Acórdão nº 5489/09.0TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelLUIS CORREIA DE MENDON
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: C instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra T pedindo a condenação do R no pagamento ao A da quantia de Esc. 26.818.070$00/€ 13.409.035,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

O autor alegou, em síntese, o seguinte: – desde os 19 anos, vinha tendo problemas de disfunção eréctil pelo que consultou o R que, após a realização de vários exames, lhe sugeriu intervenção cirúrgica. Apesar de questionado pelo A o R não lhe explicou o tipo de cirurgia, a finalidade e a razão de ter que ser rápida.

– acedeu a ser operado tendo a cirurgia feita pelo R tido lugar em 10/09/96 na Clínica , em Lisboa.

– logo após a cirurgia o A desenvolveu um processo inflamatório do pénis tendo-lhe surgido duas fístulas na fase dorsal do pénis, sendo que apenas uma fechou. O A sofreu dores intensas. A partir daí não mais teve qualquer tipo de erecção e a situação estava pior que antes da cirurgia.

– o R agendou nova cirurgia para 19/11/96 para corrigir erros da primeira, mas o A não compareceu porque o R lhe pediu Esc. 400.000$00 e já não tinha meios económicos e ainda devido ao fracasso da primeira operação.

– o A decidiu consultar em 19/12/96 o Dr. A, médico urologista dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Este constatou que o pénis estava totalmente deformado, tinha zonas de edema intenso alternando com outras de fibrose, uma escara na fase dorsal onde se notava uma fístula que parecia relacionada com um ponto de sutura. Apresentava ainda uma cicatriz de circuncisão aberrante. Face à gravidade da situação o referido médico pediu parecer a dois colegas. Foi decidido proceder a terapêutica anti-inflamatória intensa reservando para mais tarde a reparação da fístula.

– numa avaliação posterior nos H.U.C. constatou-se que a fibrose diminuíra e que a fistula era provocada por um ponto de sutura cujas pontas do nós perfuravam a pele. Foram ainda identificados outros nós de pontos de sutura ao longo do pénis cujas extremidades faziam saliência e provocavam dor a ser tocadas.

– em 21/01/97 o A foi submetido a nova cirurgia tendo a equipa constatado com estranheza que os pontos se apresentavam com os nós voltados para o exterior e não para dentro (invaginados) como é prática quando se usa material não reabsorvível.

– o A passou a ser seguido na consulta de sexologia.

– reobservado em 02/04/97 o A referiu melhorias de tumescência.

– após novos controles e enquanto o A era seguido nas consultas de psiquiatria e sexologia o A foi reoperado em 17/02/98 com o intuito de remover os referidos pontos de sutura e corrigir a curvatura peniana.

– em consequência dos tratamentos e intervenções o A passou a padecer de profunda depressão, pelo que esteve internado no serviço de psiquiatria do HUC de 05/01/97 a 26/02/97 por apresentar um quadro clínico de fobia social severa tendo sido submetido a terapêutica farmacológica e psicoterapêutica. O A continua a ser seguido na consulta externa de stress.

– o A, em consultas com o R, exames e cirurgia despendeu Esc. 818.070$00/€ 409.035,00. Em consequência de ter estado dois anos de baixa deixou de auferir rendimentos da ordem de Esc. 850.000$00/€ 425.000,00. Em deslocações a Coimbra a tratamentos do foro urológico e psiquiátrico despendeu quantia superior a Esc. 150.000$00/€ 75.000,00.

– sofreu danos não patrimoniais que devem ser indemnizados em quantia não inferior a Esc. 25.000.0000$00/€ 12.500.000,00.

O R CONTESTOU dizendo o seguinte: – quando o A foi à consulta do R e se submeteu a exames médicos aquele recusou-se a submeter-se a consulta de avaliação psicológica. Foi diagnosticado ao A uma disfunção eréctil por curvatura peniana congénita ventral muito acentuada e incapacitante do ponto de vista da vida sexual associado a disfunção caverno-oclusiva com fuga venosa de baixo débito e fimose. Foi proposta cirurgia para correcção da fuga venosa e da curvatura e eventual circuncisão.

– o A autorizou a cirurgia que se realizou a 10/09/96. Aí foram praticados os actos médicos constantes do relatório de intervenção cirúrgica junto aos autos.

– o A foi visto, pela 1ª vez, em pós-operatório, constatando o R que a zona operada estava com boa aparência e boa cicatrização. Mas, na consulta de 23/09/96, o A apresentava ferida na epiderme tendo sido medicado. Em 27/09/96 o R constatou que o R tinha duas feridas, mas a ferida operatória estava em cicatrização. Em 04/10/96 as feridas estavam em cicatrização. Foi constatado, na sequência de exames, que havia uma recidiva da situação pré-operatória por adesão e fibrose. Em 25/10/96 as feridas continuavam por fechar e o A continuava queixoso e ansioso. Nesta data foi agendada nova cirurgia para 19/11/96 para desbridamento (descolagem) e quaisquer outras medidas que per-operatoriamente se afigurassem necessárias. Como o A não tinha possibilidades económicas o R sugeriu que apenas pagasse as despesas de internamento. Tal cirurgia não veio a realizar-se porque o A faltou sem dar explicação.

