Acórdão nº 5450/14.2T2SNT.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelEZAG
Data da Resolução09 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I– A e mulher, B, intentaram ação declarativa, com processo comum, contra C e D, pedindo a condenação do R. a pagar aos AA. a quantia de € 162.500,00 acrescida de juros à taxa legal desde a citação e os RR a reconhecerem que os AA gozam do direito de retenção sobre a fração que identificam, ou sobre o produto da venda desta, e, subsidiariamente que se declare transmitido para o A. o direito de propriedade sobre a fração em questão, condenando-se o R a entregar-lhes o montante do capital garantido pelas hipotecas e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Alegando, para tanto e em suma, que: Em 5-12-2005 o A. e o R. celebraram um contrato promessa de compra e venda da fração autónoma D, do prédio que identifica, (…), pelo preço de € 81.250,00, de que € 11.250,00 eram a pagar no momento da assinatura do contrato, e € 70.000,00 no acto da escritura notarial de compra e venda, esta a celebrar no prazo de 180 dias, que podia ser prorrogado por mais 60.

Mais ajustando que se o A. viesse a tomar posse da fração antes de realizada a escritura devia então, nesse momento, pagar os ditos € 70.000,00.

O que o A. fez quando, logo em 20 de Abril de 2006, tomou posse da fração.

As partes acordaram que a venda seria “feita livre de quaisquer ónus ou encargos”.

A fração encontrava-se onerada por duas hipotecas constituídas a favor do D, tendo as partes acordado que a venda seria “feita livre de quaisquer ónus ou encargos”.

Apesar das sucessivas insistências do A., o R. não procedeu ao cancelamento dessas duas hipotecas Não comparecendo o R. na data aprazada pelo A. para a escritura de compra e venda – 28-9-2010 – nem se tendo disponibilizado, depois disso, para acordar em data para a outorga daquela.

Vindo o D a instaurar execução contra o R., indicando à penhora a fração hipotecada, sem que, até à data, o R. haja satisfeito o crédito exequendo.

O A. desde que a fração lhe foi entregue já gastou nela € 20.000,00 em obras de conservação e melhoramentos, para além de ter pago o IMTOI, no valor de € 812,50, relativamente à venda marcada para 28-09-2010.

Permanecendo, desde Maio de 2006 na fração dos autos.

Tendo o A., no circunstancialismo descrito, perdido o interesse na aquisição da fração.

Contestou a Ré D, arguindo a “invalidade formal” do invocado contrato promessa, “determinante da sua nulidade”, sustentando a inaplicabilidade do direito de retenção ao investidor não consumidor – que assim seria o caso do A. – a inexistência de incumprimento por parte da Ré e a incompatibilidade do direito de retenção com a execução específica do contrato.

Deduzindo, no mais, impugnação.

E rematando com a improcedência, por não provada, da ação, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra si formulados.

Em subsequente requerimento, mais invocou a Ré a exceção de caso julgado.

Na sequência de despacho nesse sentido, foi apresentada pelos AA. resposta às assim arguidas exceções, cuja improcedência propugnam, concluindo como na petição inicial.

Em requerimento reproduzido a folhas 124…desistiu a Ré “do seu pedido de apreciação de exceção de caso julgado”.

O processo seguiu seus termos, com saneamento, relegando-se para final as “excepções invocadas pela Ré”, com indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Na audiência final, e no uso da palavra para alegações, o mandatário dos AA. declarou desistir do pedido subsidiário, vindo tal desistência a ser homologada por sentença, reproduzida a folhas 225.

Sendo subsequentemente proferida nova sentença julgando “improcedente o pedido formulado pelos Autores, dele se absolvendo os Réus”.

Inconformados, recorreram os AA. formulando, nas suas alegações, as seguintes “aperfeiçoadas” conclusões: “1ª - Quanto aos poderes de cognição do tribunal, o art. 5° manda considerar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa; o art. 414° dispõe que o juiz toma em consideração todas as provas produzidas e o art. 607° que o juiz toma em consideração os factos provados por documentos. Ora a douta sentença apelada não considerou relevante matéria de facto, da qual não conheceu nem sofre ela se pronunciou, essencial e complementar ou concretizadora e instrumental, apurada nos presentes autos, que é a seguinte: 21. O contrato promessa de 5 de Dezembro de 2005 (fls 15 a 17 dos autos), assinado pelo R., refere apenas uma hipoteca mas havia duas. O réu omitiu ao A. desde logo de má fé a extensão exacta da oneração da fracção.

22. Também a carta do A. datada de 10-9-2010 (fls 22 dos autos) refere só uma hipoteca.

23. A primeira referência à existência de duas hipotecas apenas surge quase 5 anos depois, no Certificado de Ocorrência de 28-9-2010, à vista pelo notário da respectiva certidão predial (fls 25 dos autos – original a fls 184-185).

