Acórdão nº 3110/13.0JFLSB-B.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


* Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Tribunal Central de Instrução Criminal, Lisboa, em que, além doutros, são Arg.

[1] … e …, com os restantes sinais dos autos, por despacho de 28/12/2016, constante de fls. 110/111, foram-lhes aplicadas as seguintes medidas de coacção: i) proibição do exercício de todas e quaisquer funções em escolas de condução e centros de exame do setor; ii) proibição de contatos com os restantes arguidos, com todos os candidatos por si angariados, com todos os funcionários das escolas de condução onde esses candidatos se encontravam matriculados e com todos os funcionários do Centro de Exames do Porto do ACP; iii) prestação de caução no montante correspondente a €750,00 por cada candidato indevidamente aprovado, ou seja, €11.250,00 para o Arg. Manuel Oliveira, e €3.000,00 para o Arg. Mário Azevedo.

* Não se conformando, o Arg.

… interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 129/139, com as seguintes conclusões: “…”.

* Também inconformado, o Arg.

… interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 112/128, com as seguintes conclusões: “…”.

* Respondeu o Exm.º Magistrado do MP[2] ao recurso do Arg.

…, a fls. 145/168, nos seguintes termos: “…”.

E ao recurso do Arg.

…, a fls. 169/191, nos seguintes: “…“.

* Neste tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 199/201, com o seguinte teor: “… II – Da nulidade absoluta Apesar de, numa primeira análise, podermos concordar com o decidido, parece-nos, porém, ocorrer uma nulidade absoluta pelas razões seguintes.

O art.° 194.° do CPP, no seu n.° 1, estabelece como regra que, à excepção do TIR, qualquer medida de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho de juiz (leia-se de juiz de instrução) durante, no que aqui interessa, o inquérito.

Por sua vez, no n.° 4 daquela disposição legal estabelece que a aplicação das medidas de segurança e de garantia patrimonial é precedida, necessariamente em qualquer fase do processo, inclusive no inquérito, de audição prévia do arguido, "ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentado", que Pinto de Albuquerque enumera no seu "Comentário do CPP", 4.`' ed., pág. 576, anotação 12, como sendo os casos em que, quanto ao(à) arguido(a), é desconhecido o seu paradeiro ou sofre de doença grave, ou de anomalia psíquica, ou de gravidez ou puerpério, e ainda se "não for conveniente" ouvi-lo(a).

Por sua vez, durante o inquérito o n.° 5 estabelece ao juiz um prazo (bem curto, diga-se de passagem) de 5 dias para aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial pedida pelo M°P°. Aqui é que importa responder à questão: o arguido deve ou não ser ouvido previamente, e ainda à questão de saber se tal audição deve ou não ser presencial.

Parece-nos evidente que nessa norma o legislador quis indubitavelmente impor ao juiz de instrução que decida rapidamente sobre medidas de coacção e de garantia patrimonial promovidas pelo M°P° (qualquer que seja a medida de coacção, mesmo as não privativas da liberdade, ela é urgente para impedir a concretização dos perigos referidos no art.° 204.° do CPP – pois, qualquer medida de coacção, com excepção do TIR, tem de se basear na verificação de qualquer daqueles perigos –, bem como a garantia patrimonial para impedir a dissipação de bens), sem, porém, deixar de exigir a satisfação do contraditório. Dito de outro modo: ainda que o juiz de instrução tenha de decidir no prazo dos 5 dias (só não o fará se estiver impossibilitado de o fazer em tempo – "salvo impossibilidade devidamente fundamentada"), tem sempre de satisfazer o contraditório. Pode-se argumentar que 5 dias é um prazo demasiado curto para se ouvir o arguido, mas, não sendo caso de "não ser conveniente" a audição prévia do arguido (que obviamente tem de ser fundamentada), como é o caso dos autos, esta não é prescindível em obediência ao princípio do contraditório, pelo que o juiz deve mandar notificar o arguido para ser ouvido sobre a promoção do M°P°, tudo nos termos do n.° 4 do mesmo art.° 194.° do CPP.

A questão que se suscita de seguida é a de se saber se a audição deve ou não ser presencial. Entendemos que sim.

