Acórdão nº 414/14.9TVLSB.L1 -8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Data18 Fevereiro 2016
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I- V... A.C.E., intentou acção declarativa contra C... S.A., pedindo € 438.900,00, acrescida de juros vencidos de € 6.290,04, fundamentando a sua pretensão num contrato de garantia bancária.

Após a audiência prévia no despacho saneador foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 175.000,00, acrescida de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais desde o dia 29 de Outubro de 2013.

Não se conformando com a decisão a ré interpôs recurso e nas alegações concluiu: 1.A sentença em recurso padece de diversos vícios, violando lei substantiva e lei processual.

  1. Ao decidir que "Atentas estas particularidades do caso dos autos, importa concluir que a cessão da posição contratual não determinou a extinção da garantia bancária", a sentença violou o disposto no art. 599/ 2 do C.Civil.

  2. Como a sentença reconhece, "Tendo presente o disposto no art. 599, n.º 2, do C.C., a doutrina e a jurisprudência têm considerado que o beneficiário não pode exigir n garantia quando o dador da ordem cede a sua posição contratual no contrato-base sem o consentimento do banco garante".

  3. A sentença afasta esta tese, dominante na doutrina e na jurisprudência com ao simples argumento, não provado, de que "A constituição da C... não acarreta para a ré uma alteração radical das razões porque assumiu a garantia." 5.Em 20/10/2008, a Ré, a pedido de A... SA, prestou uma garantia bancária a favor da Autora, até ao valor de € 438.900,00; a mesma destinou-se a garantir a boa e pontual execução e integral cumprimento de todas as obrigações previstas no contrato de subempreitada celebrado em 19/09/2007 entre o Ordenante e a Autora, para execução de uma parte da empreitada da concessão da Scut dos Açores.

  4. Só após a interpelação da Autora e a pedido da Ré foi junta uma factura emitida sobre a C... ACE e não da Ordenante da garantia, tendo então a Autora informado que esta cedera a tal ACE, a sua posição contratual no contrato de subempreitada.

  5. Dessa cessão de posição contratual não foi dado prévio conhecimento à Ré, que não deu qualquer consentimento à mesma.

  6. Só com a junção aos autos pela Autora, em cumprimento de despacho judicial, do denominado "Contrato de cessão da posição contratual", celebrado em 7/7/2010, dois anos após a emissão da garantia bancária, portanto, e do "contrato de subempreitada", se soube que a Autora subcontratara a um consórcio, constituído pela Ordenante da garantia e outras 3 sociedades comerciais, 15% dos trabalhos de determinada empreitada.

  7. A Ré desconhece os termos do contrato de consórcio, que nunca foi junto aos autos.

  8. Como resulta do contrato de cessão da posição contratual, os membros do CONSÓRCIO decidiram constituir um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), para execução da referida subempreitada – C... ACE; 12.Segundo o contrato de cessão da posição contratual, o consórcio cedeu a sua posição contratual no referido contrato de subempreitada à C... ACE.

  9. Tendo sido transferida a posição contratual da ordenante para o cessionário, verificou-se a extinção da relação subjectiva relativamente ao cedente; a garantia bancária prestada, por já não existir a obrigação da ordenante que fora garantida, extinguiu-se.

  10. A extinção das garantias em caso de cessão da posição contratual garantida não autorizada pelo garante tem sido posição inequivocamente seguida na doutrina e na jurisprudência.

  11. Entre outras razões, invoca-se que a alteração da pessoa do dador da ordem numa garantia já prestada pode ocasionar grave risco para o garante, que terá de ser por ele apreciado. Em caso de cessão da posição de devedor principal, se extingue a garantia prestada, ou então o garante terá de ser chamado a dar o seu assentimento à cessão projectado.

  12. E ainda que a garantia autónoma à primeira solicitação vale somente para o negócio-base nela mencionado, não podendo o mesmo ser afectado com outros sujeitos, sem o consentimento do garante.

  13. No caso concreto houve uma extinção da(s) obrigação(ões) anteriores e a sua substituição por uma nova, encabeçada por sujeito diferente. Assim é perante uma novação subjectiva que nos encontramos nos termos do disposto no art.858 do CC.

  14. De acordo com o art. 861 do mesmo Código, tal novação provoca a extinção da obrigação antiga e suas garantias, excepto se existir reserva expressa em sentido contrário; como do n.º2 dizendo a garantia respeito a terceiro é necessária a reserva expressa deste”, reserva que não existiu nem vem invocada pela Autora.

  15. A afirmação contida na sentença de que o “consórcio cedeu a sua posição contratual à Cega, mas a responsabilidade da dadora da ordem manteve-se” não é correcta.

  16. O facto de, ao que consta do contrato de cessão da posição contratual, a Autora poder exigir responsabilidades ao ACE, a cada uma ou todas as agrupadas do ACE e/ou ao consórcio não permite afirmar que a responsabilidade garantida seja a mesma, que obviamente não é.

