Acórdão nº 827/15.9YRLSB-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelAFONSO HENRIQUE
Data da Resolução29 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO: M., Lda, demandada na arbitragem necessária ad hoc iniciada ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 Dezembro pelas demandantes, R e L, relativa a medicamentos genéricos contendo como substância activa levonorgestrel (todas devidamente identificadas nesses autos), solicitou ao Tribunal Arbitral a recusa do árbitro, Dr. MM (igualmente, com os sinais completos nos mesmos autos), alegando não dar este condições objectivas de imparcialidade e independência.

Sobre esse incidente de recusa recaiu a seguinte decisão: “-…- Posto o que antecede, cabe decidir.

Nenhuma dúvida se coloca a respeito da necessidade de os titulares do poder de julgar, mesmo numa instância arbitral, terem de reunir os atributos da imparcialidade e da independência.

Trata-se, em ambos os casos, de requisitos inerentes ao exercício de uma função autenticamente jurisdicional, que a nova LAV consagrou art. 9º, n.º 3, visando certamente credibilizar a arbitragem enquanto modo ad hoc de composição de litígios.

Para os efeitos da presente decisão, torna-se despiciendo efectuar qualquer distinção entre os requisitos da imparcialidade e da independência.

Tendemos, aliás, a concordar, com Marc Henry (Le devoir d´indépendence de l´arbitre, Paris, LGDJ, 2041, p. 152), quando considera que o dever de independência comporta, entre outras, as exigências de imparcialidade e de neutralidade. Importa, isso sim, referir que o dever de independência, na sua vertente preventiva, implica o cumprimento, por parte dos árbitros, da obrigação de revelarem «todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência» (artº 13º, n.3, da LAV), obrigação que se mantém durante todo o processo arbitral (art 19 °, n.2, do cit. diploma); e, na sua vertente repressiva, a faculdade, atribuída às partes, de recusarem o exercido daquele munus por quem não possuir os indicados atributos.

Quanto a este último aspecto, a lei portuguesa (art. 13.º, nº 3) estabelece, muito claramente, que «um árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência ou se não possuir as qualificações que as partes convencionaram» (sublinhado nosso).

Todavia, em lado algum se esclarece quais possam ser essas circunstâncias, nem que critério deverá ser adoptado na respectiva avaliação.

O mais que se pode afirmar, perante o laconismo da lei, é que a aferição da independência do árbitro postula um juízo prudencial concreto, a emitir perante as circunstâncias particulares de cada caso.

Afigura-se, além disso, que tal juízo, quando esteja em causa um incidente de recusa, deverá reunir um alto grau de objectividade, colocando-se o decisor num papel de um terceiro imparcial e razoável, que aceda ao conhecimento dos factos e circundantes relevantes.

Não basta, assim, que, aos olhos de uma das partes, se suscitem «dúvidas apenas razoáveis ou hipotéticas. Torna-se necessário que as dúvidas sejam concretas e pertinentes» (Manuel Pereira Barrocas, Lei da Arbitragem Comentada, Coimbra, Almedina, 2013, p. 69).

Tanto mais que a faculdade de recusa pode servir de veículo a expedientes puramente dilatórios ou ter como objectivo impedir a contraparte de escolher um árbitro da sua preferência. Para a densificação dos conceitos legais e, concomitantemente, para a circunscrição dos factos e circunstâncias que, como regra, justificam o exercício do dever de revelação, e usual e, até certo ponto, legítimo recorrer a instrumentos infra-legais que consagram normas impositivas de deveres deontológicos aos árbitros. No nosso país, o problema tem vindo a ser objecto de crescente atenção por parte de associações e instituições especializadas, designadamente, a Associação Portuguesa de Arbitragem (cfr. o Código Deontológico do Árbitro, aprovado em 11.04.2014), o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa; cfr. o Código Deontológico do Árbitro anexo ao Regulamento de Arbitragem de 1.03.2014) e o Arbitrare - Centro de Arbitragem para a Propriedade Industrial, Nomes de Domínio, Firmas e Denominações (cfr. o Código Deontológico do Árbitro, aprovado em 27.03.2014). Num âmbito mais vasto, merece referência destacada o trabalho desenvolvido pela International Ror Association, cujas Directrizes sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem internacional foram revistas em 23.10.2014 e são expressamente referidas, como elemento de integração, pelos Códigos Deontológicos a que acabamos de aludir (cfr. o art. n.º 2, do Código da APA, o art. 1º, n.º 3, do Código do Centro de Arbitragem Comercial, e o art. n.º 3, do Código do Arbitrare).

