Acórdão nº 9478/08.1TBCSC.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução09 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Andrew ... ... e Esther ...

propuseram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Maria ... ... ...

, peticionando: A)-seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que os Autores Andrew e Esther são os únicos e universais herdeiros de Elvira Maria ... ..., cuja qualidade lhes adveio por virtude do testamento de 24/07/2005, na proporção de 65% para o Autor Andrew e de 35% para a Autora Esther; B)-seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que é nula, ineficaz e de nenhum efeito, por abusiva e ilegitimamente celebrada sem preenchimento dos legais pressupostos, a habilitação realizada na escritura pública referida no artigos 8º desta petição, celebrada no dia 4 de Abril de 2008, em Lisboa e na Avenida Defensores de Chaves, nº 51 – B, no Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, em que a Ré declarou ser a única e universal herdeira de Elvira Maria ... ...; C)-seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que ela, Ré, não tem qualquer direito sobre os bens que integram a herança aberta por óbito de Elvira Maria ... ..., nomeadamente sobre os prédios descritos no artigo 7º da petição; D)-seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que são infundados e inconsistentes todos e quaisquer actos de registo de aquisição, averbamento ou qualquer outro acto de registo predial que a Ré, ou quem quer que seja por sucessão na posição dela ou em acto subsequente ao dela, tenha promovido ou requerido em função ou em resultado da habilitação declarada na referida escritura pública sobre quaisquer bens que integrem a herança aberta por óbito de Elvira Maria ... ..., nomeadamente os bens descritos no supra artigo 7º – e, bem assim, decretar-se a anulação de todos os actos de registo que, nesse contexto, tenham já sido praticados; E)-seja declarado e a Ré condenada a reconhecer que os Autores têm o direito de inscrever no registo, a seu favor, em conformidade com o testamento deixado por Elvira Maria ... ..., a aquisição do direito de propriedade sobre os bens da herança aberta por óbito desta, nomeadamente sobre os prédios identificados no artigo 7º deste articulado, que são os prédios descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os números 1331/20080922 – freguesia de Coimbra (Sé Nova) e 2578/19830107 – freguesia de Santo António dos Olivais.

Alegaram, em síntese, que Elvira Maria ... ... faleceu em 11.02.2008, em Londres, no estado de divorciada, sem ascendentes nem descentes, sendo a R. a sua única irmã; que em 24.07.2005 fez o seu último testamento, onde instituiu como seus únicos herdeiros os aqui AA., tendo esse testamento sido feito com observância da lei do país em que a testadora residia; que foi observada a forma solene, pelo que o testamento é válido em Portugal; que a R., no dia 04.04.2008 se habilitou notarialmente como cabeça de casal e única herdeira da sua irmã Elvira e registou os bens descritos no artº 7º da p.i. a seu favor, tendo declarado que a irmã não tinha feito testamento; que desde 31.07.2008 tentaram informar a R., por escrito da existência do testamento, mas só lograram fazê-lo em 18.09.2008, uma vez que a R. não recebeu as cartas que foram enviadas para o seu domicílio pessoal, tendo apenas recebido carta que lhe foi enviada para o seu domicílio profissional, sendo que a R., quatro dias depois de receber tal carta fez inscrever a seu favor, no Registo Predial, os prédios descritos no artº 7º da p.i.

A R. veio contestar, começando por invocar a má-fé dos AA., alegando em síntese que estes sabem que o testamento que invocam não tem qualquer validade, sendo certo que não foi objecto do chamado “grant of probate”, o qual é, pela lei inglesa, o acto oficial de homologação; que não tem a apostilha exigida pela Convenção de Haia de 1961; que os AA. tinham ascendente sobre a sua irmã Elvira, por motivos religiosos, sendo que Elvira sofria de problemas do foro psiquiátrico, que se foram agudizando com o tempo, tinha fantasias suicidas, chegava a mutilar-se com facas e cigarros, ouvia vozes, sendo que devido a tais problemas esteve várias vezes internada em hospitais psiquiátricos ingleses, tendo sido estes os motivos que permitiram que a irmã Elvira tenha sido levada a assinar o documento a que os AA. chamam de testamento.

Conclui pedindo que a acção seja julgada improcedente, por não provada e ser a R. absolvida do pedido e os AA. condenados a reconhecer a A. como única e universal herdeira da sua irmã, sem que todavia tenha individualizado qualquer pedido reconvencional.

Foi apresentada réplica.

Foi proferido despacho saneador em que se admitiu a réplica e onde se fixou a matéria de facto que considerou provada (matéria assente) e se elaborou a base instrutória. Tal despacho não sofreu reclamações.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu absolver a ré da R. da totalidade dos pedidos formulados pelos AA.

Inconformado, veio o autor interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: 1- Na alínea J da matéria dada como provada, consta um documento do Tribunal de Justiça – Cartório da Comarca de Winchester, de 26/8/2008, que consta da sentença, que refere “a última vontade e testamento da falecida (uma copia é anexada) foi provada e registada no Tribunal de Justiça …..”. (fls. 380 e seguintes dos autos).