  17. A sociedade A... SA passou a responder a título diferente, como mero garante do cumprimento por terceiro, e não como responsável pela execução do contrato de subempreitada, de que deixou de ser parte.

  18. Assim, a garantia prestada pela Ré deixou de ter objecto, visto que a obrigação garantida - a "boa e pontual execução e integral cumprimento de todas as obrigações previstas em tal Contrato" (de subempreitada), tal como consta do texto da garantia bancária - se extinguiu.

  19. O consórcio é um mero contrato, sem autonomia patrimonial - a lei proíbe a constituição de quaisquer fundos comuns (art. 20.n.° 1 do Decreto-Lei n..º 231/81, de 28 de Julho) -, nem personalidade jurídica, pelo que não pode ser titular de débitos e créditos: sujeitos dos direitos e deveres emergentes das relações estabelecidas entre os membros do consórcio e os terceiros são os próprios consortes.

  20. Assim, o contrato de subempreitada não foi celebrado entre o consórcio e a Autora, como a sentença parece entender, mas entre quatro sociedades comerciais e a Autora.

  21. A lei afastou expressamente qualquer presunção de solidariedade activa e passiva entre os consortes (art. 19/1) e determinou que eventuais obrigações indemnizatórias fundadas em responsabilidade civil apenas afectam o consorte responsável (art. 19/3)".

  22. Ora, desconhecendo o consórcio e os termos da responsabilidade previstos para os seus membros, e conforme consta do texto da garantia bancária, a Ré apenas garante as obrigações da sociedade Ordenante, decorrentes da celebração do contrato de subempreitada, ou seja, apenas garante as responsabilidades próprias de execução deste contrato, e não as dos outros subempreiteiros.

  23. Haveria, sempre, pois, que determinar que obrigações garantidas pela Ré foram incumpridas, já que o contrato de subempreitada pode ter sido incumprido por outros subempreiteiros.

  24. Ao decidir como decidiu, a sentença violou o disposto no art. 19.° do Decreto-lei n.º 231/81, de 28 de Julho, e a eficácia inter partes dos contratos obrigacionais, assentando em que a Ré responde por outros incumprimentos que não apenas os da Ordenante, tornando oponível à Ré, sem qualquer prova, uma invocada cláusula de solidariedade passiva que não lhe era oponível e alargando o âmbito da garantia bancária para além do que o seu texto permite.

  25. Havendo ACE, existe uma nova pessoa colectiva, com um regime próprio de responsabilidade pelas dívidas.

  26. O que a Autora defende e a sentença sufragou foi a transformação da Ré de garante da responsabilidade de um subempreiteiro, sociedade comercial de responsabilidade limitada, e só deste, em garante de uma outra pessoa colectiva, um ACE, assim como de um dos seus associados, mas agora com uma responsabilidade bem diferente, pois deixa de ser mero responsável pelas suas obrigações como subempreiteiro, sendo responsável pelas obrigações doutro subempreiteiro, o próprio ACE, e ainda pelas obrigações dos outros membros de consórcio a que a Ré é alheia.

  27. Assim, e ao contrário do que vem afirmado na sentença, a constituição da Cega, ACE acarreta para a Ré, uma alteração radical das razões porque assumiu a garantia.

  28. Em 1.° lugar extinguiu-se a obrigação de prestar inicial, que antes radicava na esfera jurídica de cada um dos 4 subempreiteiros, sendo que a C... apenas garantiu, sem qualquer solidariedade, que desconhecia existir, a obrigação de um dos contraentes. Tal obrigação de prestar passou a ser agora encabeçada por um ACE, de que nem se fez prova de que a Ordenante da garantia é associado, pois desconhecem-se todos os elementos relativos à sua constituição.

  29. Ora, em vez de garantir o cumprimento por parte de subempreiteiro, seu cliente, cujos meios para a realização de uma obra a Ré analisou, esta passaria agora a ser garante de uma entidade cuja realidade desconhece em absoluto, mas que, certamente, será uma entidade sem património e sem meios próprios para cumprir as obrigações contratuais, a não ser que os seus membros lhe disponibilizem.

  30. Em qualquer caso, não cabe ao juiz apreciar se a cessão da posição contratual implicou ou não, no caso concreto, qualquer modificação, substancial ou não, na posição do garante. Diga-se, aliás, que a sentença não tinha factos que lhe permitissem afirmar que tal posição não se modificara.

  31. A lei não faz depender a extinção da obrigação do garante, em caso de cessão da posição contratual, de qualquer juízo sobre a modificação da posição do garante, juízo que, a existir, sempre caberia ao garante e não ao tribunal, pois é daquele que a lei faz depender o consentimento para a cessão.

  32. No que podemos qualificar como 2.° fundamento da 1.ª decisão contida na sentença, considerou esta que "Acresce dizer que, atenta a condição 7 da garantia bancária prestada pela R., "as obrigações do Garante e os direitos do ACE não serão afectados por qualquer acto ou facto jurídico que ocorra nas relações jurídicas que...

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