Acórdão nº 8767-15.5T8LSB-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA GOMES
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: 1.

“A..., SA”, Sucursal em Portugal, o “D...

”, e o “Banco S... SA”, credores reclamantes nos autos de Processo Especial de Revitalização, em que é devedora a “Farmácia ... , ”, recorrem da sentença homologatória do PER.

A primeira recorrente, conclui a sua alegação nos seguintes termos: 1.A sentença de que ora se recorre pronuncia-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, ultrapassando em muito os poderes que lhe estão cometidos, do mesmo passo que se abstém de pronunciar sobre questões que lhe foram trazidas ao conhecimento e que influem na boa decisão da causa, pelo que a sentença em crise é nula, nos termos do disposto na al. d) do n.° 1 do art. 615.° CPC, devendo ser substituída uma nova que, cingindo-se ao teor do Plano trazido ao conhecimento dos credores, atentas as exigências legais que conformam qualquer PER e a sua homologação, conclua pela sua não homologação.

  1. Por não se conformar com o lastro de conclusões em que o Tribunal a quo culmina, importa sistematizar o leque de contradições insanáveis em que incorre e que não poderão merecer outra solução que não a revogação da sentença em crise.

  2. Em primeiro lugar, importa evidenciar a violação do preceituado nos arts. 194.°, 195.° e 196.° perpetrada pelo julgador.

  3. Resultam do PER em discussão disparidades incompreensíveis no tocante ao montante de "capital consolidado" que será alvo de pagamento por parte da devedora, mormente no tocante às entidades bancárias.

  4. A devedora propõe o pagamento de 498.235,22 € de capital, com início em 01/01/2018, prevendo um período de carência de 24 meses para o capital, num total de 180 prestações mensais, vencendo o capital juros à taxa EURIBOR a 6 meses, acrescido de um Spread de 3%.

  5. Só o crédito da recorrente (enquanto entidade bancária que é) ascende a 306.998.72 €.

  6. A este valor acrescem 50.759.41 € do S..., 23.496.59 € do D..., mais 5.673.69 € do N... e 314.900.08 € do BCP, num total de 701.828.49 € 8.Paralelamente, relativamente à credora U... (que nas palavras da credora é um dos maiores credores e por isso é alvo de um plano de amortizações especial) contemplou-se o pagamento de um capital de 1.096.327,35 €, a vencer juros a uma taxa de 6%, em 84 prestações mensais, sem qualquer carência de capital.

  7. Todavia, resulta da lista provisória de créditos que não há um credor U..., mas sim o credor U... CRL, com um crédito de capital relacionado de 183.051.94 € e o credor U... S. A., com créditos reconhecidos que totalizam um total de capital de 889.973.39 €.

  8. Só com a soma dos créditos destes dois credores é que se alcança um capital consolidado de 1.073.025.33 € (um milhão e setenta e três mil e vinte e cinco euros e trinta e três cêntimos), isto é, um valor de capital reconhecido em sede de lista provisória de créditos inferior ao previsto no PER! 11.No PER não está previsto em momento algum que haja lugar a um perdão de capital (tampouco de juros), pelo que, na prática, o que resulta deste PER é um corte de capital e juros nos créditos das entidades bancárias e um incremento de capital a dois credores que não entidades bancárias! 12.O Tribunal a quo concluiu que "Sendo o valor global superior ao valor do capital em dívida às várias instituições bancárias, conforme refere o credor, a diferença corresponderá necessariamente a juros vencidos. Haverá assim um pagamento parcial de juros vencidos e um perdão no remanescente." 13.Prosseguindo com exercícios de futurologia ao decidir que “quanto à distribuição mensal do valor da prestação pelas várias instituições bancárias, na falta de indicação em contrário, será efectuado na respectiva proporção." 14.Estas conclusões não encontram suporte nos autos, quando confrontando a lista provisória de créditos e o teor do PER, muito pelo contrário, resultando ao invés que estamos perante um perdão parcial de capital para todas as entidades bancárias! 15.A este respeito não procederá o argumento de que estamos perante credores de diferente natureza, nomeadamente detentores de créditos garantidos, uma vez que também a ora recorrente detém penhor mercantil a seu favor, conforme documentos juntos com a reclamação de créditos.

  9. Atenta a disposição conjugada dos arts. 194.°, 195.° e 196.° do CIRE, bem como os documentos juntos aos autos, resulta com inabalável certeza que a posição da ora recorrente (e demais credores) é intolerável e injustificadamente preterida em função de dois credores, com o fundamento exclusivo do montante dos seus créditos (e não da sua natureza), que permitem, de per si, viabilizar um PER em derrogação de normas imperativas com a aquiescência do Tribunal a quo.