2- Tal documento é o “grant of probate” que a sentença considera não existir nos autos relativamente ao testamento que é indicado pelo A. como sendo o único.

3- Ora, se o “grant of probate” relativo ao testamento constante da petição estava dado como facto assente, como pode agora a sentença ignorá-lo? 4- E mais: como pode agora a sentença vir basear a decisão num facto que não foi sequer dado como provado, a saber, a existência de um testamento posterior ao apresentado pelos AA.? 5- Todos os documentos e peças, incluindo a petição inicial, foram enviados para o Tribunal através do Citius, portanto digitalmente, e nunca foi ordenada a junção de originais.

6- Ora, pelo que fica dito a sentença padece de nulidade nos termos do art. 615º, 1, c) do CPC, uma vez que os fundamentos de facto estão em contradição com a decisão, pelo menos apresenta-se ambígua e obscura.

7- Por outro lado, estando dado como provado a existência do “grant of probate”, não se pode aplicar o artigo 2223º do CC, uma vez que foi observada uma forma solene na sua feitura e aprovação. Pelo menos uma forma que a lei inglesa considera solene: feito por elaborado e redigido, por escrito, perante entidade para tal habilitada (Will Drafters & Lda) e atestado por duas testemunhas, e aprovado pelo Tribunal de Justiça – Cartório da Comarca de Winchester (pontos 11 e 12 da matéria dada como provada na sentença A.2).

8- A sentença, para fundar a sua decisão, vem basear-se num facto que não consta dos factos assentes ao dizer: “Elvira ... ..., uma vez que a mesma elaborou documento idêntico em 7.8.2005 (cfr. fls. 1089 a1092 dos autos), junto pela R. como copia certificada, uma vez que está selado com selo branco a fls. 1089. Importa referir que não se trata do mesmo documento, uma vez que as datas não coincidem e que o primeiro teve como testemunhas S A e Je o segundo teve como testemunhas a mesma J e P.” 9- Os pontos 13 da matéria dada como provada na sentença (A2 – Da base instrutória) está em contradição com a alínea J dos factos provados (A.1 Matéria de facto dada como assente no saneador).

10-Ora, em sede de fundamentação da sentença a “Mª. Juiz a quo” aparece com um facto novo, que não foi quesitado nem dado como provado: que existe um outro testamento feito a 7/8/2005.

11-De resto, a R. conhecia deste Outubro de 2008 tal documento, e não o juntou aos autos em momento algum, tendo até vindo depor como em sede de audiência sem que tal documento tivesse sido mencionado.

12-Não o tendo feito oportunamente, a R. não o poderia agora juntar tal documento, visto que não se tratava de um facto superveniente no entendimento que a lei dá ao conceito. Nem a sentença o poderia considerar como superveniente. Dito doutra forma, o Juiz “a quo” não poderia tomar conhecimento de tal facto, que não estava alegado nem quesitado, pelo que a sentença é nula, nos termos do artigo 615º, 1, d), segunda parte do C.P.C.

13-Por outro lado, deveria ter sido considerado provado um facto não contestado por nenhuma das partes e relevante para a boa decisão da causa, a saber, que a falecida Elvira ... residia há muitos anos na Inglaterra, nomeadamente que aí residia em 2005.

14-Tal facto deveria ter sido dado como assente, desde logo porque admitido por acordo, e também com base nos depoimentos de R (fls. 738-740), S A (fls. 751), Jfls 748 a 765), An (fls. 926 a 928), H (1005 a 1009), e com base nos documentos juntos aos autos, nomeadamente o assento de óbito junto à p.i. como documento 1, o testamento feito em Inglaterra e os relatórios médicos a fls. …., do ano de 2005.

15-Pelos motivos já referidos a sentença viola ainda os artigos 607º, 4 e 5 do CPC.

16-Durante o julgamento é que a R. pede para falar de novo, e apresenta um documento dizendo que esse sim é o último testamento da sua irmã.

17-O facto de não o ter junto logo aos autos, e de o ter guardado para a sessão do julgamento indica clara má fé.

18-Mas a verdade é que tal documento não poderia ter interesse para provar quesito algum, pois havia já a alínea J dada como provada no saneador e como tal reproduzida na sentença.

19-Por fim não deverá ser dado como provado que o estado de saúde de Elvira ... se agudizou ao longo do tempo com base no depoimento gravado da testemunha Armando que diz: “quando nós começamos a ir busca-la para o nosso lado outra vez e a junta-la com os amigos de cá, porque hoje com a net consegue-se facilmente a pessoa fazer pelo skype, por isto, por aquilo, as pessoas tem contacto e aí ela melhorou imenso” (cfr gravação rot. 00:00:01 a 00:42:14). Este depoimento é...

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