Com efeito, no que diz respeito à audição, estabelece o n.° 4 do art.° 194.° do CPP que à mesma deve ser aplicado o disposto no art.° 141.°, n." 4 do mesmo Código, ou seja, que o juiz é obrigado a informar, em suma, os direitos que o arguido tem, bem como de quais os indícios que existem, o que só é possível presencialmente, ou seja, não conseguimos vislumbrar que o juiz possa dar cumprimento ao disposto no art.° 141.°, n.° 4 do CPP sem que o arguido esteja presente. Daí que aquela presença do arguido tenha de ser considerada como obrigatória, pelo que, não ocorrendo, estamos na presença da nulidade insanável do art.° 119.°, al. c) do CPP (neste sentido, mutatis mutantis, no que diz respeito à fundamentação para se concluir que o arguido tem de estar presente aquando da audição para eventual revogação da suspensão da execução da pena, cfr. em www.dgsi.pt os acórdãos da R. Guimarães lavrado no Proc.° 150/03.1TAGMR.Gl em 22-02-2011, da R. Porto lavrado no Proc.° 436198.5 BVRL-C.P l em 04-05-2011 e R. Coimbra exarado no Proc.° 219/06.OGCSCD-A.Cl em 10-12-2013, e ainda no Ac. R. Lisboa, não publicitado, lavrado em 30/10/2014 no Proc.° 293/08.5PDAMD.L1 da 9' Secção.).

Consequentemente, o despacho recorrido é nulo, devendo o tribunal a quo designar dia para a audição presencial dos arguidos (mesmo os não recorrentes por se tratar de nulidade insanável) e, após, apreciar da aplicação das medidas propostas pelo M°P°.

III - Conclusão Pelo exposto, e em síntese conclusiva, somos do parecer de que o despacho recorrido deve ser declarado nulo, devendo o tribunal a quo proceder em conformidade com o estabelecido no art.° 194.°, n.° 4 do CPP, ouvindo os arguidos presencialmente antes de estabelecer as medidas promovidas pelo M°P°.

…”.

* É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as única questões fundamentais a apreciar no presente recurso são as seguintes: I – Nulidade do despacho recorrido por falta de audição prévia dos Arg.; II – Falta de fundamentação do despacho recorrido; III – Falta de indícios relativos ao Arg. Manuel Oliveira; IV – Legalidade, adequação e proporcionalidade das medidas de coacção aplicadas.

* Cumpre decidir.

I – Nulidade do despacho recorrido por falta de audição prévia dos Arg..

No presente caso e no que diz respeito aos Arg./Recorrentes, o MP promoveu a aplicação daquelas medidas de coacção (fls. 49/57, de 30/11/2016), o Exm.º JIC mandou notificar essa promoção aos Arg. (fls. 136, de 30/11/2016), o Arg. Mário Azevedo pronunciou-se contra a aplicação de tais medidas, pelo requerimento de fls. 67/79, e o Arg. Manuel Oliveira pronunciou-se contra a aplicação de tais medidas, pelo requerimento de fls. 108/109.

De seguida, o Exm.º JIC, sem que tenha ouvido presencialmente estes Arg., prolatou o despacho de fls. 110/111, de 28/12/2016, que aplicou as referidas medidas.

Está em causa decidir se a audição do Arg. a que se refere o art.º 194º/4 do CPP deve ser presencial, ou se basta com a notificação do Arg. ou do seu Defensor para se pronunciar sobre a aplicação de medidas de coacção.

Em acórdão da RC de 04/11/2009[5], defendeu-se, com importante fundamentação e forte argumentação, que tal audição se basta com a notificação do Arg. ou do seu Defensor para se pronunciar, ainda que o Arg. possa ser presencialmente ouvido.

Aceitamos que a solução preconizada neste acórdão seria a melhor solução legal do ponto de vista da prática processual.

No entanto, entendemos que, se na redacção do art.º 194º do CPP que vigorou até 14/09/2007, era aceitável que essa fosse a interpretação natural do preceito, na actual redacção já não o é, ainda que caiba na letra da lei.

Na verdade, na versão deste art.º que vigorou até 14/09/2007, dizia o seu n.º 2: “A aplicação referida no número anterior é precedida, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial.

”.

A partir de 15/09/2007, com a alteração introduzida pela Lei 48/2007, de 29/08, este nº 2 passou a ser o n.º 3 e a ter a seguinte redacção: “A aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141º.

.º”, e foram-lhe acrescentados os n.ºs 4 (“A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c) A qualificação jurídica dos factos imputados; d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º.”) e 5 (“Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de...

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