  10. A ora recorrente assiste a um perdão não negociado, não evidenciado no PER e que foi expressamente recusado, ao passo que, simultaneamente, assiste a um enriquecimento sem causa de dois credores em "idêntica situação"! 18.

    Atenta a grotesca violação com que se depara, por exemplar e suficiente, transcreve-se o sumário do Douto Ac. da Relação do Porto, de 15/09/2015: "I-A consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194° do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.

    II-O princípio da igualdade não pode ser tido por absoluto, não se impondo, de forma necessária, uma total identidade de tratamento entre créditos idênticos, tal como não se permite toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de diversa natureza.

    III-Não podem, porém, os valores subjacentes ao princípio da igualdade deixar de se correlacionar com critérios de proporcionalidade.

    IV-Ocorre violação do princípio da igualdade quando no plano de recuperação se propõe o pagamento integral de dois créditos comuns, quando relativamente aos demais créditos comuns se propõe o perdão de 70% do capital, bem como da totalidade dos juros vincendos." 19.Ainda a este respeito, resulta do PER que o tratamento diferenciado para a Udifar (para uma, sem diferenciação entre as U... constantes da Lista provisória de créditos), conforme supra se evidenciou, se resume... "Um dos maiores credores da empresa é a U..., contemplando o presente Plano um plano de amortização de dívida especificamente para este credor, com um espaço temporal de sete anos, vide Anexo C." 20.Os credores U... CRL e U... S.A. diferenciam-se da ora recorrente exclusivamente em função do valor dos seus créditos.

  11. Atente-se, por exemplo, ao decidido no Ac. da Relação de Coimbra, de 17/03/2015, quando refere que "O princípio da igualdade dos credores tolera, pois, a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante." 22.Salvo melhor entendimento, a devedora, ao não discriminar no PER qualquer justificação ou fundamento para este tratamento diferenciado de credores, evidencia o carácter meramente instrumental conferido a estes dois credores, considerando que o crédito da U... S.A. (1.247.054,99 €), só por si era insuficiente para assegurar a aprovação do PER, carecendo do crédito da U... CRL (254.623,45 €) para obter a almejada maioria perante o total de créditos reclamados (2.911.543,25 €).

  12. É inquestionável e patente desconformidade de tratamento entre credores em idêntica situação, padecendo de vício insanável a sentença de que se recorre, por violadora do disposto nos arts. 194.°, 195.°, 196.°, 215.° e n.° 5 do art. 17.°-F, todos do CIRE.

  13. Para além disso, também o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre uma questão que lhe foi colocada e que influi directamente na homologação do PER em crise.

  14. Com efeito, o julgador absteve-se de pronunciar sobre a impugnação formulada sobre a natureza do crédito da credora U ... CRL, limitando a sua apreciação à natureza do crédito para efeitos de quórum deliberativo.

  15. A credora Alliance, no seu articulado de impugnação à Lista provisória de créditos abala a extensão do penhor mercantil enquanto garantia incidente sobre o crédito da credora U... CRL, e requereu que a Exma. Sra. Administradora Judicial Provisória viesse juntar aos autos cópias das reclamações de créditos apresentadas pelas aludidas credoras reclamantes.

  16. O Tribunal a quo, verteu o seu entendimento, evidenciando que a natureza dos créditos - à excepção da classificação enquanto subordinados – não contende com o apuramento dos votos, e não determinou a junção aos autos da documentação requerida pela credora impugnante, não se pronunciando relativamente à existência do penhor mercantil a favor da credora U... CRL.

  17. Ora, resulta do alegado pela credora impugnante e do documento junto com as reclamações de créditos oferecidas pelas credores reclamantes que o penhor mercantil é uma garantia que reporta exclusivamente ao crédito da credora U... S.A.

  18. O que, embora não contendendo com os direitos de voto atinentes à verificação e obtenção de quórum deliberativo, contende para efeitos de conteúdo de plano, rectius, classe de credores, rectius, diferenciação injustificada e violadora do princípio de igualdade ínsito no art. 194.° do CIRE e determinante em termos de violação não negligenciável nos termos do art. 215.° do mesmo diploma! 30.Sem margem para dúvidas resulta que ambas as credoras U..., apesar da diferenciação de créditos, beneficiaram de um tratamento igualitário, como se ambas se tratassem de credoras garantidas, o que é uma violação inadmissível de regras imperativas e que determina, por si só, uma recusa de homologação por respeito aos 194.°. 215.° e n.° 5 do art. 17.°-F do CIRE.

  19. Mas mais, a recusa da homologação do presente PER igualmente se impunha por este ser manifestamente inexequível.

  20. Resulta que o PER ora homologado não evidencia qualquer sustentação...

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