24. Ambas as hipotecas foram constituídas pelo R. proprietário da fracção (certidões de fls 37-39 e de fls. 158).

25. A fracção foi penhorada em 10-9-2013 (alegação 10° de matéria de facto no articulado de resposta às excepções a fls. 120) no processo executivo n° 6771/08.9TBAMD como consta inscrita na certidão predial a fls. 38-39 dos autos.] 26. Ocorre mesmo que penhorado o direito é ineficaz a sua transmissão em relação ao titular da penhora (artigo 83º da petição).

27. Esta execução 6771/08 está pendente e em curso (art. 21º a fls 121 e certidão a fls 132).

28. O R. não pagou ao D o crédito garantido pelas duas hipotecas (51º e 66° da petição) e pela respectiva penhora da fracção hipotecada.

29. A acção declarativa n° (…) entre o A. e os RR. decorreu entre 22-10-2010 (fls. 120) e 24-10-2012 (certidão de fls 106).

30. O A. não pode – pelo encargo que isso significaria – comprar a fracção estando esta hipotecada (67° da petição inicial); 31. O R, revelou ao longo de todo este tempo e acontecimentos que não quer ou não é capaz de libertar a fracção das hipotecas (68° da petição); 32. o A. não quer adquirir a fracção onerada e executada (7 ° da petição); 33. o A. não é responsável pela dívida garantida pelas hipotecas (79º); 34. por tais motivos não tem o A. interesse na transmissão da fracção e na consequente obtenção do seu direito de propriedade (80°); 35. pois o iria adquirir onerado com pesada responsabilidade (81°); 36. isto depois de já ter pago (ao promitente vendedor) a totalidade do preço da compra e venda (82°); 37. Ocorre mesmo que penhorado o direito é ineficaz a sua transmissão em relação ao titular da penhora (83°).

38. Por tudo isto é objectiva a perda do interesse do A. na prestação do R. da transmissão do direito, mesmo se efectuada pelo Tribunal em substituição do réu (84º) 2º- A fracção autónoma foi penhorada em 10-9-2013 no processo executivo n° (…) como consta inscrita no registo: cfr. certidão predial a fls 38-39 dos presentes autos. Esta execução 6771/08 está pendente e em curso (art. 21° a fls. 121 e certidão a fls 132). O réu ficou assim na indisponibilidade e impossibilidade, devido à penhora registada, de transmitir eficazmente o direito de propriedade sobre a fracção para o A., ou seja, de cumprir o contrato promessa.

  1. - No caso presente, do acervo fáctico a julgar colhe-se que o promitente-vendedor, tendo recebido integralmente o preço acordado para a venda da indicada fracção, manteve uma inércia persistente quanto à celebração do contrato definitivo, apesar das sucessivas insistências do promitente-comprador para a outorga da escritura. Além disso, não pode deixar de lhe ser imputável o facto de a fracção sido posteriormente penhorada para a satisfação de créditos que deixou de cumprir, o que se afigura de molde a comprometer, irremediavelmente, a celebração do contrato prometido com o A. ora apelante.

  2. - Em 17-3-2014 – data em que a presente acção foi instaurada - tinha havido entretanto, desde 5 de Dezembro de 2005, todos os acontecimentos atrás descritos em III nas indicadas datas relevantes. Não havia que ter sido concedido, em 2014, em tais circunstâncias, ainda novo prazo suplementar para que o R. fizesse o que não fez ao longo de todos estes anos de vida adiada dos AA. Os apelantes entendem que tal não lhes era exigível nem tinha qualquer sentido, considerando o curso do termo de mais de 8 anos e dos acontecimentos e a natureza destes.

    1. - Estas atitudes do promitente vendedor revelam, objectivamente, inquestionável censura e traduzem, uma clara vontade de não cumprir ou uma impossibilidade de cumprir, as quais resultam, assim, de comportamentos concludentes nesse sentido. Trata-se, pois, de comportamentos que são lesivos do princípio da boa fé e do pontual cumprimento dos contratos, e, como tal, incompatíveis com a intenção de cumprir o contrato promessa em questão, que, por isso, se deve considerar definitivamente não cumprido. No quadro circunstancial apurado e atentos os ditames da boa fé na integração da declaração negocial como se preceitua no artigo 239.° do CC, é forçoso reconhecer, à luz do disposto no artigo 217.°, n.° 1, do mesmo Código, que o comportamento do promitente-vendedor evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com o promitente-comprador, que é inteiramente imputável àquele, dispensando assim qualquer interpelação prévia admonitória.

    2. - Acresce que o regime do art. 808° do Código Civil não é sequer aplicável nas situações previstas no art. 442°, quanto ao contrato promessa.

      I- Se as partes estabelecem, num contrato, um determinado prazo para a sua execução, acrescido de um período moratório (de um mês), entende-se que o decurso dos prazos tem por consequência tanto o incumprimento definitivo como a presunção absoluta do desinteresse do credor na prestação.

      II- Findos os referidos prazos é legítima a resolução do contrato pelo contraente cumpridor.

    3. - Acresce ainda que o A. não pôde adquirir a fracção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT