Acórdão nº 13665/14.T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução14 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: AA, contribuinte fiscal nº (…), e BB, contribuinte fiscal nº (…), residentes na Rua (…), intentaram a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra CC, S.A., pessoa colectiva nº (…), com sede na Av. (…), pedindo a condenação da Ré: -A remover do programa informático que elabora as escalas de serviço, a proibição de os Autores realizarem serviços de voo em conjunto; -A elaborar as escalas de voo de forma equitativa, onde não há selecções ou discriminações; -A elaborar as escalas de voo dos Autores de forma a fazer corresponder reciprocamente os períodos de trabalho com as folgas semanais; -Abster-se de realizar todo e qualquer acto de assédio, que consista na prática de actos que afectem a dignidade dos Autores, que os humilhem ou desestabilizem, criando ambientes hostis, degradantes ou intimidativos; -A indemnizar os Autores, a título de danos não patrimoniais, no montante de 20.000,00 €, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que são trabalhadores da Ré desde, respectivamente, 1 de Maio de 1990 e 1 de Fevereiro de 1999, têm a sua base de operações sediada em Lisboa e actualmente as categorias profissionais de Comandante e Oficial Piloto, respectivamente.

No dia 30 de Maio de 2013, estando ambos escalados, apresentaram-se no Aeroporto de Lisboa para realizar o serviço de voo S4 851 LIS/SSA, com partida de Lisboa e destino a São Salvador, tendo sido impedidos de o realizar conjuntamente pela Ré, através do funcionário do Controlo de Tripulação (um deles teria que ir para casa). Os Autores sentiram-se humilhados perante os funcionários do Controlo de Tripulação, a tripulação e demais presentes. Constataram que nas escalas de serviço dos meses subsequentes, a Ré programou os voos de modo a que os Autores não voassem juntos, constando do sistema informático que elabora as escalas a proibição de voarem juntos. Por ordens da Ré, os Autores, desde 30 de Maio de 2013, não realizaram mais serviços de voo juntos. Desde 30 de Maio de 2013, as escalas são concebidas para que os Autores não beneficiem de tempos de descanso ou lazer em simultâneo. A proibição de voarem juntos, imposta pela Ré, é persecutória e discriminatória. Os Autores sentem-se fortemente intimidados, frustrados, desacreditados e humilhados face ao comportamento da Ré. Sempre foi política da Ré fazer conciliar os serviços de voo com tempos de descanso das tripulações com laços familiares, conjugais e afins, sendo os Autores a única excepção na empresa. Sentem-se ainda prejudicados na sua vida conjugal, familiar e social.

Concluíram que o comportamento da Ré se enquadra num tratamento discriminatório, persecutório e de assédio, constituindo igualmente uma violação do princípio de conciliação trabalho/família, que lhes causa danos que devem ser ressarcidos.

A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que no dia 2 de Março de 2013, os Autores, na qualidade de pilotos da Ré, como comandante e oficial piloto, respectivamente, foram intervenientes num acidente com a aeronave (…) aos comandos da qual se encontravam. Após o acidente a Ré iniciou um processo de averiguação interno às causas do mesmo, tendo imediatamente apurado que nos dois anos que antecederam o acidente, os Autores tinham diligenciado, quer junto dos serviços de escalas da Ré, quer junto dos colegas (através de trocas) para voarem em chave (para efectuarem os voos sempre juntos ao comando das aeronaves). É prática comum da indústria que as escalas sejam feitas de forma aleatória, não permitindo que as tripulações sejam compostas sempre pelas mesmas pessoas, a fim de evitar que as rotinas determinem falhas de segurança. A necessária cadeia de comando e de autonomia pode ser posta em causa entre dois familiares muito próximos. No decurso das averiguações ao acidente veio a apurar-se ser desaconselhável os Autores voarem juntos (porquanto os mesmos prejudicaram a investigação efectuada pelo GPIIA e pela Ré, na medida em que culposamente deixaram o gravador de voz do cockpit em funcionamento após a chegada, tendo as gravações do voo sido perdidas). Tal comportamento constituiu uma violação das regras europeias de aviação (Regulamento Europeu EU-OPS nº 859/2008 e nº 996/2010) e impediu a Ré de apurar, com certeza, qual dos dois Autores tripulava a aeronave no momento do acidente.

Na sequência da averiguação e de acordo com a recomendação emitida pelo Safety da CC, a Ré emitiu uma instrução para o serviço de escala sobre política de composição de tripulações técnicas, determinando um princípio geral, de acordo com o qual o departamento de planeamento e gestão de tripulações deve acautelar uma efectiva rotatividade de tripulações e definindo regras particulares relativas ao nível de experiência e relações familiares directas (a coabitação no cockpit de membros da mesma família – cônjuges, pais, filhos e irmãos – em funções técnicas não é permitida salvo autorização expressa do accountable manager).

Não obstante a instrução dada, a Ré tem tido o cuidado de escalar os Autores de forma a que os mesmos possam, sempre que possível, gozar folgas e férias em conjunto.

Concluiu que os dados recolhidos no âmbito da investigação ao acidente ocorrido com os Autores determinou a conclusão que as escalas devem abster-se de escalar ou pelo menos evitar familiares de grau próximo estarem ao comando da mesma aeronave, pelo que foram dadas instruções nesse sentido, que afectam todos os tripulantes e nada tem de persecutório ou ilegal, devendo a acção improceder.

Foi proferido despacho saneador com dispensa da selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se a audiência de...

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