– o R não pode continuar o tratamento porque o A deixou de comparecer.

– o R tem vários processos crimes pendentes contra o Dr. A. Esta acção mais não é do que a instrumentalização do A, com problemas psiquiátricos, na “guerra” entre dois médicos.

– entre 15/11/96, data da ultima consulta com o R, e 19/12/96, data da consulta com o Dr. A, o A permaneceu, por sua iniciativa, sem assistência médica, o que terá agravado o seu estado de saúde. Este agravamento não pode ser imputável ao R. Se o A tivesse concordado com a segunda cirurgia tal agravamento não teria ocorrido.

– estranha-se que apenas em 06/01/97 se tenha estabelecido o nexo causal entre a fístula e dois pontos de sutura uma vez que em 04/10/96 a escara evidenciava uma depressão. Concede-se que uma fístula, por se desenvolver em profundidade, possa estar relacionada com pontos internos de sutura, mas tal realidade não podia ter sido diagnosticada pelo R um mês e meio antes. É prática do R, nas suas cirurgias, efectuar os nós virados “para dentro”, mas, por vezes, face ao local concreto onde o nó é aplicado, não é possível virar. Acresce que os complexos mecanismos de regeneração dos tecidos, em especial, um processo inflamatório, pode conduzir à alteração natural e normal da postura inicial de uma sutura e que os nós se tenham virado por si. Uma fibrose é um endurecimento progressivo dos tecidos sendo o problema mais comum e preocupante no pós-operatório, situação imprevisível e incontrolável. A segunda cirurgia visava o desbridamento ou descolagem das aderências dos tecidos de forma a evitar a fibrose.

– o A não tem direito a ser indemnizado quanto aos danos patrimoniais. No que concerne aos danos morais trata-se de inevitáveis evoluções do seu estado de saúde, alheias à cirurgia efectuada pelo R. A doença psiquiátrica do A era pré-existente.

Termina pedindo a absolvição do pedido.

Prosseguiu o processo e após a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e consequentemente, condenou o R a indemnizar o A na quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora, a partir da data da sentença até efectivo pagamento.

Inconformado, interpôs o réu competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma: 1 –No caso em apreço, o R assumiu uma obrigação de meios, a obrigação de tratamento do A., tendo-se apurado que, em consulta de 22/07/96, o R consultou o A na Clínica aí se queixando de disfunção eréctil. O R observou-o, submeteu-o a vários exames auxiliares de diagnóstico e diagnosticou-lhe uma disfunção eréctil por curvatura peniana congénita ventral muito acentuada e incapacitante do ponto de vista da vida sexual, associada a disfunção caverno-oclusiva com fuga venosa de baixo débito e fimose.

2 –Face a este diagnostico, propôs ao A. cirurgia que se destinava à correcção da fuga venosa e da curvatura e eventual circuncisão, o que este aceitou tendo a mesma tido lugar em 10/09/96, para a qual o A. deu o seu consentimento informado para a cirurgia.

3 –Da matéria de facto resulta que havia indicação médica para cirurgia pelo que nada há a censurar ao R nesta sede, sendo que no que concerne à cirurgia propriamente dita apurou-se mais tarde, em face das complicações sofridas pelo A no pós-operatório - fístula que não fechava e consequente necessidade de correção cirurgia da fístula e posterior cirurgia para remover os demais pontos de sutura – que o R ao proceder à sutura deu nós que ficaram virados para fora e não para dentro (invaginados) contrariamente ao que era e é prática neste tipo de cirurgia quando se usa material não reabsorvível. Ora, por um lado, a fístula que o pénis do A apresentou durante semana resultou exatamente de dois pontos de sutura cujas extremidades furavam a pele e, por outro, as zonas salientes e dolorosas correspondiam aos demais pontos de sutura.

4 –Provou-se que a regeneração dos tecidos e o processo inflamatório pode conduzir à alteração natural e normal da postura inicial da sutura, mas isto nada tem a ver com a possibilidade de os nós haverem ficado virados para o interior e se terem virado para o exterior através de um qualquer processo natural! 5 –Apurou-se igualmente que, no pós-operatório, ocorreu um processo inflamatório, zonas de edema e outras de fibrose, e atenta a matéria de facto dada como provada não resulta, de modo algum, que as acima referidas complicações pós-operatórias possam ser imputadas a qualquer comportamento do R, apresentando-se sim como imprevisíveis e incontroláveis correspondentes a um risco pós-operatório susceptivel de ocorrer em outras cirurgias.

6 –Tendo em atenção que a obrigação do médico é uma obrigação de meios e que não se provou que o R não tenha empregue toda a sua diligência e conhecimentos técnicos para o conseguir, decorre que inexiste, nesta sede, a prática de qualquer acto ilícito por parte do R...

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