Acórdão nº 2030/12.0TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO ER intentou ação de impugnação de paternidade estabelecida por perfilhação, sob a forma de processo ordinário, contra JR, pedindo que se declare que o réu não é filho de IR, ordenando a retificação do registo de nascimento do mesmo, atenta a nulidade do ato de perfilhação, por não corresponder à verdade biológica.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que após a morte de seu pai, IR, soube que o réu, perfilhado pelo falecido, não era afinal seu filho.

Contestou o réu, alegando, em síntese, que desconhece se é ou não filho biológico de IR, mas sempre foi tratado e querido como filho, e, de qualquer modo, mesmo que tal não se venha a confirmar, deve prevalecer a paternidade socioafetiva, assente numa adoção irregular, mas irrevogável, por consolidada pela posse de estado de filho em ato registral que não enferma de vício de consentimento, garantindo-se, assim, o princípio o cumprimento do postulado da dignidade humana e os princípios constitucionais relativos a essa matéria vertidos nos artigos 18.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 8.º e 14.º da CEDH e artigos 1.º, 7.º, 24.º, 33.º e 54.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

Pediu ainda a produção antecipada de prova testemunhal quanto ao depoimento de AG, o que foi deferido por despacho junto a fls. 104.

Foram os autos saneados e elaborada a matéria assente e a base instrutória (fls. 114-116), a qual foi aditada em consequência da reclamação do réu (fls. 133) Foi realizada prova pericial, encontrando-se o relatório do exame pericial a fls. 153-156.

Consta da ata de audiência final realizada no dia 23/04/2014 (fls. 189), o seguinte: “A seu pedido, foram os Il. Mand. das partes ao gabinete da Mm:º Juíza onde ambos disseram prescindir das respetivas provas pessoais, bem como das alegações orais.” Foi proferida sentença, em 23/05/2014, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor: “Pelo exposto, julgo a ação totalmente provada e procedente, declarando que o R., JR, não é filho de IR.

Determino a exclusão da paternidade e da avoenga paterna do assento de nascimento do R. (n.° 14908, de 2008, da 11.ª CRC de Lisboa).” Inconformado, apelou o réu apresentando as conclusões de recurso que se encontram a fls. 234-247, que aqui se dão por reproduzidas (mas que não se transcrevem dada a sua extensão e falta de suporte informático de apoio), pugnando pela revogação da sentença, ou caso assim não se entenda, pela improcedência da ação por se considerar irrevogável a perfilhação não obstante a mesma não corresponder à verdade biológica.

Contra-alegou a autora conforme consta de fls. 250 e seguintes, pugnando pela confirmação da sentença.

O Ministério Público igualmente apresentou contra-alegações nesse sentido (fls. 312-319).

II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC 2013), as questões a decidir considerando as conclusões de recurso do autor, são as seguintes: - Nulidade da sentença por não ter emitido pronúncia sobre a declaração do réu quando prescindiu de toda a prova, incluindo a prestada antecipadamente; - Impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 5.º a 16 da base instrutória; - Subsidiariamente, caso a decisão sobre a matéria de facto não seja alterada, nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas na contestação em relação à alegada posse de estado de filho, irrevogabilidade da “adoção irregular”, por ser reconhecido constitucionalmente e no direito internacional o princípio da afetividade em matéria de filiação (paternidade socioafetiva).

B- De Facto A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto: “Por confissão em sede de articulados ou documento autêntico 1. ER nasceu em 7 de janeiro de 1976 e foi registada como filha de IR, casado, e de OC, solteira (A).

  1. JR encontra-se registado como tendo nascido em 18 de dezembro de 1987, em Lisboa, e como filho biológico de IR, casado, e de MP, divorciada (B).

  2. O registo foi lavrado por declaração dos referidos IR e MP (v. menção «Declarantes: os pais», no assento de nascimento, fls. 198 dos autos).

  3. IR faleceu em 3 de fevereiro de 2012, no estado civil de casado com MR (C).

    Por outros meios de prova 5. O R. não é filho biológico de IR (1).

  4. IR, sua mulher MR e MP sabiam que o aqui Réu não era filho biológico do falecido IR (2).

  5. IR manteve uma relação extraconjugal com MP durante mais de trinta anos (3).

  6. Dessa relação resultou a vontade para ambos de terem um filho em conjunto, propósito esse a que se dedicaram durante algum tempo na sua intimidade (4).

  7. Perante a constatação de dificuldades na gravidez de MP, no início de março de 1988, deslocaram-se ao Brasil, uma vez que o padrinho da Autora, que sabia daquelas intenções e que já à época residia no Brasil, telefonou a IR para ele ir àquele país para verem um menino que tinha acabado de nascer e se encontrava disponível para adoção (5 a 9).

  8. Em resultado dessa primeira visita, haveriam de voltar ao Brasil no final do citado mês de março, desta vez para trazerem o aqui...

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