Sem descurar o que antecede, cumpre, todavia, ter em atenção, por um lado, o carácter absolutamente genérico de tais normas e o seu carácter não-vinculativo, e, por outro lado, a circunstância de as Directrizes da IBA se referirem exclusivamente a arbitragens internacionais.

Não admira, por isso, que os códigos deontológicos nacionais se revelem, todos eles, menos exigentes do que as aludidas Directrizes no que respeita ao âmbito do dever de revelação do árbitro. Assim, por exemplo, o Código Deontológico do Árbitro aprovado pela APA (mas o mesmo se poderia dizer dos demais) exige apenas que o árbitro preste informação às partes e aos outros árbitros relativamente aos aspectos seguintes (art. 4.º, n.ºs. 2 e 3): «a) Qualquer relação profissional ou pessoal com as partes ou com os seus representantes legais que o árbitro convidado considere relevante; b) Qualquer interesse económico ou financeiro, directo ou indirecto, no objecto da disputa; c) Qualquer conhecimento prévio que possa ter tido do objecto da disputa».

Volvendo agora a atenção para o caso concreto, deve começar por salientar-se que a arbitragem em apreço apresenta características muito particulares: trata-se de uma arbitragem necessária, instaurada ao abrigo da lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, e que, portanto, tem por objecto um litígio que põe em confronto o titular de direitos de propriedade industrial emergentes de uma patente e o requerente de uma AIM de medicamentos genéricos que o primeiro alega infringirem os seus direitos.

De onde decorre que se trata de uma arbitragem que requer dos árbitros conhecimentos jurídicos muito especializados, circunstância que, num país de reduzida dimensão, comprime de modo significativo o universo de pessoas elegíveis para desempenhar aquela função.

Verifica-se, por outro lado, que o incidente de recusa do árbitro designado pelas demandantes surgiu numa fase já muito adiantada do processo, tendo a demandada, fundamentado o pedido, essencialmente, nas circunstâncias seguintes: - Através de acórdão datado de 24.03.2015, o Tribunal da Relação de Lisboa determinou, numa outra arbitragem, a remoção do Dr. MM das funções de árbitro; - Ao tomar conhecimento desse Acórdão, a demandada ficou, imediatamente, com sérias dúvidas sobre a imparcialidade do árbitro em causa, dado que ficou a saber que ele havia sido nomeado e assumira funções em cerca de 50 arbitragens necessárias ao abrigo da Lei n.º 62/2001; - Por essa razão, a demandada ou empresas do grupo da demanda suscitaram o incidente de recusa do Dr. MM em diversos outros processos arbitrais; - Além disso, a demandada, no presente processo veio requerer que o Dr. MM respondesse a uma série de questões, mas este limitou-se a esclarecer que fora designado pelos mandatários das Demandantes em duas arbitragens no âmbito da Lei nº 62/2011, ambas tendo por objecto a mesma substância activa, recusando-se a responder às demais, sem qualquer explicação ou fundamento; - Por outro lado, o Dr. MM terá sido nomeado, pelo menos, em 53 arbitragens iniciadas ao abrigo da citada lei e sempre por titulares de patentes; - A Demandada ter mesmo razões para suspeitar que tal tenha ocorrido em mais de 100 arbitragens, que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT