Acórdão nº 2134-12.OTBOER-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: S... Lda, executada, na acção executiva que lhe é movida por C... SA, deduziu oposição à execução, alegando os factos e o direito que, em seu entender, justificam a improcedência da execução.

A C... SA, contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução.

Decorridos os trâmites legais que culminaram na realização do julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a oposição à execução parcialmente procedente e determinou “o prosseguimento da execução, excepto na parte referente aos montantes imputados a título de cláusula penal, sobre os quais deverá incidir nova liquidação”.

Inconformada com tal decisão, veio a Exequente C... S.A, interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I.A decisão do tribunal a quo sobre a aplicação da cláusula penal peca na medida em que subordina esta à disposição contratual relativa ao exercício da denúncia.

II.Não pode o exercício da denúncia ser confundido com a verificação da mora, sendo certo que a aplicação da cláusula penal depende da mora e não da denúncia contratual.

III.Estabelece a Cláusula Segunda, n.º 2, da Secção II - Condições Gerais (cfr. Doc. 4 do RE): “em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento, a título de cláusula penal” (destaque nosso).

IV.A verificação da mora do devedor não só não pode ser confundida com a denúncia, como também não pode, por exemplo, ser confundida com a resolução contratual. V.A resolução (exemplo que se oferece a título de exemplo para melhor distinguir a denúncia face à mera verificação da mora), prevista nos artigos 432.º e seguintes do CC, é uma forma de extinção dos contratos, condicionada à respectiva previsão na lei ou em convenção, tendencialmente vinculada à alegação de determinado fundamento e operando retroactivamente. VI.A denúncia trata-se de uma forma de extinção específica dos contratos de duração indeterminada, a fim de evitar uma situação de perpetuidade, caracterizando-se por ser livre e unilateral, discricionária e não retroactiva. Não exige, portanto, a existência ou alegação de qualquer motivação ou fundamento, sendo sempre unilateral. “A sua razão de ser (…) é permitir que qualquer das partes em contrato de duração indefinida ponha cobro à situação por meio de declaração feita, com determinada antecedência, à outra parte” (cfr. Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 166). VII.Ora, o presente contrato de abertura de crédito em conta corrente trata-se precisamente de um contrato de renovação automática – “renovável por períodos iguais e sucessivos” – cuja perpetuidade seria necessário acautelar, pelo naturalmente as partes acordaram a possibilidade da sua denúncia com um pré-aviso de pelo menos 30 dias de antecedência (cfr. Cláusula Segunda da Secção I - Condições Particulares – Doc. 4 do RE). VIII.Tendo, especificamente e apenas para esse efeito, convencionado a forma escrita, o que bem se compreende uma vez que a denúncia, conforme supra exposto, é de exercício livre e discricionário, não tendo de ser motivado ou fundamentado. IX.Dado que a denúncia é livre, sem necessidade de motivação e independente de qualquer facto imputável às partes ou de qualquer evento natural, material ou jurídico, afigura-se pelo menos compreensível que para esse específico efeito, tenham convencionado a forma escrita. X.O que, todavia, não foi convencionado para efeitos de exigibilidade de todas as obrigações emergentes do contrato (cfr. Cláusula Nona da Secção II - Condições Gerais - do Documento Complementar que é parte integrante da Escritura Pública – Doc. 4 do RE), sendo esta uma disposição com natureza de cláusula resolutiva, vinculada à alegação de determinado fundamento, ou seja, dos fundamentos previstos nas respectivas alíneas, designadamente no caso da alínea b): “se não forem cumpridas as obrigações previstas nas cláusulas do presente contrato”. XI.Existe, pois, uma crucial diferença qualitativa e jurídica entre a denúncia (forma de extinção não motivada dos contratos), prevista na Cláusula Segunda das Condições Particulares, e a resolução (in casu pela exigibilidade de todas as obrigações emergentes do contrato, com fundamento em determinada motivação), prevista na Cláusula Nona das Condições Gerais. XII.A verdade é que a matéria da qual se ora recorre, a aplicação da cláusula penal contratualmente prevista, depende tão só da mora.

XIII.A aplicação in casu da cláusula penal, a qual está subordinada à mora, não se encontra dependente da denúncia nem, naturalmente, do seu exercício pela forma escrita. XIV.A denúncia corresponde ao exercício não motivado de uma faculdade contratual segundo uma forma convencionada, ao passo que a aplicação da cláusula penal depende da verificação de um facto imputável ao contraente devedor (a mora) sem convenção de forma especial para tal aplicação. XV.O próprio Tribunal a quo afirma que “para efeitos de aplicação de juros, mostra-se irrelevante qualquer interpelação, tanto mais que por via do art. 805.º, n.º2, alínea a) do Cód. Civil, e conjugado ainda com a cláusula 7ª do próprio contrato firmado pelas partes, o banco tinha direito à percepção de juros” (destaques nossos). XVI.Face à eventual mora, convencionou-se que a taxa aplicável seria de mais 4% relativamente à que estivesse em vigor nos termos da Cláusula Quarta da Secção I - Condições Particulares (Euribor a seis meses acrescida de um “spread” de dois pontos percentuais). XVII.A Opoente não impugnou a mora, cuja verificação, aliás, admite ao longo do seu articulado.

XVIII.Foi dado como provado (ponto 15 da “Fundamentação de Facto”) que a “sociedade executada pagou ao exequente as prestações trimestrais de juros devidas a que estava obrigada, até à prestação trimestral vencida a 30.04.2008, deixando de pagar as prestações posteriormente vencidas até à presente data, nunca tendo pago o capital utilizado de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros)” (destaque nosso).

XIX.A Oponente obrigou-se ao pagamento trimestral de juros, ou seja, a um conjunto de obrigações de prazo certo, ficando o devedor constituído em mora, pelo menos relativamente a cada uma dessas prestações trimestrais, independentemente de interpelação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do CC.

XX.Segundo Menezes Leitão, págs. 280 e 281: “admitem-se dois tipos de cláusula penal: uma que se destina a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando assim incentivar o devedor a cumprir (…) e outra que visa apenas liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento (…)”.

XXI.Assim, prevê o 811.º, n.º 1 do CC o seguinte: “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação particular e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação” (destaque nosso).

XXII.Não parece oferecer dúvidas que a cláusula penal prevista na Cláusula Segunda, n.º 2, da Secção II - Condições Gerais se destinava a estabelecer uma penalização por incumprimento das prestações vencidas (in casu as prestações trimestrais de juros), de forma a incentivar o devedor a pagá-las...

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