Nada, nesta esquemática contratual, indicia uma qualquer qualificação da aludida relação jurídica como uma relação jurídico-administrativa, portanto susceptível de determinar a aplicação do mencionado artigo 4.º do ETAF; nem o pedido formulado pela Recorrente assenta numa sua actuação e/ou inter relação com o Recorrido VA sob a veste de autoridade pública, 10. Donde resulta não estar também em consideração nos autos – pelo menos no que se reporta ao pedido formulado pela Recorrente - assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e/ou dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, missão que está legalmente consignada à esfera de competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  7. Da mera transmissão de poderes de concessão da MARINA... a uma parte destes autos (a Recorrente) não resultará mister concluir, sem mais, pela aplicabilidade das mencionadas alíneas d) e/ou f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, 12. Concluindo-se ao invés da letra e da ratio daquela disposição que, para além disso, necessária será uma actuação da entidade concessionária no comprovado “exercício de poderes administrativos”, que no caso, não só não surge alegada ou por qualquer forma demonstrada, como efectivamente não ocorreu e resulta infirmada em face da esquemática contratual e dos demais factos considerados indiciariamente provados pelo Tribunal a quo com respeito à relação contratual estabelecida entre a Recorrente e o Recorrido VA, 13. Pelo menos quanto ao pedido formulado pela Recorrente não está directa ou indirectamente em causa o seu cumprimento do Contrato de Concessão ou o cumprimento de quaisquer obrigações contratuais ou o exercício de quaisquer direitos contratuais daquele exclusivamente resultantes e de natureza administrativa.

  8. Necessário será, pois, distinguir entre i. a fixação dos valores exigidos pela Recorrente e a composição dos custos que para os mesmos concorrem (que não está, como se disse, por qualquer forma em causa nestes autos, pelo menos no que se reporta ao pedido condenatório formulado pela ora Recorrente) e, por outro lado, ii. a actividade da sua cobrança, esta meramente privada (esta sim em causa no pedido formulado pela ora Recorrente). Esta distinção não foi, no entanto, tomada em consideração pelo Tribunal a quo, que concluiu de forma indistinta e portanto, e como demonstrado, errada, pela sua incompetência material para o julgamento dos pedidos, inicial e reconvencional, formulados nos autos.

  9. O pedido de pagamento formulado nos autos pela Recorrente prende-se directa e exclusivamente com o Contrato celebrado livre e autonomamente entre as partes, de objecto unicamente privado, e, em especial, com o pedido de cobrança das quantias que o Recorrido contratualmente se obrigou a liquidar, cobrança que a Recorrente pretende por esta via efectuar, e sem qualquer dominus de autoridade sobre o Recorrido (que o referido contrato, de resto, não lhe reconhece, nem a este nem a qualquer outro título ou a propósito de qualquer outra actuação contratual). Tal pedido coaduna-se com a aplicação que deverá ser feita do disposto nas alíneas do artigo 4.º do ETAF acima enunciadas.

  10. Não havendo um qualquer “factor legal de ligação” do Contrato em apreço nestes autos ao “Direito Administrativo”, e não havendo também, como vimos já, qualquer ligação destes dispositivos contratuais à esfera de competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais por via da alínea f) do aludido artigo 4.º do ETAF, por inexistência de qualquer remissão expressa ou tácita para a aplicação do regime substantivo de direito administrativo ou sequer directa ligação ao exercício da actividade concessionada à Recorrente e aos poderes de autoridade que por esta via lhe foram concedidos, resultará pois necessário concluir pela reversão do entendimento pugnado a este respeito pelo Tribunal a quo.

  11. No sentido supra exposto aponta a doutrina e a jurisprudência acima citadas, entre a qual se encontram dois Acórdãos proferidos em processos em que é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT